Venâncio Aires já recebeu mais de mil imigrantes

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A formação populacional de Venâncio Aires tem origens e influências bem variadas. Portugueses e africanos de forma predominante no início dos tempos de ‘faxinal’ e, depois, também influenciada por imigrantes, principalmente alemães. Neste caso, a descendência dos germânicos não aparece apenas no físico ou nos sobrenomes cheios de consoantes. Há algo comum nas esquinas, comércio e encontros de amigos, especialmente entre os mais velhos: a língua alemã. Mas, nos últimos anos, a cidade vem se familiarizando com outras línguas que já viraram sons comuns nas ruas, em especial o espanhol, influência direta dos imigrantes de países latinos.

Já são 1.023 pessoas cadastradas, ou seja, que passaram pelo Setor dos Imigrantes, junto à Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Social. Isso não quer dizer que todas moram em Venâncio Aires, mas em algum momento passaram pelo setor à procura de informação ou documentação, já que o município é uma referência no acolhimento.

Entre os que chegaram e ficaram, está o casal venezuelano Eluz Chacón, 35, e Donys Ricardo, 30, que antes morou em Boa Vista, capital de Roraima. Eles têm três filhas: Bárbara, 15, aluna da Emef Dois Irmãos; Geoorgeth, 6, que estuda na Emei Bela Vista; e a caçula Deyarith, 4. Neste ano, também receberam o amigo Oliver Rodriguez, 35. “Tínhamos muitos conhecidos em Venâncio e viemos através da OIM [Organização Internacional para as Migrações]. Aqui fomos acolhidos e fizemos os documentos. Donys e Oliver trabalham numa metalúrgica e as meninas estudam. Estamos felizes aqui”, afirmou Eluz, que, por enquanto, está em casa. Na Venezuela, ela e o marido eram cabeleireiros.

Casal Eluz e Donys, as três filhas e Oliver, amigo da família. Eles também são da Venezuela (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Vizinha da família, Eyerlin Brito Rojas, 37, mora com os três filhos. Eles estão em Venâncio desde abril do ano passado, depois de também terem passado por Boa Vista. Keider, 18, fez o Ensino Médio na Escola Wolfram Metzler e, hoje, trabalha como metalúrgico. Yeiker tem 12 e estuda na Escola Zilda de Brito Pereira. Eyerlin não tem trabalho fixo, porque cuida da filha Keyerlin, 16, que tem laudo médico e recebe o Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência. “Trabalho como autônoma, alguns horários de faxina”, disse a venezuelana.

Eyerlin afirma que desde que chegou a Venâncio foi bem acolhida, mas não nega que um dia gostaria de voltar a seu país. “Mas as crises na economia e na política parecem não ter fim”, lamentou. Enquanto isso, vai aprendendo a lidar com a saudade, que também está na música usada como toque do celular: uma salsa venezuelana. A imigrante ainda cita a falta que sente dos pais e irmãos, que também deixaram a terra natal e hoje moram na Colômbia.

282 – É o número de famílias de imigrantes que já foram acolhidas em Venâncio. Além das 254 famílias venezuelanas, há grupos da Argentina, Colômbia, Cuba e Uruguai (três cada); Chile e El Salvador são duas famílias de cada país; uma da Palestina e uma do Equador; além de 10 famílias do Haiti.

Documentação

A assistente social Letícia Corrêa Machado, técnica de referência do Setor dos Imigrantes, junto à Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Social, explica que é oferecido acesso à documentação que regulamenta a pessoa estrangeira no Brasil e feito o encaminhamento às políticas públicas. O setor fornece orientações sobre documentos civis, agendando o atendimento com a Polícia Federal em Santa Cruz do Sul para obtenção da Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM). Assim, a autorização de residência é concedida ao imigrante que pretende estudar ou trabalhar no Brasil.

“Alguns instrumentos como acolhida, atendimento e acompanhamento da assistente social às famílias possibilita o entendimento da realidade do imigrante e contribui para possibilidades de mediação aos direitos sociais previstos na Constituição.” Ainda conforme Letícia, os ‘Benefícios Eventuais’, que são de caráter provisório, são disponibilizados após análise técnica, como, por exemplo, nascimento, morte, vulnerabilidade temporária por motivos de riscos e perdas e danos.

A assistente social explica que o estrangeiro chega no setor com o documento de refugiado ou imigrante, ou, em alguns casos, sem documento nenhum. É verificado o acordo do Brasil com o país de origem e se busca com a Polícia Federal o acesso ao documento imigratório (residência). “Possibilita maior tempo de utilização em território nacional, favorecendo a permanência no trabalho ou estudo, sem precisar renovar anualmente. É diferente de pessoas de Cuba, onde não há acordo com o Brasil para processo de regularização migratória, sendo eles refugiados.”

Direitos aos serviços

No momento que um imigrante está com a documentação regularizada, fica submetido às leis brasileiras e tem os mesmos direitos que qualquer cidadão brasileiro. A exceção é o direito ao voto mas que pode ser adquirido com o processo de naturalização. “Depois de quatro anos morando aqui, é possível tentar se naturalizar”, explicou Letícia Machado.

A assistente social destaca que, no que diz respeito à educação, crianças, adolescentes e jovens em idade escolar têm direito no acesso à educação formal, mesmo que cheguem em épocas diferentes do começo do ano escolar. “Na acolhida e acompanhamento, são orientados a buscar a Secretaria Municipal de Educação ou escolas estaduais para equivalência dos estudos.”

