A prenda toma o chimarrão e passa para o peão a cavalo que, pilchado, defende as tradições gaúchas no campo. Este é um cenário comum e recorrente quando se fala no Rio Grande do Sul e no hábito do mate que passa de mão em mão. Mas, e se pensarmos no chimarrão como algo urbano que faz parte do dia a dia das famílias na cidade e no interior, no campo e no apartamento, no carro ou metrô?
A cultura do chimarrão vai muito além do tradicionalismo e foi isso que o publicitário Daniel Finkler, 38 anos, quis defender ao criar a Erva-Mate do Rock. Muito mais do que um produto, a intenção é apresentar um novo conceito para a bebida símbolo dos gaúchos.
Natural de Carazinho, o empreendedor mora em Porto Alegre. O vínculo com Venâncio Aires foi muito forte na infância, já que os avós Arthur e Nelda Finkler, hoje falecidos, moravam no município. Hoje, ainda tem familiares e amigos na Capital do Chimarrão. “Meus avós constituíram família em Venâncio, era para onde eu ia sempre nas férias de inverno e verão”, conta.
E é do avô que guarda muitas das lembranças e do afeto pelo chimarrão. Porém, o estudo e o hábito se tornaram mais presentes na sua vida em 2002 quando foi morar em Curitiba, no Paraná, para estudar Música. “Nesse distanciamento saindo do estado, acabei de fato ingressando na cultura. É uma incoerência, mas cheguei e não se falava nada do Rio Grande do Sul. Acabei escutando músicas nativistas e lendo autores gaúchos que falavam sobre os pampas”, comenta.
Finkler conta que comprou todos os livros do Luis Fernando Verissimo e começou a escutar Kleiton e Kleidir, tudo na intenção de se aproximar, de alguma forma, de suas raízes. “ Por mais que não seja tão distante, e mesmo que produção de erva-mate seja tão grande lá, não tem esse contato com a cultura daqui. Em 2002, comecei a tomar chimarrão por saudade, imitando meu avô que tomava logo cedo”, recorda.
Como estudava por muitas horas, o chimarrão fazia parte da rotina diária e, quando voltou para o estado, três anos depois, a ‘companhia’ da cuia era sempre presente. De 2010 a 2016, participou de uma banda de rock que só tocava Beatles, com quem viajou pelo Brasil inteiro para shows e, inclusive, para a Inglaterra. “E o chimarrão estava sempre comigo. Só não podia beber na hora do show”, comenta.
CHIMARRÃO URBANO
Quando a banda que tocava encerrou as atividades, em 2016, Finkler já estava formado em Publicidade e Propaganda e começou a estudar para desenvolver uma marca para algum produto. Um amigo sugeriu unir a erva-mate e o rock para mostrar um conceito mais urbano. “Decidi estudar a erva-mate e vi que ela tinha muita conexão com campo, com a prenda, e tudo refletia isso”, observa. Porém, ele percebia muitas outras características que formavam o conceito da erva-mate, do chimarrão, fora do campo e do tradicionalismo. “Queríamos mostrar esse conceito urbano, do cara que toma chimarrão no escritório, no banco, no Uber, para que o jovem possa enxergar melhor nossa cultura”, completa.
O publicitário salienta que, de maneira geral, os jovens têm um desprendimento cultural e não conseguem perceber todo o valor histórico por trás desse costume que começou há muitos anos e é algo precioso. “Se pararmos para pensar, teve pouca evolução e o produto é assim, chimarrão não é praticidade. Pensamos em urbanizar, mas não simplificar, a diferença é que vamos falar de outra forma sobre ele”, defende.
Rock e parceria com a Ervateira Elacy
Com a intenção de apresentar um produto que mostrasse o valor da erva-mate e do chimarrão de forma mais urbana, Daniel Finkler criou a Erva-Mate do Rock. Junto ao produto, foi lançado um perfil no Instagram para mais do que promover a marca, pudesse se desmistificar a ideia que o chimarrão era algo totalmente ligado a costumes tradicionais do campo.
Em 2018, a marca começou a ser desenvolvida. Por meio do contato e auxílio do Sindicato do Chimarrão, Finkler chegou até a Ervateira Elacy, de Venâncio Aires, onde foi muito bem recebido. A erva produzida na Capital do Chimarrão é embalada com o conceito da Erva-Mate do Rock. “Escolhemos a moída grossa por ter um sabor marcante. Sempre tomei dessa marca e meu avô também tomava”, acrescenta.
A comercialização começou em 2019 e o máximo que se conseguiu até o momento foi 200 pacotes por mês. “É uma comercialização pequena, mas um propósito muito legal. Vai ao encontro da forma que a Elacy trabalha. Aportamos em todas as classes sociais e faixas etárias”, diz o diretor da Elacy, Gilberto Heck.
Foram feitas parcerias com algumas lojas de instrumentos musicais para comercialização, mas em virtude da pandemia de coronavírus, o atendimento on-line dificultou um pouco as vendas. “Aqui em Porto Alegre eu mesmo vendo. Chegamos a mandar para o Canadá e para todo o Brasil. Era o termo da comunicação emocional, utilizado na publicidade, que queríamos atingir e conseguimos”, avalia Finkler.
O publicitário planeja aumentar a interação por meio do Instagram @ervamatedorock, com a comercialização de box de produtos. Além disso, também será lançado um livro de crônicas e contos ancorados no chimarrão. “São vários cenários e histórias curiosas, o livro está pronto em fase de correção, agora estamos em busca de uma editora”, completa.
Por que erva-mate e rock?
Daniel Finkler afirma que decidiu falar através do rock porque ele é uma âncora para outros conteúdos. “O rock permite que se fale de amor, protesto, ele é muito versátil. No Instagram, demonstramos isso”, comenta.
O pacote de erva-mate conta com um QRCode que direciona para um aplicativo de realidade aumentada. “O conceito é que a gente prendeu uma banda dentro de um pacote de erva. Quando é acionado, toca um rock e aparece um clipe”, completa. Com isso, o objetivo é captar o consumidor mais jovem. “Esse jovem que não se conecta ao CTG pode se conectar conosco, a erva não precisa estar presa ao tradicionalismo”, defende.
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