Sentados sobre as mesas e bancos do pátio da Galeria A, apenados assistem à missa (Foto: Júnior Posselt/Folha do Mate)
Sentados sobre as mesas e bancos do pátio da Galeria A, apenados assistem à missa (Foto: Júnior Posselt/Folha do Mate)

Venâncio Aires - Entre os muros altos da Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva), o tom ensurdecedor do silêncio dita a rotina. Para os homens que cumprem pena, os dias se repetem, determinados pelo nascer e pelo pôr do sol. Mas é nas unidades prisionais que os detentos têm a oportunidade de escreverem novos capítulos nas suas vidas, transcendendo as grades que os separam da família e dos amigos.

Para isso, os presos contam com uma série de amparos, principalmente psicológicos, que buscam o desenvolvimento de um novo olhar – não para o mundo do crime. Em determinados momentos de cada mês, participam de celebrações religiosas, abordando reflexões positivas e, mais do que isso, a Palavra de Deus. A fé reúne condenados pelos mais variados crimes, raças e classes sociais, um ao lado do outro.

No dia 10 de outubro, a redação integrada do jornal Folha do Mate e da rádio Terra 105.1 FM acompanhou um desses momentos, promovido pela Pastoral Carcerária da Paróquia São Sebastião Mártir (PSSM). Além da Igreja Católica, atividades são realizadas pela Tribo do Rei e a Universal.

O padre Aldo José da Silveira, o diácono Roque Schroeder, a ministra Cledy da Silveira e o violeiro Paulo Teixeira chegaram por volta das 8h50min no pátio da Galeria A para a celebração, já que não há outro espaço para realização da missa. Local limpo e bem-cuidado, tem a visão para o céu em formato quadriculado, em função das grades de ferro instaladas e que impedem o arremesso de objetos para a área interna. O chão é de concreto queimado. Alguns ventiladores fazem o ar, denso e pesado, circular.

O barulho da porta de ferro abrindo, que ecoa pelos corredores internos da Peva, apresenta aos apenados um sinal de acolhimento. Em poucos instantes, o espaço de paredes claras e com acústica imperfeita aos ouvidos, se transforma em um local de piedade para aqueles que buscam um momento de paz e autorreflexão. Para os detentos, que veem o tempo do cárcere passar lentamente, o momento tem o afago de voluntários que “vieram para fazer o bem”, como afirmou um dos homens que cumpre pena na Peva, e que conversou com a reportagem. A esperança é renovada em meio ao período de expiação.

A celebração começa com o som de um violão. A melodia de ‘O Último Julgamento’, clássico de Milionário e José Rico, junta os homens, que cantam e batem palmas. Logo após, as mãos ficam entrelaçadas, em sinal de oração. “Em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo, amém”, anuncia o sacerdote, seguindo o sinal da cruz, que marca o começo da missa.

Eles não são definidos pelos crimes que cometeram, mas vistos como homens capazes de acreditar em si mesmos. “Quando ainda estava na rua, frequentava a igreja. Acabei me desviando e, hoje, estou aqui pagando”, confidencia um apenado de 35 anos, que mantém a Bíblia como fiel companheira. “A Palavra de Deus tira nosso pensamento daqui. Sinto que Jesus está no meio de nós, abençoando e abrindo nossos caminhos”, afirma, enquanto aponta para uma passagem que marcou em Provérbios 17:22: “O coração alegre é bom remédio para o corpo, mas a tristeza na alma acaba com a saúde do homem”.

Segundo ele, o momento religioso é pilar para equilibrar a mente. “É muito difícil este momento de estarmos presos. Quando buscamos a palavra, nosso pensamento está fora daqui. Penso que Jesus está no meio de nós, e pedimos que Ele abençoe e abra nossos caminhos”, reforça.

Lado a lado, apenados não são apontados pelos crimes cometidos, mas acolhidos pela fé (Foto: Júnior Posselt/Folha do Mate)

A fé como refúgio e esperança

A presença de religiosos na Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva) renova o ânimo dos apenados, que se sentem acolhidos em um ambiente onde enfrentam a marginalização. Eles relatam que, via de regra, são criticados pelos atos que cometeram, mas os motivos que os levaram a essa situação raramente são ouvidos. Em oração, a principal prece é pela reconquista da liberdade, junto ao pedido por uma vida digna.

“A fé acalma o preso, é uma porta que se abre para a nossa ressocialização. A gente está aqui sempre com esperança de melhorar, mas somos marginalizados pela sociedade. Esses momentos são importantes e constroem um sentimento de esperança. Todos nós temos família, e a igreja é outra família que a gente tem”, relata um detento de 52 anos.

Na sequência, a missa foi celebrada na Galeria D. O som de portas de ferro se abrindo e fechando novamente deu passagem aos religiosos e, no novo espaço, o sentimento que mescla fé e comoção se repetiu. “Sempre tive contato com a fé. Sou de família católica, uma ligação que vem desde os meus avós. Com as missas, a gente procura lembrar o tempo que estávamos com a família. Elas são muito importantes, um lugar onde a gente pode se ‘agarrar’ em alguma coisa, na esperança de que algo melhor possa acontecer”, diz um apenado de 29 anos.

