Voz e visibilidade. Diálogo e reflexão. Essas são algumas das palavras-chaves que norteiam o trabalho do Coletivo Agbára RS, fundando em Venâncio Aires em 2018. Um grupo talvez ainda muito jovem se comparado a outros, como o próprio Palmares, que surgiu exatamente há 50 anos, em Porto Alegre. Mas assim como esse precursor, que deu origem ao Dia da Consciência Negra, o grupo venâncio-airense sabe do seu papel diante da sociedade.
Nesta reportagem, a Folha do Mate apresenta algumas histórias de mulheres que vêm fazendo a diferença nas suas profissões. Por motivos diferentes ou totalmente iguais, eles decidiram arriscar e empreender, numa luta diária, e hoje entendem que podem ser exemplos para outras pessoas.
Fernanda e Karina
A publicitária Fernanda Lopes, 27 anos, procurou, mas não encontrou. Mesmo formada, a falta de oportunidades de trabalho na sua área era uma realidade em Venâncio e na região. Por isso, o jeito foi encarar e arriscar. Assim, começou uma empresa de marketing, a Odara.
O projeto mais recente, prestes a completar um ano, é a ‘Eh de Preta’, uma loja virtual de produtos para cabelos cacheados, crespos e ondulados. “Nossa dor não é só nossa. A gente não encontrava em Venâncio e na região produtos para o nosso cabelo”, relata Fernanda.
Assim, ela uniu sua formação como publicitária com o talento da prima, que é esteticista. “Com a união das nossas formações conseguimos empreender em algo nosso, que atende às nossas necessidades e de muitas pessoas que não encontram produtos especializados”, destacou Karina Lopes, 30 anos. Além de esteticista, Karina também é pedagoga numa escola infantil de Venâncio.
O Eh de Preta já ultrapassou fronteiras e há clientes em outros estados, como Espírito Santo, e até países, como o Chile.
Michele
Michele Cristina dos Santos, 32 anos, trabalha como balconista em uma farmácia. Mas, desde 2015, uma atividade paralela vem ganhando cada vez mais espaço e o objetivo, um dia, é fazer do ‘Gostosuras da Mi’ seu principal ganha-pão.
Elogiada pela boa mão para fazer doces, Michele diz que lhe faltava o jeito para vender seus produtos. “Era muito no boca a boca, mas aí fui me inteirando das redes sociais e criei uma página no Instagram em 2020. O ‘boom’ mesmo foi depois que participei de uma live do Coletivo [Agbára]”, conta. Michele se diz feliz com as oportunidades, mas afirma que o desafios são diários. “Infelizmente, tem gente que prefere outro produto, às vezes de qualidade inferior, por causa da cor da minha pele. Então cada cliente que conquisto, é uma vitória. É preciso matar um leão por dia.”
Ana Paula
“Temos consciência do nosso papel na sociedade, de quem somos, e de mostrar para outras meninas negras que elas também podem.” A afirmação é de Ana Paula Ferreira, 28 anos. A jovem, que começou como consultora de beleza de uma empresa de cosméticos, hoje também é maquiadora especialista em pele negra, uma das precursoras na região. Para isso, houve muito estudo e cursos profissionalizantes. “Não queria ser apenas mais uma. Queria fazer o além justamente por entender que muitas vezes, por falta de um produto ideal, a maquiagem não sai do jeito que gostaríamos.”
Atualmente, ela recebe as clientes em um espaço em casa, no Loteamento Parque do Chimarrão. Além de empreendedora, Ana Paula também é musicista e toca percussão em uma banda. “Precisamos sempre lutar para nos colocar no lugar que quisermos, seja como mulher, seja como negra. É uma luta diária e, talvez por medo de sofrerem, muitas mulheres ainda se escondem.”
Um espaço de motivação e inspiração
As histórias da Fernanda, da Karina, da Michele e da Ana Paula são exemplos reais dentro do que se propõe o Coletivo Agbára RS. Elas são parceiras do grupo, mas há outras 40 mulheres que hoje integram o projeto. “Esse é um espaço de luta antirracista em constante construção, através do diálogo e da reflexão”, define Isabel Landim, 66 anos, co-fundadora do coletivo.
Isabel, que é terapeuta holística, diz que a ideia foi dar voz e visibilidade para as mulheres negras. “O grupo cresceu, tem pessoas de outros lugares, e tem mulheres brancas também. É um espaço de conversa, de motivação e de fazer com que as mulheres entendam que elas podem estar em qualquer lugar e fazer qualquer coisa.”
Entre as ações, rodas de conversa, feiras e as lives nas redes sociais. A mais recente foi com afroempreendedoras de Venâncio Aires, com o projeto ‘Inspirações Empreendedoras’, para as participantes divulgarem seus trabalhos e um pouco das suas trajetórias e desafios.
“Nós podemos fazer tudo e, como empreendedoras, ter nossa capacidade reconhecida nos alavanca. Sabemos que têm muitos talentos em Venâncio, mas alguém precisa ajudar a abrir a porta, para elas verem que é possível fazer.”