A previsão do tempo para este domingo, 13, indica uma temperatura que pode chegar a quase 35 graus. Curiosamente, essa marca no termômetro e um intenso abafamento foram registrados no mesmo dia, seis décadas atrás. Naquele dezembro de 1960, três pessoas foram até o alto dos campos dos Gressler, região sudoeste da cidade de Venâncio Aires, para fazer umas medições.
Dois eram homens já experientes nas sua funções: o empresário do ramo tabacaleiro Rodolpho Knies e o engenheiro santa-cruzense Ernesto Kurt Lux, um dos fundadores do Daer. Junto deles, foi um rapazote comprido, um magrão de 1,90 de altura e com apenas 21 anos. O então jovem era Norberto Froemming que, naquele dia, em meio a um macegal que parecia infinito, ajudou a medir a área para a construção do primeiro pavilhão da futura sede da Fumossul de Venâncio Aires.
O mesmo Froemming, que acompanhou ‘do zero’ o começo de uma das empresas mais tradicionais do município, décadas depois foi o último a sair, quando as atividades de beneficiamento, já sob o nome de Universal Leaf, encerraram em 2006.
É a história deste senhor, que hoje tem 81 anos, mas também de parte da trajetória do setor na Capital Nacional do Chimarrão, que a Folha do Mate resgata na edição de hoje.
Os primeiros anos
O tabaco, pelo viés comercial e não agrícola, sempre fez parte da vida de Norberto Froemming. Ele era um guri quando o pai Carlos tinha uma casa comercial em Vila Melos (então localidade de General Câmara e hoje município de Vale Verde). Como a maioria dos fregueses era de fumicultores, Carlos tinha um posto de compra de tabaco em troca da venda de mercadorias. O fumo que adquiria, era vendido para a extinta fábrica de cigarros Sudão, em Santa Cruz do Sul.
Quando tinha 21 anos, em agosto de 1960, Norberto Froemming seguiu à também ex-colônia de General Câmara, Venâncio Aires, em busca de trabalho. Se hospedou na pensão da família Kannenberg (onde ficaria por 11 anos, até se casar com Maria Ivone Oliveira, hoje com 65 anos) e, no dia seguinte, se apresentou na Tabacos Knies. A empresa ficava na esquina das ruas 7 de Setembro com Júlio de Castilhos, a mesma onde por anos também funcionou a agropecuária Kurz.
Na primeira das três carteiras de trabalho preenchidas só com cargos no ramo fumageiro, a função inicial foi de operário safra-servente, que lhe garantia 20 cruzeiros por hora. Naquela época, o safreiro recebia por semana. “Para minha surpresa, 15 dias depois de começar, fui informado no balcão de recebimento, que tinha sido efetivado e assim receberia por mês”, recorda o aposentado.
Mulheres
Durante os primeiros meses, ele conta que quem lhe ensinou os processos e fases do beneficiamento foram seis mulheres: Marina Bienert, Maria Carvalho Hertzer, Lurdes Schlosser, Adecy Treib, Irma Regert e Romilda Kroth. Elas eram o que hoje se conhece como revisoras.
Ser aprendiz de um grupo de mulheres não tem nada de estranho se considerarmos como está dividida a mão de obra dentro de uma indústria. Ao longo dos anos, a maior parte dos postos foi formada por mulheres. Hoje, e da mesma forma décadas atrás, a função dos homens sempre foi mais o ‘pesado’, como no recebimento dos fardos e as lidas com as ‘gaiolas’ e prensas.
As mulheres, com mãos habilidosas no trato e na eficiência para classificar as folhas, viraram especialistas na maior parte da extensão das esteiras.
Construção
Froemming estava apenas há quatro meses trabalhando na Tabacos Knies, quando o chefe Rodolpho lhe convocou para acompanhar as medições do futuro pavilhão da nova indústria, construído no local onde hoje é a esquina das ruas Coronel Agra com Senador Pinheiro Machado.
“Eu sempre fui muito curioso e queria aprender tudo. Acho que isso passou confiança ao chefe e por isso participei de tantos momentos marcantes”, lembra. O prédio foi concluído em 1963, para ser uma filial da Fumossul, de Porto Alegre, para onde Knies vendia o tabaco.
Froemming conta que não havia caminhões-caçamba e os primeiros materiais foram descarregados no braço. Junto ao prédio, foram erguidos duas estruturas verticais. Uma comportava a caixa d’água e a outra a chaminé da caldeira, ainda firmes décadas depois.
“Era uma obra gigantesca, num ponto fora da cidade. A Coronel Agra recém tinha sido aberta e nos fundos, era um descampado, com gado solto”, recorda, detalhando o cenário há 60 anos. Toda a estrutura, quando concluídos seus mais de 90 mil metros quadrados, abrange cinco quadras no sentido leste-oeste e duas no sentido sul-norte.
1964
- Em 1964, quando a Fumossul já estava estabelecida em definitivo em Venâncio Aires, várias empresas daqui e de fora, que tinham parceria com a tabacaleira, encerraram as atividades e tudo se concentrou nela. “A Freitag e Sausen, do Grão-Pará, a Knies, a Consagro, a Prochnow e a Benjamin Zago. Todos os seus comerciantes se uniram à Fumossul”, conta Norberto Froemming.