Segundo ele, as atividades religiosas trazem um sentimento positivo que alivia a carga da pena: “Tira o peso que a gente sente nas costas. Viemos buscar aconchego para sair de dentro deste mundo e lembrar que lá fora tem algo a mais.”

Bíblia acompanha apenado: “Sinto que Jesus está no meio de nós” (Foto: Júnior Posselt/Folha do Mate)

Na música, o encontro com a alegria

Quem está na unidade prisional, conforme explica o diretor Daniel Portela Dornelles, cometeu algum crime enquanto estava na rua e agora está no processo de ressocialização para retornar ao convívio do lado de fora. A realidade de cada um é diferente, como parte financeira e laços familiares, que podem ter levado o apenado e cometer crime e, posteriormente, prisão.

Durante as missas ou celebrações na Peva, o encontro com a fé também se conecta com o poder da música, que revela um sorriso no rosto dos apenados, muitos com o ‘dom de cantar’. É a felicidade que se manifesta em uma melancólica realidade. O músico Paulo Teixeira, chamado de Paulinho, é a grande estrela, que leva o som afinado do violão de seis cordas.

“A gente não pode abordar com eles [apenados] comparações daquilo que fazemos lá fora. Eu gosto muito de apresentar músicas e falar histórias positivas, uma mensagem especial. A imagem que a comunidade tem, lá fora, é muito diferente da realidade vivida aqui dentro”, considera.

Mensagem de libertação

O padre Aldo José da Silveira, que celebrou a missa, destacou que a principal mensagem que a Pastoral Carcerária busca levar aos apenados é a libertação. “Buscamos ajudá-los a se libertar das amarras, dos vícios e daquele mal que os trouxe para cá, para que possam sair daqui livres, com alegria, voltando à vida normal. Trabalhamos muito nesse sentido”, explica.

Na Eucaristia, das mãos da ministra Cledy da Silveira, apenado recebe uma hóstia (Foto: Júnior Posselt/Folha do Mate)

O padre ressaltou que a preparação e a celebração dentro da unidade prisional são adaptadas à realidade. “Em cada lugar, em cada situação, a gente procura se adaptar. Quando você vem para um local como este, onde eles estão presos, a gente se coloca também no lugar deles, para que possa ajudá-los a sair daqui livres e se defendendo de todo o mal. Na própria preparação, a gente se faz um deles para poder ajudá-los”, afirma.

A atuação do padre Aldo junto ao sistema prisional é de longa data. Ele recorda que o trabalho começou em 1997, ainda no antigo Instituto Penal de Mariante (IPM). “Quando cheguei, em 97, era um presídio fechado e eu já acompanhava, muito mais do que agora. Tínhamos mais liberdade, mais tempo, almoçávamos e jogávamos futebol com eles. Depois, aqui se tornou um pouquinho diferente, mais restrito. Mas, desde que o presídio abriu, e assim que fomos autorizados, estamos aqui trabalhando junto com eles”, relembra.

O diácono Roque Schroeder complementou, detalhando a missão da Igreja Católica nesse trabalho. “A mensagem é para que, no dia em que estiverem lá fora, eles sejam pessoas melhores do que quando chegaram aqui. Que sejam restaurados, não só por nós, mas com a ajuda de todas as pessoas, seus familiares e também o convívio deles aqui dentro”, diz. Ele fundamenta a atuação da pastoral em um preceito bíblico. “Como Jesus disse: ‘Estive preso e viestes me visitar’. Então, este é o trabalho da pastoral”.

691
é o número de detentos na Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva).

Atividades

  • A assistência religiosa nas unidades prisionais é uma prática consolidada através da Lei de Execuções Penais (LEP). Nenhum detento, conforme a legislação, é obrigado a participar das atividades.
  • Na Peva, conforme o diretor Daniel Portela Dornelles, é reconhecido o papel fundamental das atividades como construção de um ambiente que promova a reintegração dos apenados no espaço social. “O melhor resultado que a gente pode conseguir com a oferta religiosa e conexão com a espiritualidade é a mudança no rumo de vida deles, tanto pro interno como pra família. Se ele sair com a visão de que a espiritualidade mudou a vida dele, é um benefício para todos”, explica.
  • Em toda a unidade prisional, aproximadamente 120 apenados participam das atividades. Promovem celebrações religiosas a Igreja Católica, uma vez por mês, em duas galerias a cada agenda; Tribo do Rei, duas vezes por mês, em uma galeria por data; e a Universal, nove dias por mês, com uma galeria a cada vez.
Bênçãos levam aos apenados esperança no processo de ressocialização (Foto: Júnior Posselt/Folha do Mate)

“A fé é alicerce para nós [apenados] nos mantermos tranquilos e seguirmos um objetivo: voltar para a rua e fazer a vida de um jeito diferente.”

HOMEM DE 35 ANOS
que cumpre pena na Peva

Júnior Posselt

Acompanha de perto o dia a dia da comunidade, com olhar atento ao interior e à educação.

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