Pelo relevo mais baixo, com um território cortado por inúmeras sangas e arroios e uma grande faixa banhada pelo rio Taquari, Venâncio Aires é, naturalmente, um município suscetível a inundações e alagamentos. Esses impactos climáticos estão na história da cidade e continuam acontecendo, principalmente quando há grande acúmulo de chuva, como registrado entre os dias 14 e 16 de junho: 280 milímetros. Com a cheia do arroio Castelhano, bairros do lado norte da cidade, como Battisti, Morsch e União foram afetados e a água invadiu ruas e casas. Também houve um grande deslizamento de terra sobre um trecho da ERS-422, em Vila Deodoro, que resultou na remoção urgente de uma família e dias seguidos de trabalho para remoção da terra.
Devido à condição iminente de sofrer com algum impacto climático, Venâncio está classificado, numa plataforma nacional, com risco alto no índice de ameaça de inundações, enxurradas e alagamentos e alto índice para deslizamento de terra. Os dados são do AdaptaBrasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, criado em 2020, e que reúne índices e indicadores de risco de impactos das mudanças climáticas no Brasil.
A categorização é feita com base em características topográficas, geológicas e fatores humanos, o que inclui a cobertura e uso do solo, e as informações meteorológicas. A escala de risco considera cinco níveis: muito baixo (0 a 0,19), baixo (0,20 a 0,39), médio (0,40 a 0,59), alto (0,60 a 0,79) e muito alto (0,80 a 1,00). No caso de inundações, enxurradas e alagamentos, Venâncio Aires tem índice de 0,65 (alto). Esse número considera pontos como vulnerabilidade, exposição e ameaça. Nos dois primeiros, os índices são baixo e médio, respectivamente, mas a ameaça está em 0,82 (muito alto). Para ela, consideram-se as características topográficas (como altitude e declividade), geológicas (tipo de solo e distância dos rios), fatores humanos (cobertura e uso do solo) e as características meteorológicas (como total de chuva em um dia e em cinco dias).
Deslizamento
Além do risco de inundações, Venâncio tem índice de 0,67 (alto) para deslizamento de terra. Aqui também são consideradas a vulnerabilidade, a exposição e a ameaça, levando em conta as chuvas intensas e características geográficas. Conforme o AdaptaBrasil, entre os fatores influenciadores está a proporção de domicílios em áreas de risco e Venâncio tem 13,7% de influência no impacto.
Fatores influenciadores
A plataforma AdaptaBrasil também traz dados sobre os fatores influenciadores para os riscos de inundações, enxurradas e alagamentos. A proporção de domicílios em áreas de risco em Venâncio, por exemplo, tem 14% de influência no impacto. É o indicador de domicílios particulares permanentes expostos a desastres naturais.
Outro fator influenciador são as ações adaptativas para redução de risco em situações de desastres de inundações, enxurradas e alagamentos. Venâncio tem 5,8% de influência no impacto. Esse percentual se refere à capacidade institucional de atuar no planejamento adaptativo e que contribui com a capacidade de resposta do município.
Setores de risco
• No site da Defesa Civil do Rio Grande do Sul, através da Setorização de Riscos Geológicos, está disponível um estudo de ação emergencial para reconhecimento de áreas de alto e muito alto risco a movimentos de massas e enchentes.
• Esse estudo traz dados de 2013, quando foram identificados sete setores em Venâncio Aires, com 930 casas em risco e 3.720 pessoas em risco. São três áreas na região de Vila Mariante e quatro áreas na parte urbana – bairros Battisti, Morsch, União e Diettrich.
Na região, Mato Leitão (0,08), Passo do Sobrado (0,11) e Vale Verde (0,11) são classificados com risco muito baixo para inundações. Lajeado tem risco médio (0,47) e Santa Cruz do Sul risco baixo (0,28).
Um metro de água dentro de casa
Entre os dias 14 e 16 de junho a parte baixa urbana de Venâncio Aires foi invadida pela água, após 280 milímetros de chuva e a consequente cheia do arroio Castelhano. Uma das casas atingidas foi a de Ana Beatriz Lopes da Rosa, 38 anos, que trabalha como diarista rural. Ela, o marido e os três filhos moram de aluguel há quatro meses, no bairro União, no início da Avenida Ruperti Filho, e foram surpreendidos quando a água invadiu cerca de 1 metro dentro da residência.
Estragaram mesa, sofá, cadeiras, roupeiros, geladeira e freezer, que ficaram inutilizados. Um cachorro e um gato morreram afogados. Na manhã de ontem, Ana estava levando o que podia para a peça no pavimento superior. “Os vizinhos falaram pra gente se preparar, porque pode vir água de novo com essa chuva”, justificou. Ela lamenta que o local seja suscetível às cheias, porque considera o bairro bom para morar. “Talvez se fizessem mais uma limpeza no arroio, quem sabe ajudaria. A gente queria ficar aqui, mas vamos procurar outro lugar”, revelou.
Embora o susto, a situação não foi novidade para a diarista, que já enfrentou enchentes anteriores. Durante mais de 10 anos, ela morou em outra região de Venâncio Aires sujeita a inundações, nesse caso por causa do rio Taquari. Ana residiu na localidade de Santa Mônica, em Vila Mariante, onde a mãe dela, Vera, mora até hoje.
Previsão do tempo
Para os próximos dias, segue a previsão de chuva para a região dos vales. Segundo a meteorologista Maria Angélica Gonçalves Cardoso, que atua junto ao Núcleo de Informações Hidrometeorológicas (NIH) da Univates, o volume deve ficar em torno de 38 milímetros hoje. No domingo, o tempo melhora e não chove. Mas no início da próxima semana as instabilidades voltam a atuar na região. Com isso, as condições ficam favoráveis para pancadas de chuva, que podem ser fortes e virem com temporais isolados.
