Atualmente com mais de mil alunos, Escola Estadual de Ensino Médio Cônego Albino Juchem (CAJ) completa seis décadas dia 18 de maio.
CAJ, Cônego ou apenas Estadual. As formas que o venâncio-airense aprendeu a se referir a essa escola variam e dependem do vínculo e da época em que aconteceram. E, mesmo os que não têm vínculo direto, conhecem alguém que tenha ou teve. Com uma história que soma agora 60 anos, a Escola Estadual de Ensino Médio Cônego Albino Juchem (CAJ) faz parte da formação de gerações, tanto da cidade como do interior. Esse gigante localizado bem no Centro de Venâncio Aires é a maior escola do município, com 1.087 alunos. Gigante em tamanho, em história e que busca continuar, também, uma grande referência na educação.
Um lugar para meninos e o apoio do padre Albino
A origem da maior escola de Venâncio Aires começou por causa de uma preocupação. Corria o ano de 1963, tempos do prefeito Alfredo Scherer e do padre Albino Juchem. Naquele ano, após reunião entre pais e professores, foi comunicado às famílias que o Colégio Nossa Senhora Aparecida estava em vias de não aceitar mais meninos no curso ginasial, que hoje equivale aos últimos anos do Ensino Fundamental.
Dessa forma, surgiu a necessidade de criar outra escola no Centro da cidade e isso avançou em 1964, pela mobilização de Luiz João Witz, Elígio Becker (que seria o primeiro diretor), Antônio Pilz Neto, Ireneu Lenz, Willibaldo Ertel, Willibaldo Lenz, Élio Lermen, Lauro Uhry, Avelino Klein, Orlando Fischer, Rony José Mylius, Albino Wazlawovsky, Arthur Finckler, Alfredo Farinhas e Ariosto de Brito Pereira. Desse grupo, ainda estão vivos Antônio Pilz, 88 anos, e Ireneu Lenz, 86. Como ambos estão com a saúde debilitada, conforme informado pelas famílias, não foi possível entrevistá-los.
Ainda na formação desse grupo na década de 1960, outro nome foi fundamental: cônego Albino Juchem, então vigário da cidade e que participou de todas as tomadas de decisões. Quando foi criada a Sociedade Escolar São Sebastião Mártir, a mantenedora da nova escola, Juchem garantiu uma área nos fundos da Casa Paroquial, uma faixa de meio de quadra que começava na rua Tiradentes e seguia até a rua 1º de Março. Infelizmente, padre Albino faleceu em 30 de abril de 1965, poucas semanas antes de ver a nova escola formalizada. Em 18 de maio daquele ano, um decreto criou o Ginásio Estadual Cônego Albino (Geca), de 5ª a 8ª séries, homenageando, então, a maior liderança religiosa de Venâncio Aires e que ajudou na criação do novo educandário.
Os primeiros formandos
Nos registros da escola, 26 nomes (dos quais duas meninas) integraram a primeira turma de formandos do então Geca. Entre aqueles que cursaram o ginásio de 1965 a 1968, estava José Augusto de Menezes Spies, hoje com 72 anos. O bancário aposentado conta que o primeiro ano foi de aulas nos fundos da Casa Paroquial. E quando começou a construção do primeiro prédio, na quadra entre as ruas Visconde do Rio Branco e 1º de Março, as aulas aconteciam em meio às obras. “Tudo era mais difícil, mas havia um grande entusiasmo e dedicação dos professores para dar certo. E olha aonde chegou. Vejo com muita satisfação o crescimento da escola e o tanto que ela fez por nossa população. Quantos alunos ali formados são hoje pessoas de sucesso em suas mais variadas profissões”, comenta Spies.
Ele, que entrou na escola com 12 anos, lembra-se com carinho de muitos professores. Entre eles, cita Luiz João Witz (Educação Física), Antônio Pilz Neto (História), Lia Knies Pochmann (Artes), José Balduíno Butzge (Português), Renato Becker (Física) e Gastão Pilz (Inglês).
Maria Olimpia, quatro décadas de Estadual
Numa história de seis décadas, são muitos personagens que marcaram a trajetória da escola. Dos 16 diretores que já administraram o CAJ, quem mais tempo liderou a instituição é Maria Olimpia da Silva, hoje com 73 anos. Foram quase 15 anos como diretora (mandatos entre 1988-1992 e 2001-2012), mais os tempos de vice, totalizando 19 anos só na administração.
