Venâncio é terra de alemão. Essa é a descrição feita pela maioria da população. Porém, mais do que o povoamento vindo da Alemanha, a imigração no município deve ser vista de outras formas.
De acordo com a historiadora Angelita da Rosa, é importante destacar que, antes da chegada dos imigrantes germânicos, já havia um povoamento luso-açoriano no município. “As terras tinham sido distribuídas para portugueses que nem moravam aqui”, afirma.
Ela cita como um dos beneficiados Francisco Machado Fagundes da Silveira, que era avô de Brígida do Nascimento. Ele morava em Rincão Del Rey, em Rio Pardo, e tinha terras em Venâncio que eram cuidadas por escravos africanos.
O início da colonização alemã em Venâncio Aires começou antes mesmo da existência da Alemanha como país. Angelita explica que vieram os imigrantes de regiões que hoje não são a Alemanha, como é o caso dos boêmios, da hoje República Tcheca. “É correto dizer que na verdade temos uma imigração da cultura germânica”, esclarece.
A historiadora explica que o que se tem é uma cultura colonial, que mistura costumes da cultura alemã/germânica somados a aspectos locais. “São costumes germânicos em uma outra realidade regional, que fez com que se criasse uma cultura colonial”, observa.
COLONIZAÇÃO
A chegada dos colonizadores ocorreu de duas formas. Uma foi a particular, quando alguém tinha terra, loteava e vendia para imigrantes. A outra, feita pelo governo, trouxe imigrantes para colônias oficiais. “Isso era onde havia o empenho do governo imperial em lotear terras e trazer pra cá colonos para povoar”, afirma Angelita.
Em Venâncio, a primeira colônia particular que se tem conhecimento foi feita por Coronel Antônio Joaquim da Silva Mariante, em 1856, e ficava onde hoje é Estância Nova. Mas o forte da colonização, segundo Angelita, começa pela antiga colônia de Monte Alverne, em 1859, que é muito maior que a que se tem hoje: era uma área que compreendia parte de Venâncio Aires e deu origem às localidades como Maria Madalena, Marechal Floriano, Linha Isabel, Linha Brasil, Cecília entre outras. Além disso, as regiões do Vale do Alto do Sampaio foram o forte da colonização germânica no município.
“Alguns livros antigos, como na publicação ‘Os velhos Gressler’, indicam que Linha Brasil, por exemplo, tinha um povoamento tão extenso, tão forte, que havia a possibilidade de ser um centro urbano”, cita a historiadora.
“Acho muito complicado quando se diz que aqui é terra de alemão, porque a cultura é alemã. Se comparar com a cultura da Alemanha, vamos ver que aqui se tem uma cultura colonial, já que temos costumes germânicos de uma outra realidade regional.”
ANGELITA DA ROSA
Historiadora
Associativismo é herança dos colonizadores
A historiadora Angelita da Rosa observa que uma característica forte ainda percebida entre os moradores de Venâncio Aires é algo que foi trazido pelos imigrantes. Ela enfatiza que alguns teóricos chamam de capital humano – trata-se do senso de associação, mutirão, de se unir por um propósito.
A imigração trouxe essa prática muito forte, de unir os povos em favor de um propósito. Nesse sentido, perpetuou-se o senso de comunidade e solidariedade. “O povo é solidário e se une para fazer as coisas acontecerem”, reforça.
Angelita observa que essa união também ficou caracterizada pelas sociedades. “Venâncio chegou a ter mais de 300 sociedades registradas”, acrescenta. As sociedades do interior eram criadas por diferentes razões, desde damas e cavalheiros até bolão de mesa, por exemplo. A historiadora também cita sociedades de leitura, já que os imigrantes trouxeram muitos livros e criaram escolas para alfabetizar as crianças.
Sobre a continuidade dessa prática, ela observa que a tendência é que as sociedades cada vez mais diminuam pela falta de engajamento da nova geração. “Acho que vai se perder, e é lamentável, porque é um traço cultural muito importante”, percebe.
ADAPTAÇÃO CULTURAL
Angelita afirma que a cultura é algo que está em constante mudança e movimento. Quando os imigrantes chegaram, trouxeram a cultura daquela época, mas, ao passar do tempo, tudo muda e muitas coisas são extintas, inclusive. “Algumas coisas se cristalizaram culturalmente porque eles vieram com aquele pensamento, aquela cultura e ela permaneceu”.
Outra coisa que deve ser considerada, segundo a historiadora, é a adaptação cultural com o passar do tempo, com a criação de novos hábitos e dialetos. “Eu sempre uso o exemplo do chimarrão, que é um hábito indígena. O chimarrão permaneceu como um hábito porque o imigrante provou e assumiu como hábito.”
Angelita também explica que alguns costumes permaneceram por conta do desejo de se manter uma unidade cultural. O sentimento de pertencimento e identidade também é algo que veio com o imigrante. “Se ajudar mutuamente é uma forma de pertencimento muito forte. Isso fez com que muitos aspectos culturais ficassem até hoje e isso é muito bom”, analisa.
“O senso de associativismo e comunidade foi uma coisa muito forte que veio com a imigração e permaneceu.”
ANGELITA DA ROSA
Historiadora