Haverá professores para nossos netos?

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João Carlos, Naiara e Heloisa trabalham há anos com as disciplinas de Química e Física (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)
Danielle está no 7°semestre do curso de Geografia (Foto: Arquivo pessoal)

Você já deve ter ouvido que ‘professor é a profissão mais importante do mundo’ ou é ‘a profissão que faz todas as outras profissões’. Ao mesmo tempo, há muito se ouve que a valorização dele não segue sua importância. Nesse paradoxo, a realidade mostra a diminuição de profissionais licenciados. Ou seja, já são vistos como raros aqueles dispostos a ir para a sala de aula e ensinar Física, Matemática, Química, História, Geografia, Biologia e Português, por exemplo. Umas mais, outras nem tanto, mas a maioria reduzindo.

O reflexo, claro, se dá nas escolas, mas quem primeiro sente os efeitos são as universidades e, as duas maiores da região, atestam isso. O vice-reitor da Univates, Carlos da Silva Cyrne, conta que, nos últimos anos, a procura pelas licenciaturas nos cursos presenciais caiu e, daquelas que a instituição oferece, as únicas que mantêm procura regular são Educação Física e Pedagogia. “História, Letras e Biologia têm dificuldades. Acredito que acontece pela desvalorização do papel do professor pela sociedade, associada à falta de estrutura das escolas e à má remuneração.”

Para o pró-reitor de Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Elenor Schneider, as licenciaturas vivem uma crise em todo o país. “A Unisc ainda mantém 10 cursos nessa área, mas é visível a decadência na procura. No último vestibular de verão, tivemos que cancelar alguns cursos pela baixa demanda. Mesmo as mais tradicionais têm dificuldades, como Letras e Matemática.”

Sobre as razões, Schneider também entende que profissão de professor anda desacreditada e muito se atribui aos baixos salários. “Se o país não tomar a formação de professores como prioridade máxima, o futuro nos causa profunda preocupação. Se há uma área que necessita de programas especiais de financiamento, essa é a de formação de professores.”

METAS

Além das valorizações social e salarial mencionadas pelos representantes das duas maiores universidades da região, um ponto destacado pelo próprio Ministério da Educação é o plano de carreira. Pelo menos essa é uma das metas do Plano Nacional da Educação, que espera, até 2024, alcançar alguns objetivos. Entre eles, garantir que os professores tenham formação superior, que pelo menos 50% de quem dá aula na educação básica tenha pós-graduação e valorizar o salário dos professores em relação a outros profissionais que também tenham nível superior.

Os dados do Censo da Educação Superior no RS entre 2013 e 2017 também trazem as matrículas em cursos EAD. Somando com os cursos presenciais, a maioria teve acréscimos, o que, segundo o MEC ainda fica aquém na proporção com outros anos e outros cursos. Chama atenção a Pedagogia, que tinha 27.513 matriculados em 2013 (EAD e presencial) e 35.330 em 2017 – aumento de 22% em quatro anos.

DADOS NACIONAIS

1 De acordo com informações do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), o Brasil corre o risco de ter um “apagão” de professores em um futuro próximo por causa da concentração de matrículas em cursos de bacharelado.

2 O Mapa do Ensino Superior no Brasil, divulgado pelo Semesp, mostra que hoje cerca de 18,5% dos jovens entre 18 e 24 anos estão no ensino superior, quando a meta do Plano Nacional de Educação é de 33% até 2024. O Brasil tem cerca de 6,6 milhões de estudantes de ensino superior em cursos presenciais e 1,5 milhão em cursos à distância.

3 O Semesp informa ainda que 40% das matrículas estão concentradas nos cursos de Direito, Administração, Engenharia Civil e Enfermagem. Entre 2010 e 2016, os bacharelados cresceram 28%, enquanto as licenciaturas tiveram uma queda de 5%.

Dificuldades na hora de contratar

Segundo a pesquisa Políticas Eficientes para Professores, realizada e divulgada em 2018 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ser professor é área de interesse para pouco mais de dois em cada 100 brasileiros.

A carência na disposição reflete na dificuldade em encontrar profissionais. No caso das escolas estaduais, isso é percebido na abertura de processos seletivos. “Há poucos interessados e a maioria não é de candidatos novos, já são contratados”, explica o coordenador da 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), Luiz Ricardo Pinho de Moura.