Ao todo, foram 40 anos e quatro meses dentro do Estadual. Entrou lá quando tinha apenas um único prédio (hoje o mais próximo do ginásio), em 1972, como professora de Ciências, e saiu em 2012. Portanto, presenciou a evolução, como a aprovação da Escola Pública de 2º grau (Ensino Médio), em 1977. “Tenho um carinho muito grande pelo colégio e orgulho de ter participado diretamente de muitas conquistas.” Entre elas, cita a construção do ginásio de esportes, inaugurado em 1991, durante o primeiro mandato como diretora. “Um trabalho em equipe, porque nunca se fez nada sozinho. A gente ia toda semana a Porto Alegre para acompanhar o andamento do processo e liberação de recursos. Foi uma grande alegria vê-lo pronto.”
Foi num mandato dela, em 2002, que outra ampliação importante aconteceu: onde antes havia uma cancha de concreto e pátio com brita, foram construídos auditório, refeitório e cozinha. Quem estava no CAJ antes disso, lembra, por exemplo, que auditório não existia e a cozinha funcionava embaixo da escada que leva para o segundo pavimento. “Tenho saudades da escola, dos alunos correndo, do barulho das crianças. Isso não sai da gente. É uma satisfação ter feito parte dessa história, ter trabalhado com tanta gente competente, reencontrar ex-alunos realizados nas suas vidas e ver que o Cônego continua crescendo e prezando pelo pedagógico”, ressalta Maria Olimpia.
De alunas a profissionais: vínculos de ontem e de hoje
Dizem que podemos sair de um lugar, mas o lugar não sai da gente. E tem muitos que passaram pelo CAJ de uma forma e voltaram de outra, ou seja, continuam fazendo parte da história da escola. É o caso de Tatiana Konzen Nicolini, professora de Matemática no Cônego desde 2012. Tati, como é conhecida, foi aluna do Estadual entre 1992 e 2003 – entrou no pré e saiu formada no Ensino Médio. “Aqui tenho minhas maiores lembranças, até o primeiro beijo”, revela, entre risos.
Tati é daquelas pessoas sorridentes, brincalhona, mas quando fala das memórias, os olhos enchem d’água. “Fui uma criança com dificuldades de aprendizado nos primeiros anos. Demorei pra ser alfabetizada, mas sempre fui muito bem acolhida e incentivada pelos meus pais e professores.”
Com 39 anos e 25 deles vivendo dentro do CAJ, a professora fala do orgulho que tem da escola. “O Estadual é uma referência para a cidade. Meu pai, até hoje, quando fala de mim, diz: ‘Minha filha trabalha no Estadual’. E estar aqui é uma nostalgia constante. É meu trabalho, claro, mas realmente também é minha casa.” Para o futuro, Tati diz que vislumbra o CAJ mantendo “a identidade de sempre, que acolhe, como uma escola gigante na educação e uma referência”.
Profe Rosane, a número 1 do livro ponto no CAJ
Rosane Teresinha Lehmen nasceu em 31 de maio de 1965, dias depois da criação do Estadual. Foi aluna da 6ª série ao 1º ano do Médio e nem imaginava que, no futuro, faria uma longa carreira como profissional da escola. Ela, que entrou em 1993 e nos últimos tempos virou o cartão nº 1 no livro ponto (com mais tempo de casa), está em vias de se aposentar. “Ainda não parei para pensar nisso”, resume.
Natural de Linha Cachoeira, interior de Venâncio, e filha de agricultores, Rosane se lembra do acolhimento que recebeu. “Enquanto aluna, uma coisa que me marcou muito foi quando ouvi alguém dizer o termo ‘colono grosso’. Aí a Maria Olimpia respondeu àquele aluno: ‘É de onde vem tua comida’. Naquele momento me senti representada, que tinha um lugar e não estava sozinha.”
Em 32 anos de CAJ, Rosane foi professora de História, Filosofia e Sociologia, além de ter sido vice-diretora, supervisora e, por último, estar no atendimento especializado. “Vou sentir falta do desafio diário que é uma escola. Mas sempre que encontro um ex-aluno e vejo que ele está bem e realizado, acho que estive lá. É sinal de que a escola passou por ele.”
Kelly, a ‘dona’ das chaves
Precisou de algo relacionado à limpeza, manutenção ou abrir uma porta? Chama a Kelly, a ‘dona’ das chaves no Estadual. O nome dela é Josiane Raquel Metz, 42 anos, mas desde criança é a Kelly, apelido que segue dentro do CAJ, onde trabalha desde 2003, depois de fazer o último concurso público para auxiliar de manutenção e infraestrutura nível II.
