
Venâncio Aires - Moradores da região serrana de Venâncio Aires enfrentaram uma semana difícil. Desde a tarde de segunda-feira, 15, quando fortes ventos atingiram o município, parte da localidade de Linha Cipó está sem fornecimento de energia elétrica. De acordo com relato de moradores, pelo menos três postes que sustentam a rede caíram e interromperam a distribuição. São 21 famílias, no total, que integram a rede que está com problemas.
Com freezers e geladeiras descongelando, muitos moradores devem perder dezenas de quilos de carne e outros alimentos que estavam congelados. Clécio da Silva, de 55 anos, explica que tem dois freezers, com cerca de 150 quilos de carne. “Acho que vou perder tudo. Levei um pouco no vizinho, que tem gerador, mas também não é fácil. É uma vergonha. O pessoal daqui está abandonado”, desabafa.
Ele mora cerca de 32 quilômetros distante da região central. O produtor rural menciona que a falta de luz afeta toda a rotina, incluindo a agricultura: no ápice da colheita do tabaco, os termômetros que medem a temperatura, por exemplo, não funcionam. É preciso ‘segurar’ o fogo a “olho”. “A gente nem sabe a classificação que vai tirar. Não podemos fazer muito fogo, pois é capaz de estragarmos uma fornada inteira”, comenta. O tabaco que está na lavoura no estágio para ser colhido, precisará aguardar mais alguns dias, devido ao andamento da secagem ser demorado.
“A gente se sente abandonado, com vontade de desistir e ir embora do interior. Mas também não é tão fácil fazer isso”, revela o produtor, frente aos prejuízos já registrados em anos anteriores por causa da falta de energia elétrica.
A rotina guiada pela luz do sol
A aposentada Noeli Haupt tem 73 anos e, desses, pelo menos 15 mora totalmente sozinha, desde o falecimento do marido. Devido à idade, enfrenta dificuldades para se locomover. Para tratar os animais, como dois terneiros e uma vaca, e ir até a horta, conta com o auxílio de uma muleta.
Criada em meio as densas matas da Linha Cipó, costuma se deslocar até a região central de Venâncio somente uma vez ao mês, quando realiza as compras do mercado e farmácia.
Para o Natal, ela já havia comprado carne e outros itens: “Tenho dois freezers e nem abri eles para não descongelar”, comenta. “Isso não é fácil”, complementa a idosa.
Sem luz, o jeito, segundo ela, é acordar e dormir de acordo com o sol. Sem rádio, TV e até mesmo sem telefone, fica isolada do mundo: “Quando falta luz sempre fico com medo, porque sei que sempre demora para voltar”, declara.

Falta de energia afeta o desenvolvimento
Esperar pelo retorno do fornecimento para essas famílias é sinônimo de muita preocupação. Segundo eles, em nenhum momento receberam previsão para a luz voltar ao normal.
A rede de energia é antiga, instalada pouco antes dos anos de 1990. Muitos postes ainda são de madeira – e os de cimento que existem hoje, majoritariamente, foram substituídos quando outros de madeira acabavam cedendo.
“Há muito tempo estamos pedindo para uma mudança na rede. Ela passa por locais de difícil acesso, dentro da mata, e queríamos que fosse instalada às margens da estrada. Seria mais fácil de realizar manutenção”, considera o produtor rural Arceli Henn, de 44 anos.
Na propriedade, possui gerador de energia, mas os gastos se voltam para garantir diesel ao equipamento. “O gerador é para ser usado durante algumas horas ou, no máximo, um dia. Não suporta quase uma semana trabalhando direto. É um custo elevado, e não tem potência para abranger demanda normal de luz”, comenta.
A cada ano, no mês de dezembro, segundo afirma Arceli, são registradas faltas de energia que se estendem por quase uma semana. “É um período que costuma ter temporal. Teve vento na segunda-feira, mas não tanto para derrubar os postes”, constata Henn.

Investimento
Além de Arceli, residem na propriedade a esposa Tatiane e os filhos Rafael e Raíssa. O carro-chefe é a produção de tabaco. Para facilitar a rotina foram realizados investimentos importantes. Henn detalha a recente construção de uma estufa elétrica – mas com a falta de luz, a estrutura não funciona. As folhas de tabaco já amarelaram e, como não tem fogo, o produtor teme perder praticamente toda a fornada.

“Tem meu filho de 18 anos que pretende tocar as atividades no interior, mas com esses problemas, é difícil pra gente investir. Tem vizinhos que já desistiram”, observa ele. “Por causa das dificuldades, também com a falta de luz, pessoal está indo morar na cidade.”
Henn complementa que o dia a dia na localidade é bastante tranquilo, mas as adversidades impõem limites: “A tecnologia está disponível para usarmos, mas sempre temos medo de investir, por causa dos problemas com a luz”.
“Nos sentimos abandonados. Ninguém pergunta para a gente o que precisamos ou resolve o problema com a energia. Cada ano é mais difícil.”
ARCELI HENN
Agricultor
Contraponto
A reportagem fez contato com a assessoria de imprensa da RGE solicitando esclarecimento sobre a situação, que afirmou somente que equipes da concessionária trabalham na manutenção da rede e, ” tão logo o serviço seja concluído, o fornecimento será normalizado”, disse o comunicado.