Conforme a 6ª CRE, entre 2015 e 2018 houve uma queda de 20% de candidatos nos editais para contratação de professores das áreas de exatas, linguagens e ciências. Isso acontece também nos estágios, onde a cada cinco formulários, apenas um é preenchido para essas áreas. “A maioria é para Pedagogia. Nesse caso, há uma ‘chuva’ de profissionais interessados, o que muito se explica pela grande demanda na educação infantil.” A demanda mencionada está relacionada à obrigatoriedade, desde 2016, de crianças estarem na escola já com quatro anos.

O coordenador da CRE também destacou a necessidade de valorização. “Hoje não há um incentivo salarial e isso pesa. Você faz um investimento alto na sua formação e quando haverá o retorno? Por isso, os EADs se tornaram facilitadores, pelo tempo e pelo custo menor.” Os cursos de Ensino à Distância também representam outro ponto para Moura. “Acho que o professor de ensino superior das licenciaturas corre ainda mais riscos no futuro que o de ensino fundamental ou médio, porque os EADs estão cada vez mais presentes.”

MUNICÍPIO

A Secretaria Municipal de Educação de Venâncio Aires também sente dificuldades na hora de contratar. A carência maior, nos últimos tempos, é para encontrar profissionais na área das linguagens, como Artes e Línguas Espanhola, Inglesa e Portuguesa. “Não há uma grande procura nessas áreas e quando tem processo seletivo, aparecem muitos interessados de outros municípios”, aponta a secretária de Educação, Joice Battisti Gassen.

Ainda para Joice, há sim um desinteresse de pessoas por cursos de licenciaturas. “Há muito a carreira no magistério não é interessante. São problemas de desvalorização salarial, escolas com dificuldades de oferecer estrutura e o próprio trabalho com os alunos. Muitos estudantes não têm estrutura familiar e isso desemboca na sala de aula também.”

“Os cursos estão longe do ‘chão’ da sala de aula”, diz professora

A mesma pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicada no ano passado indicou ainda que um em cada cinco professores que atuam em escolas brasileiras já têm mais de 50 anos.

Dois exemplos estão na Escola Estadual Cônego Albino Juchem, uma das maiores de Venâncio Aires. Naiara Freese Martins, 53 anos, de Física, e João Carlos Gonçalves Tavares, 56, que leciona Física e Química. São décadas de ensino, trabalhando com muitas gerações e uma preocupação: quem irá ocupar a sala de aula no futuro?

Para Gonçalves, haverá profissionais, mas não se sabe se serão de licenciaturas. “Vão habilitar um outro profissional, de engenharia, por exemplo, para a sala de aula? É complicado. A realidade da sala não é simples. Ensinar é um desafio diário.”

Naiara vai ao encontro da opinião do colega e reforça. “Os cursos na universidade estão longe do ‘chão’ da sala de aula. As licenciaturas estão longe da realidade.” A professora diz ainda que alguns alunos do Ensino Médio mencionam a vontade de ser professores de Física, Química e Matemática, mas esbarram em perspectivas nada animadoras. “O custo da formação é alto para um profissional que nunca foi tão desvalorizado. É triste, mas tempo atrás me perguntaram se teremos professores para os nossos netos. O futuro preocupa sim.”

Heloisa Machry, 48 anos, dá aulas de Física e Química. Para ela, que é professora há 21 anos, a formação de professores também precisa ser revista. “Ser professor não é para qualquer um e como as licenciaturas estão diminuindo, talvez seja o momento de rever a formação, que tem custo alto e não prepara para as especificidades que serão encontradas.”

Professora, em breve

Se encontrar alunos em cursos presenciais de licenciatura não seja algo mais comum, uma delas estuda Geografia e mora em Venâncio Aires. Danielle Yasmin Eichler, 22 anos, está no 7°semestre do curso de Licenciatura em Geografia da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Ela conta que a definição ocorreu no último ano do Ensino Médio. “Em razão das aulas desenvolvidas e aplicadas pelo professor. A Geografia sempre me chamou muita a atenção, pois os conteúdos são sempre dinâmicos e diversificados.”

Danielle, que atualmente trabalha como caixa de uma loja, diz que quer ser professora pela simpatia que tem pela profissão e pelo reconhecimento da importância que os professores tiveram e tem na sua formação acadêmica e pessoal.

Ao mesmo tempo, a estudante entende que é uma profissão que tem desafios. “A busca pelos cursos de licenciatura está cada vez menor, noto isso durante minha frequência na universidade. É uma profissão cada vez mais desafiadora e complexa, mas acredito nela. É fundamental, além de estar alicerçada nas relações humanas e no conhecimento.”



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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