Força de vontade é um sinônimo do casal Valdir José da Costa, 60 anos, e Silvana Kist, 61 anos. Ambos deficientes, ele com deficiência visual e ela com raquitismo, os moradores do bairro Morsch se conheceram em meados dos anos 1990, através da Fraternidade Cristã de Deficiente (FCD).
Depois de tantos momentos difíceis na vida, o dia 3 de abril de 1993 marcou uma nova fase para o Valdir e Silvana, o casamento. Muitas críticas foram recebidas pelo casal. Segundo eles, as pessoas diziam que não conseguiriam cuidar de uma casa sozinhos e que eram loucos de se casarem.
Mesmo com as deficiências, eles nunca se abalaram e persistiram no amor. Silvana adaptou a casa: tem bancos e cadeiras perto da geladeira, da pia e do fogão – tudo para que consiga fazer melhor as tarefas do cotidiano, como limpar, lavar roupas e cozinhar. E Valdir ajuda ela quando não consegue alcançar. “O pó é ele que tira, ela passa a mão e sente se precisa passar pano, daí faz isso”, diz a esposa.
Valdir também ressalta que a esposa sempre dá um jeito de se adaptar, tem uma madeira para conseguir alcançar nas tomadas e ligar as luzes da casa e também usa um banco para capinar e plantar as flores do jardim. “Ela lava as roupas, eu estendo; ela lava a louça, eu seco. É tudo na parceria, sempre nos ajudando.”
MATERNIDADE
Eles sempre sonharam em ser pais, mas assim como no casamento, as pessoas também criticavam esse sonho. “Diziam que eu não poderia ser mãe, que não conseguiria”, lembra Silvana. Mas, logo depois que casaram, tiveram a notícia. “Eu ria sozinha, de tanta alegria quando descobri que seria mãe. No dia que nasceu, me senti a mulher mais feliz.”
A gestação de Silvana foi normal, ela capinou até quase ganhar a filha, Pamela Tabata da Costa, 27 anos. Mas, nesse período, ela desenvolveu hipertensão arterial (pressão alta), por isso, o casal não pôde aumentar a família. “A Pamela estava sempre bem limpinha, cuidada, a Silvana passava as roupinhas, deixava sempre tudo cheiroso. Uma mãe maravilhosa. Quando passeávamos, eu carregava o bebê e ela me guiava pelo braço ”, comenta Valdir.
Segundo eles, era difícil para muita gente entender que o casal teve uma filha sem deficiência. “Quando voltamos do hospital, tinha gente o tempo inteiro visitando, mas não era para ajudar, quase todos vinham por curiosidade, para ver dois deficientes cuidando de um bebê e saber se ela tinha algo”, complementa ele.
A educação de Pamela também foi construída pelos dois, que sempre cuidaram da menina sozinhos e hoje se orgulham dela. “Ela sempre foi uma ótima filha, trabalha, se cuida e vai ser professora. Somos orgulhosos dela”, ressalta a mãe.
“Quando éramos crianças, as pessoas excluíam os deficientes. Achavam que nós servíamos somente para ficar deitados na cama, mas não é assim. Temos uma vida normal como qualquer outra, podemos fazer de tudo.”
VALDIR JOSÉ DA COSTA
Deficiente visual
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Trajetória de Valdir e Silvana
Valdir
O venâncio-airense Valdir teve glaucoma, aos 7 anos. Ele já não enxergava 100%, mas tinha um pouco da visão, tanto que conheceu as cores quando criança. “Nunca foi descoberto o que aconteceu, os médico já falaram que poderia ser glaucoma de nascença, que depois piorou, mas nunca tive certeza se era de nascença mesmo”, conta.
Na adolescência, se mudou para Porto Alegre, estudou na Instituição Santa Luzia, onde aprendeu braile, depois fez curso de massoterapia e realizou estágio em Canoas. “Fazia estágio de dia em uma clínica, depois ia para a capital de novo para estudar de noite. Era muito bom, mas nem sempre fácil, pois tentaram me assaltar algumas vezes. Lembro que um dia senti cheiro de comida e corri para pedir ajuda em uma lancheria. Assim, ia me virando, sempre com a ajuda da bengala”, recorda Valdir.
Silvana
Nascida em Mangueirão, no interior do município, Silvana, tem raquitismo. Ela não nasceu com a doença, mas ficou assim ainda quando criança. “Eu e meus irmãos vivíamos nos açudes, mesmo no inverno. Quando tinha 5 anos fiquei assim. Minha tia dizia que deu espasmos por entrar no açude gelado. Os médicos associaram o espasma com raquitismo”, relembra.
Com 8 anos, ela foi para o Hospital Santa Casa, em Porto Alegre, onde permaneceu por cinco anos. Além dela, dois irmãos também ficaram na casa de saúde: uma irmã com o mesmo problema de Silvana e um irmão que teve um joelho machucado com madeira, mas ele não teve maiores dificuldade para caminhar. “Naquele tempo, não era fácil de ir para a capital, os pais não iam visitar. Meus pais, por exemplo, só foram quando levaram e quando buscaram eu e meus irmãos”, lamenta Silvana.
DIA A DIA
- Valdir atuou anos como massoterapeuta, atendia na casa dele e tinha clientes de toda região.
- Silvana trabalhou oito anos em uma fábrica de calçados, onde contava com o auxílio de uma mesa para subir e alcançar os produtos.
- Valdir estudou também na Escola Estadual de Ensino Médio Monte das Tabocas, sete anos atrás, em uma turma especial de deficientes visuais.
- A mulher se alfabetizou quando adulta, pois, na infância, havia a ideia de que ela não precisava aprender, por ser deficiente.
- Entre as atividades realizadas por Valdir, estão tocar violão, fazer a barba sozinho e andar por toda cidade. Vai à farmácia, ao mercado, às lojas e adora fazer caminhadas com a ajuda da bengala.
- Silvana aprendeu a cozinhar e fazer as tarefas da casa no Hospital Santa Casa, em Porto Alegre, pois, como estava na ala das crianças e era a mais velha, começou a auxiliar nas tarefas.
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