- O ano de 1964 também foi emblemático pelo fator político. Segundo o aposentado, com o golpe militar, países socialistas romperam relações com o Brasil, principalmente do leste europeu. “Foi a habilidade do presidente Alwin Friedrich Losekann, junto com outros diretores, que conseguiram dar a volta por cima.” Entre os caminhos para impulsionar os negócios, Froemming diz que foram oferecidos novos produtos, como charutos e cigarrilhas, atraindo novos clientes.
Tempos de mudanças e uma mobilização histórica
Durante as décadas de 1970 e 1980, Norberto Froemming lembra que a Fumossul esteve sempre na vanguarda do beneficiamento de tabaco e com um maquinário moderno. Essa posição, segundo ele, passou pelo trabalho de duas figuras importantes: Peter Rump e Allan Kardec Nunes Bichinho (que foi diretor-presidente da Fumossul e, há 26 anos, fundou a Continental Tobaccos Alliance, a CTA). “Eram dois gênios. O Alan, na administração, e o Rump, na parte comercial.”
A dupla fez carreira dentro da Fumossul, desde o início em Venâncio, nos anos 1960. “O Alan era um universitário que começou a vir junto com o Alwin Losekann. Era um guri quando veio para cá e, quando me via, brincava e dizia, ‘taí o magrão da Fumossul’. Assim muita gente me chama até hoje”, lembra, entre risos.
Com milhares de empregos gerados para, pelo menos, três gerações, a Fumossul impulsionou outro movimento na cidade. “Foi feita uma campanha no interior, atrás de mão de obra. Então muitas famílias vieram para a cidade e tiveram garantidos 10 meses de trabalho durante o ano.” Segundo Froemming, essas pessoas começaram a construir casas e isso contribuiu para a abertura de ruas e a formação de bairros como o Gressler, Aviação e a Bela Vista.”
Mobilização
- No fim de 1992, a norte-americana Universal Leaf Tabacos comprou a estrutura da Fumossul e meses depois, em agosto de 1993, anunciou o fechamento da unidade em Venâncio e a transferência do parque industrial para Santa Cruz do Sul.
- O anúncio foi um choque para a cidade, já que quase 3 mil pessoas trabalhavam no local. O então prefeito Almedo Dettenborn convocou políticos, comerciantes e lideranças sindicais para tentar reverter a decisão.
- Nos dias seguintes, protestos com milhares de pessoas movimentaram o centro da cidade. Um abraço ‘simbólico’ foi dado no complexo industrial por cerca de 5 mil participantes e até o desfile de 7 de Setembro foi ‘substituído’ por uma passeata em prol da fábrica.
- A mobilização foi além e chegou a Porto Alegre, pedindo ao Governo do Estado que impedisse a transferência. Dias depois, o então governador, Alceu Collares, confirmou a isenção de impostos à empresa, abrindo mão do ICMS gerado pela indústria.
- Quase um mês depois, em 17 de setembro, a direção da Universal Leaf Tabacos anunciou que a unidade permaneceria em Venâncio.
Sobre memórias e símbolos
Quando foi garantido o ‘fico’ da estrutura da Fumossul, o local virou oficialmente a Universal Leaf. A empresa se manteve em Venâncio por mais 13 anos e, nesse tempo, Norberto Froemming foi convidado a continuar como gerente de qualidade, o mais alto posto que ocupou como funcionário no setor. Ele seguiu até 2 de outubro de 2006, quando a Universal decidiu encerrar as atividades.
Naquele dia, já com as portas fechadas e máquinas paradas, Froemming pediu para o guarda: queria entrar sozinho e se despedir. “Percorri todos os setores onde passei e, naquele silêncio, pensei: fui o primeiro a colocar os pés nesse lugar e agora o último a sair. Isso é uma marca mundial”, concluiu.
Emocionado, o aposentado destaca que a história da Fumossul e os anos de Universal, são parte da memória de muitas gerações. Memória que ele ‘refresca’ todos os dias, quando senta à frente de casa e no horizonte avista a caixa d’água e a chaminé. “Quero agradecer à Alliance por manter toda a estrutura de pé, bonita e inteira, e fazer um pedido: que também deixe lá a caixa d’água e a chaminé, como símbolos de uma empresa que atravessou gerações. Símbolos de todos que têm alguma relação e podem ‘olhar do alto’ essa bela Venâncio Aires que me acolheu há 60 anos.”
Atualidade
Em 2011, a Alliance One assinou um acordo para aquisição das instalações que pertenciam à Universal Leaf na rua Coronel Agra. No ano seguinte, já com a estrutura reformada, foi inaugurado o novo Centro Administrativo da Alliance One, antes sediado em Vera Cruz. Essa transferência centralizou as operações administrativas e de logística da empresa no município.
De acordo com a assessoria de Comunicação da Alliance One, a área de 90 mil metros quadrados abriga armazéns do chamado Produto Acabado e sedia atividades de Suprimentos, Contabilidade, Fiscal, Custos e Planejamento, Tesouraria, Jurídico, Tráfego e Exportação, Tecnologia da Informação e Comunicação e Responsabilidade Social. No local também está locada a Diretoria.
Já a China Brasil Tabacos iniciou as operações em 2012, resultado de uma parceria entre a China Tabaco Internacional do Brasil e a Alliance. As operações administrativas da China, bem como a compra do tabaco, funcionam no complexo logístico, com acesso pela rua Silveira Martins. Já o processamento do tabaco é realizado na unidade da Alliance One na rua Emílio Selbach.