No acesso à saúde, o setor encaminha à Secretaria de Saúde um requerimento para confecção do cartão SUS e há encaminhamento para os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), caso seja verificada necessidade de apoio da saúde mental, como também são orientados a buscarem o posto de saúde ou ESF mais próxima da residência para prevenção e acompanhamento de saúde.

A assistente social destaca que a moradia também é um dos direitos sociais previstos na legislação. “Muitos imigrantes alugam imóveis diretamente com o proprietário, pois não têm fiador. No entanto, a dinâmica de algumas famílias é, inicialmente, morarem juntas e, assim que tiverem condições, buscam nova residência.”

Quanto ao mercado de trabalho, após a regulamentação dos documentos, as pessoas são encaminhadas ao ponto de atendimento da Receita Federal, junto à Sala do Empreendedor em Venâncio Aires, para que possam se inscrever no CPF. “Também são orientados ou encaminhados à Agência do Sine para vagas de emprego.”

• Além disso, são conduzidos ao Cadastro Único como forma de acessarem os programas de transferência de renda como o Bolsa Família, esse para pessoas que se encontram em situação de pobreza ou extrema pobreza.

Município é reconhecido pela ONU como acolhedor das demandas sociais imigratórias

Em 2020, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, também chamada de Agência da ONU para Refugiados, a ACNUR, reconheceu Venâncio Aires como município acolhedor das demandas sociais imigratórias. Segundo Letícia Machado, o reconhecimento foi pelo posicionamento municipal frente a demanda de imigrantes que buscavam emprego e melhores condições de vida. “Montaram-se estratégias de acolhida e permanência dos imigrantes e refugiados no Brasil, como o Processo de Interiorização. O grande fluxo de pessoas no norte foi se expandindo para cidades como Venâncio Aires, consideradas inclusivas e acolhedoras pela ACNUR.”

Em 2021, também foi criada a lei nº 6.796, que instituiu a Política Municipal de Acolhimento e Atendimento a Imigrantes, Refugiados e Apátridas. “Ser considerado um município acolhedor às demandas sociais imigratórias eleva o município a mediador dos direitos humanos.” Além de uma lei com políticas municipais e o reconhecimento da ONU, Venâncio já recebeu dois selos ‘MigraCidades’, através da Agência da ONU para as Migrações (OIM), que reconhece o envolvimento na melhoria da integração dos imigrantes.

Secretário de Habitação, Ricardo Landim, com Letícia Machado e Jeferson Ribeiro, do Setor dos Imigrantes. Em abril, Venâncio recebeu o segundo selo ‘MigraCidades’, como reconhecimento da ONU pelas boas práticas em governança migratória (Foto: AI Prefeitura)

Ações desenvolvidas

O Município pode receber, ainda este ano, o terceiro selo ‘MigraCidades’, devido a uma série de ações que são realizadas desde o ano passado. Entre elas, um trabalho para imigrantes e refugiados que têm alguma limitação física ou cognitiva. No Centro de Convivência junto ao Cras do bairro Battisti, há o Serviço de Convivência de Fortalecimento de Vínculos (SCFV) para pessoas com deficiência e seu respectivo cuidador.

Chamado de ‘Música e Movimento’, o serviço quinzenal (nas quartas-feiras) oferece aulas de dança e movimentos, levando informações sobre direitos através de palestras temáticas. “Estrangeiros e brasileiros trocam experiências e se fortalecem nas suas demandas de limitações”, destacou a assistente social, Letícia Machado. Também já foram realizados dois cursos de Língua Portuguesa com a participação da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), cursos profissionalizantes de embelezamento, costura e encaminhamento para atividades de empresas locais.

Nos educandários de Venâncio, também ocorre, desde o ano passado, o projeto ‘Diálogo na escola, diminuindo fronteiras’, com palestras, dinâmicas e documentários voltados para alunos das séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. “Muitas famílias de imigrantes relatavam que estavam preocupadas com a inclusão dos alunos. Não por parte das escolas em aceitá-los, mas as diferenças encontradas no que foi posto historicamente. Uma das ideias foi levar aos alunos brasileiros e estrangeiros condições de entenderem como funciona o processo migratório em Venâncio e com questões relacionadas a preconceito, discriminação e acesso aos direitos sociais”, explicou a assistente social Letícia Corrêa Machado.

Recursos

• Em julho de 2021, Venâncio recebeu R$ 648 mil do Governo Federal para ações socioassistenciais com imigrantes e refugiados. Segundo o secretário de Habitação e Desenvolvimento Social, Ricardo Landim, o valor foi repassado em parcela única, referente a seis meses de atendimento, diretamente do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) ao Fundo Municipal de Assistência Social.

• Para usar o dinheiro, poderia ser feito pedido de prorrogação de prazo, o que vem sendo feito até então, já que ele ainda não foi gasto totalmente. “Importante destacar que esse recurso é vinculado e tem o seu uso bem restrito, então basicamente é usado para a acolhida inicial dos imigrantes. Fora isso, eles são atendidos pela nossa rede normalmente”, destacou Landim.

“Venâncio em toda sua história teve vários imigrantes. Nossa cidade é reconhecida nacionalmente pelo trabalho realizado, acolhendo pessoas que, neste momento, passam dificuldades no seu país de origem e aqui encontram um local onde passam trabalhar, viver e ter possibilidade de se desenvolver e se integrar à comunidade. Acolher as pessoas faz parte da cultura venâncio-airense e vamos continuar fazendo esse trabalho.”

JARBAS DA ROSA – Prefeito de Venâncio Aires

Segundo a Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados do Congresso Nacional, há cerca de 1,5 milhão de imigrantes no Brasil.

24,4% – É crescimento no número de imigrantes no Brasil entre 2011 e 2020, de acordo com dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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