Das 63 redes hídricas de Venâncio Aires, 13 estão em regiões com alto teor de flúor na água. São, conforme dados da Vigilância Sanitária, mais de 1,3 mil famílias e quase 4 mil pessoas abastecidas com uma água que precisa de análise e acompanhamento constante, para que não seja prejudicial à saúde dos dentes, principalmente em crianças.
No município, onde isso é literalmente mais ‘forte’ são os distritos de Palanque e Estância Nova, na fatia leste do mapa venâncio-airense, onde a Geografia e a Geologia são diferentes. Na prática, o tipo de solo e os minerais acabam afetando na água ‘puxada’ dos poços artesianos, como acontece no poço mantido pela Associação Hídrica de Linha Herval. “A concentração de fluoreto presente na água está relacionada diretamente com à formação rochosa da região, ou seja, local da perfuração do poço artesiano”, explica a técnica responsável e química, Ligiane Weber.
Ligiane começou o trabalho na Linha Herval em julho de 2016. Na primeira análise, o fluoreto chegou a 0,9 miligrama por litro (mg/L). Em outubro, outra análise apontou 1,7 mg/L – bem próximo do nível máximo considerado adequado pelo Ministério da Saúde (1,5 mg/L). Essa oscilação é percebida até hoje e está relacionada ao período do ano. “Em época de estiagem, como em 2019, o índice aumentou bastante. Mas vem caindo, desde que teve mais chuva. Poços mais rasos, dificilmente há concentração mais alta e geralmente isso acontece em poços mais profundos.”
No Herval, o recorde identificado chegou a 2,2 mg/L, em fevereiro de 2019. Embora o flúor seja um importante agente inibidor da cárie, em níveis elevados é responsável pela fluorose dental, (manchas nos dentes) principalmente em crianças, já que afeta a dentição que está se formando. “Quando identificamos que a concentração de fluoreto estava acima do limite máximo permitido pela legislação, a diretora da Escola Miguel Macedo da Campos [Rosvita Martins], imediatamente fez um trabalho de verificar se alguma criança apresentava fluorose. Não foi constatado em ninguém, assim como não existe histórico na região”, destacou Ligiane.
A informação dela foi confirmada pelo presidente da associação, André Airton Knecht. Segundo ele, apesar de o poço, que foi perfurado há cerca de 20 anos, ter um índice maior de flúor em alguns momentos do ano, não há relatos negativos entre as mais de 500 pessoas abastecidas. “Essa água vai para casas, as duas igrejas, o ginásio e a escola. Felizmente não temos informação de problemas, mas por isso também, que a água está sempre sendo analisada.”
Estudos
Apesar de ter algumas características que contribuem para uma maior concentração de flúor na água, cada poço tem sua particularidade. Segundo Ligiane Weber, que é responsável por 18 poços em Venâncio e dois em Santa Cruz do Sul, nem sempre a profundidade, por exemplo, vai impactar.
Em Linha Sexto Regimento, na região Serrana, o poço tem aproximadamente 400 metros e o teor de fluoreto é de até 1,2 mg/L. Na Linha Herval, com apenas 130 metros de profundidade, o índice atual fica em torno de 1,5 a 1,6 mg/L.
“Aí entra a importância do estudo geológico da formação rochosa. Décadas atrás, quando muitos foram perfurados, não se teve uma análise detalhada. Hoje existe essa preocupação. No momento que começa a perfurar, o geólogo está junto, coleta a rocha que está sendo retirada e consegue estudar a formação do solo.”
Além disso, Ligiane explica que há estudos que citam o elevado uso de fertilizantes (NPK) nas lavouras, o que também está associado às anomalias de fluoreto na água. “Se fala que parte do fósforo liberado por adubos acaba infiltrando. Então, se tem uma séria de fatores que ainda precisam ser estudados sobre esse assunto.”