Entre segunda, 10, e quarta, 12, o acumulado deve ser de 90 milímetros na região. “Chamamos a atenção que os elevados volumes podem trazer transtornos, como alagamentos na área urbana, transbordamento de arroios e rios e deslizamentos”, destacou Maria Angélica. A meteorologista também comentou sobre a influência do fenômeno oceânico-atmosférico El Niño no inverno. “A mudança na circulação de ventos sobre a América do Sul leva mais ar quente e úmido para o extremo sul do Brasil, intensificando o volume e a frequência da chuva. Além disso, as frentes frias continuam pelo estado e podem provocar chuva forte e volumosa.”
“O objetivo é minimizar cada vez mais os problemas”, afirma secretário Sid Ferreira
Ao mesmo tempo em que Venâncio aparece no percentual de alto risco, os dados do AdaptaBrasil apontam que o município tem capacidade adaptativa de 0,52 (médio). No contexto das mudanças climáticas, a adaptação é compreendida como um conjunto de processos de ajustes no sistema, com a finalidade de se preparar para os efeitos e reduzir a vulnerabilidade a riscos de eventos adversos. O Índice de Capacidade Adaptativa é resultante da composição dos indicadores temáticos: capacidade de investimento público municipal e renda; governança e gestão de risco de desastres de inundações, enxurradas e alagamentos; e capacidade municipal em cidadania e políticas setoriais.
A enchente do mês passado afetou diretamente 700 pessoas em Venâncio Aires e o secretário de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sisp), Sid Ferreira, afirmou: “O objetivo é minimizar cada vez mais os problemas e estamos preparados para ajudar no que for preciso. Em junho, se não tivéssemos iniciado a limpeza de sangas e valetas, acredito que poderia ter sido mais grave, prejudicado mais pessoas e poderia ter demorado mais a vazão da água.”
Ferreira se refere ao trabalho iniciado em fevereiro, com o desassoreamento de sangas e galerias que desembocam no arroio Castelhano. Até agora, cerca de 20 cursos de água foram limpos (quase 4 km licenciados de sangas e cerca de 7 km em valetas). “Tem coisa quem nem existia no mapa e só descobrimos fazendo esse trabalho”, relatou Rodrigo Garin, coordenador da Patrulha Agrícola.
Neste momento, se espera pela liberação ambiental para a limpeza da sanga do Cambará, a mais ‘famosa’ da cidade. Quanto ao arroio Castelhano, um novo desassoreamento depende de análise. Em 2021, 3,9 mil metros do arroio foram desassoreados desde o bairro Battisti até próximo da ponte do Passo da Cananeia. Outra ação mencionada é a limpeza de bueiros nas ruas, feita pela equipe de drenagem urbana da Sisp. “Tem uma equipe para isso, onde são limpos os bueiros e se retiram as grades. Também podemos acionar o hidrojato em parceria com a Corsan. Mas é importante que os moradores ajudem a manter limpas as bocas de lobo em frente às casas”, ressaltou Sid Ferreira.
Deslizamentos e outros estragos
Outro grande estrago da chuvarada de junho e que exigiu rápida mobilização do poder público foi o deslizamento de terra sobre a ERS-422, próximo à Santinha, em Vila Deodoro. Lá, o volume que desbarrancou não apenas interditou a estrada por dias, mas obrigou uma família a sair de casa.
Segundo o secretário Sid Ferreira, o local segue em análise do topógrafo e engenheiros da Prefeitura. “Fizemos um orçamento, mas que chegaria a R$ 1 milhão, para fazer uma contenção com grandes blocos de pedra e telas. Então, nesse momento, a tendência é fazer taludes, com terra e pedras. O local tem rachaduras e precisaremos mexer novamente.” Ainda conforme Ferreira, como é uma rodovia estadual, o Estado foi comunicado e o Município espera, pelo menos, uma ajuda financeira, porque a parte de maquinário a Prefeitura está fazendo. “Não dá para esperar.”
Quanto à possibilidade de deslizamentos em outros pontos, o secretário informou que não foi identificado nenhuma área de maior risco. “Tivemos um deslizamento na estrada entre Linha Santana e Andréas, ainda em junho, que foi resolvido, além de Deodoro, que seguimos alerta.” Enquanto isso, as equipes ainda seguem trabalhando nos estragos do mês passado. Segundo o coordenador da Patrulha Agrícola, Rodrigo Garin, as máquinas estão concentradas há mais de duas semanas em Linha Sexto Regimento, onde um grande volume de terra caiu sobre um aviário. “Depois ainda temos dois aviários, um em Tangerinas e outro em Cerro dos Bois, que também tiveram problemas com terra que desbarrancou.”
Defesa Civil
O coordenador da Defesa Civil de Venâncio, Luciano Teixeira, destaca que trabalho do órgão é agir imediatamente em qualquer situação adversa, e conta com apoio do Corpo de Bombeiros, Departamento de Trânsito, Sisp e demais secretarias municipais. “É uma equipe que age e trabalha junto, para localizar pontos que precisam atenção especial e retirar e apoiar famílias que precisam ser removidas de casa. Temos que agir de imediato.”
Com a previsão de um grande acumulado de chuva entre ontem e hoje, a Defesa Civil de Venâncio Aires emitiu um alerta preventivo. O WhatsApp da Defesa Civil é o (51) 93505-5953 e pelo 193 é possível acionar o Corpo de Bombeiros para emergências.