Um neto saudoso. Um avô querido. Um carro abandonado por anos à sombra de uma árvore. Uma história de família, mas que também está na memória de muitos venâncio-airenses. São esses os ‘ingredientes’ de um registro especial na cidade e que deve ser renovado a partir de agora.
Quem tem pelo menos 30 anos deve lembrar que, no terreno da esquina da avenida Ruperti Filho com a rua Barão do Triunfo (hoje ocupado por um prédio com lojas), sob um imenso plátano, havia um carro à mercê da passagem dos anos e que virou ponto conhecido de quem cruzava no trecho. Era lá que ficava a ‘Variant da Motorsul’.
A história dela começa em 1972, quando Romario Pochmann a comprou zero quilômetro na Motorsul, a então concessionária da Volkswagen em Venâncio Aires. Ele ficou com o veículo por cerca de 10 anos, até dá-lo como entrada para comprar um Gol BX, no mesmo local. Foi aí que a Variant ficou para o uso da loja. Mais tarde, acabou aposentada e, durante muitos anos, podia ser vista naquele terreno no Centro.
Quem passou muito nessa esquina é Rafael Pochmann, 30 anos, que desde criança sabia que a Variant branca com o adesivo em azul da Motorsul, tinha pertencido ao avô. Assim, o desejo de trazê-la de volta para a família aumentou ainda mais depois que Romario faleceu, em 2016. Após algumas tentativas de compra, sem sucesso, acabou ‘largando de mão’, mas não esqueceu do carro, mesmo depois da mudança para o Maranhão (onde trabalha como técnico em curtimento), e do mistério que virou o paradeiro da Variant, com a construção de um prédio no terreno onde ela estava.
A saudade do avô e a vontade de ter um carro igual foram amenizadas, em parte, num das férias em Venâncio Aires, quando Rafael encontrou uma Variant 1972. A única diferença era a cor: vermelha, ao invés do branco. O veículo seria 100% original se não fosse pelo volante. “Sempre gostei de coisa antiga, mas que tivesse sua originalidade. Então pedi pro pai [Gelson] para que procurasse. Como ele anda bastante no interior e conhece muita gente, talvez encontrasse”, relatou.
Presente
Em 2018, Rafael recebe um foto do pai, mostrando um volante. “Mas estava todo sujo, feio e ainda disse: esse não, pai, vamos tentar outro.” Quando chegou em Venâncio Aires, para mais um Natal com a família, Rafael é surpreendido com um presente. Aquele volante sujo era da Variant 1972 que pertenceu ao avô.
Gelson Pochmann encontrou o carro numa propriedade do antigo dono da Motorsul e acabou comprando-o para o filho. Agora, Rafael deu início a mais um desejo: restaurar a Variant. “Quero deixar ela toda original e vai ter os adesivos da Motorsul. Eu a conheci assim, a cidade toda conhece, e ela vai ficar em Venâncio”, revela.
O trabalho de restauração acontece em uma oficina local e, nos próximos meses, o veículo deve ficar pronto. Rafael já pediu para a avó, Claudete, ‘reservar’ um espaço na casa dela para deixar o carro. O jovem só deve ver o veículo em dezembro, quando estará na cidade para passar as festas de fim de ano com a família.
O valor de um sentimento
Rafael Pochmann revelou que a dedicação na busca e o desejo de ver o carro restaurado, é pelo valor sentimental. O jovem não chegou a andar na Variant, mas como ela pertenceu ao avô, foi uma forma de manter a memória dele viva.
“Eles eram muito parceiros. O Rafa é o único neto homem e tudo que sugeria para o Mario, ele fazia, principalmente as pescarias no Mariante. Eles se adoravam e se davam muito bem”, conta Claudete Pochmann, 83 anos, viúva de Romario.
Rafael, que conversou com a reportagem via WhatsApp, não escondeu a voz embargada ao lembrar do vô paterno. “Sentimento é complicado de falar. O vô sempre foi um marco na família, a base, querido e todos adoravam ele. Sempre tive um apego muito grande com ele e quando faleceu, isso me machucou demais, ainda mais que eu estava longe da família.”
Por isso, o jovem comemora o ‘resgate’ da Variant. “Ter um carro que pertenceu a ele, é como estar próximo. Sentar no banco que ele sentou, pegar na direção que ele pegou, isso me remete a muitas lembranças.”
História
Romario Pochmann (1929-2016), foi um dos primeiros ourives da Joalheira e Ótica Kothe, quando foi aberta a filial em Venâncio Aires, em 1951. Ele trabalhou com Arno, Lauro e Afonso Kothe, que fundaram a matriz, em Santa Cruz do Sul, 10 anos antes. A empresa, aliás, completa 80 anos neste domingo, 2.
Em 1961, Romario casou com Claudete Finkler (filha de Arthur Finkler, nome conhecido em Venâncio Aires como líder comunitário). Após o casamento, também moraram nos fundos da ótica, no mesmo ponto onde hoje está a Soller, que pertence aos Kothe.
Como na casa não tinha garagem, Romario Pochmann deixava a Variant estacionada no pátio ao lado da Casa Paroquial da igreja católica. O veículo foi muito usado por ele para levar a esposa até a escola Brígida, onde ela trabalhava. Claudete, aliás, é uma das primeiras professoras do educandário, desde o início das atividades, ainda em 1959, na então propriedade de Yolita da Cruz Portella, bisneta da Brígida.
Motorsul
A Variant 1972 foi comprada na primeira concessionária da Volkswagen de Venâncio Aires. Foi na década de 1950 que Lothário Schmidt (1925-2006) abriu a Motorsul Comércio de Veículos Ltda. A concessionária fechou em 1999. O carro, que agora pertence a Rafael Pochmann, estava na propriedade de Renato Schmidt, filho de Lothário. Ele comentou sobre a iniciativa do jovem, que pretende recolocar os adesivos da Motorsul. “Com certeza é uma homenagem para a loja também, já que foi uma empresa de muitos anos e conhecida em Venâncio.”
Modelo
A VW Variant I 1.600 foi a primeira perua (ou SW) da Volkswagen e chegou ao mercado nacional no fim da década de 1960. Esse modelo foi fabricado no Brasil até 1976.