Poços com alto teor de flúor*
• Linha Travessa (dois poços): 509 famílias
• Linha Herval (dois poços): 234 famílias
• Estância Nova: 126 famílias
• Estância São José: 110 famílias
• Cerro dos Bois: 96 famílias
• Rincão de Souza: 85 famílias
• Picada Nova: 70 famílias
• Campo Grande: 13 famílias
• Vila Arlindo: 58 famílias
• Linha Sapé: 35 famílias
• Sexto Regimento: 35 famílias
*Dados da Vigilância Sanitária
Pouco flúor
• Se por um lado o excesso de flúor pode ser prejudicial, a falta dele também precisa ser considerada. Segundo a química Ligiane Weber, nos poços com menos de 0,2 mg/L ou até mesmo ausência de fluoreto, se perde a proteção natural contra cáries. “Nas regiões de Santa Emília, Travessa e Linha 17 de Junho, há poços com média de 80 metros ou menos, e o parâmetro de fluoreto é menor que 0,2 mg/L. Entre 0,6 a 0,9 é o ideal, então algumas localidades não têm esse benefício na água.”
67 – foram os atendimentos na rede pública de saúde de Venâncio referente à fluorose dentária. Segundo a Vigilância Sanitária, os casos correspondem ao período entre outubro de 2019 e outubro de 2021.
Convênio entre Unisc e Corsan busca melhor qualidade da água na região
Ter boa parte do território de Venâncio afetada por altos índices de flúor na água não impressiona se considerarmos que é um problema que abrange quase toda a faixa Central do mapa gaúcho.
Atualmente, existem processos químicos como osmose ou desmineralização da água que poderiam ser utilizados para a remoção dos sais minerais (como o fluoreto) em excesso. Mas são considerados caros para a instalação e operação. Pensando nisso, o secretário-adjunto de Obras e Habitação do Rio Grande do Sul e ex-prefeito de Venâncio Aires, Giovane Wickert, propôs que o Estado, através da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), assinasse um termo de cooperação com a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).
A ideia, firmada oficialmente na última semana, é que a instituição de ensino amplie um projeto já existente e que busca garantir água potável de qualidade na região. “De Porto Alegre até a região Central, quase não se acha água subterrânea em condições e na superfície tem muito pouco. A Unisc já fez um trabalho anterior e a ideia é adaptar isso para as redes hídricas na região. “Dando certo essa experiência, se abre a possibilidade de o Estado ter orçamento futuro para novas redes. Não só cavar poços, mas ampliar redes e reativar outras.”
Ainda conforme Wickert, a tendência é de que o projeto seja implementado inicialmente em Cachoeira do Sul e, futuramente, ser levado para mais de 50 municípios.
Projeto
Com o termo de cooperação, a Corsan irá financiar o projeto que prevê o desenvolvimento de um sistema automatizado para desfluoretação de águas subterrâneas. O trabalho é coordenado pelo diretor de Pesquisa e Pós-graduação da Unisc, Adilson Ben da Costa.
Segundo ele, o sistema seria parecido com os filtros domésticos desenvolvidos em 2020 e instalados em sete residências de Restinga Seca. “Eles têm seis quilos de carvão ativado e dão conta da demanda familiar. O novo projeto é para ser instalado junto aos poços e atender centenas de famílias.”
Todo o sistema será montado dentro de um contêiner e vai contar com um filtro de até dois mil quilos de carvão, dois reagentes químicos (sais de cálcio e fósforo e os quais darão a eficiência para o filtro tratar a água direto no poço), bombas d’água, painel de controle e, se tiver um bom sinal de internet, condição para monitorar tudo de longe.
“Nosso desafio é explorar um sistema que venha a ter o menor custo possível e que seja viável para os municípios”, destacou Costa. Conforme o coordenador do projeto, ainda na década de 1990, quando a Unisc começou a desenvolver sistemas para tentar amenizar o problema, cerca de 500 poços nos Vales do Rio Pardo e Taquari já apresentavam altos índices de flúor na água.