Antes disso, foi aluna, entre 1997 e 2001, da 8ª série até o fim do Ensino Médio. “Quando eu terminava o turno da escola, largava os cadernos embaixo da escada [antiga cozinha] e já ficava para ajudar minha mãe na limpeza”, relata a funcionária, referindo-se a Marlene Gaertner, hoje com 68 anos, e que também trabalhou na limpeza e manutenção do Estadual entre 1989 e 2015. Quando terminou os estudos, Kelly já conhecia todas as chaves da escola e, por influência da mãe, pensou no concurso. “Eu morava no interior e primeiro quis uma escola mais perto de casa. Mas daí a Maria Olimpia me convenceu e vim. Já são 22 anos aqui, é minha casa e minha segunda família.”
Futuro no CAJ
Atualmente, uma terceira geração também já estuda e corre faceira pelos corredores do Estadual. É a filha de Kelly, Sophia Luiza Becker, de 8 anos, aluna do 3º ano do Ensino Fundamental. Além dela, tantos outros vão completar o ciclo da educação básica por inteiro dentro da escola. É o caso de Clara Ziebel Hübner e Léo Júnior Theis, ambos de 15 anos e alunos do 1º ano do Ensino Médio. Eles entraram na escola no pré. Cada qual com seus gostos, Clara gosta de Biologia e Léo de História, mas ambos concordam numa coisa: o CAJ é o local de aprendizado, de descobertas e encontro com amigos.
Do atletismo à reitoria da Unisc
Entre os alunos ‘famosos’ que passaram pelo CAJ está Rafael Henn, reitor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Ele estudou na escola entre 1988 e 1989, nos dois últimos anos do então 2º Grau. Adorava Matemática e Física, mas também esportes, como muitos jovens, se lembra com carinho das aulas de Educação Física de José Elemar Wachholtz, conhecido como professor Juca. “Participava das competições esportivas, representando o Estadual no atletismo, e viajei pelo estado competindo. No 3º ano, já pensando na faculdade [cursou Engenharia Mecânica], fiz o curso técnico em Eletrônica que tinha. Sempre foi uma escola muito qualificada”, comenta Rafael Henn.
Das conquistas na educação e sobre o futuro no CAJ
O Estadual chegou a ter, nos anos 1990, cerca de 2 mil alunos. Conforme a ex-diretora Maria Olimpia da Silva, houve um tempo com 11 turmas apenas de 1º ano de Ensino Médio. Atualmente, são 1.087 alunos, de todos os bairros e de 15 localidades do interior: 228 nos Anos Iniciais, 236 no Anos Finais e 623 no Ensino Médio, que dão ao CAJ a condição de maior escola de Venâncio Aires. São 41 turmas, de 1º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Médio, ou seja, não tem pré. A escola também é gigante em tamanho, já que ocupa um terreno de 5.977 metros quadrados, sendo 2.710 metros quadrados de área construída.
Trabalham 55 professores, cinco monitores e 16 funcionários, liderados por Cláudia Cristina Neumann, diretora desde 2019, mas que entrou em 2014, como professora dos Anos Iniciais. A equipe diretiva conta ainda com Patrícia Kolberg (vice da manhã), Jaqueline Kreling (vice da tarde), André Henckes (vice da noite) e Marilda Alves Iansen (vice geral). “Me orgulha fazer parte de uma equipe tão esforçada e saber que temos aceitação da comunidade, de que existe a confiança dos pais. Orgulho também de já termos construído uma caminhada em tão pouco tempo. Nosso desafio é manter a qualidade do ensino que a escola construiu e de seguir esse legado”, destaca Cláudia.
Pedagógico
A questão pedagógica, por exemplo, teve destaques recentes. Em abril, o CAJ foi reconhecido pelo bom desempenho no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar (Saers), e no cálculo do Índice de Qualidade de Alfabetização (IQAe). O educandário ficou entre as 200 escolas gaúchas com melhor pontuação e premiada no programa Alfabetiza Tchê. No fim de 2024, teve reconhecimento do Estado no Destaques da Educação no quesito fluência leitora, ultrapassando a marca de 70%.
A diretora também ressalta a manutenção e revitalização do espaço físico, para um futuro breve. “Os maiores desejos são fazer a pintura predial total, interna e externa, a ampliação do refeitório, modernização dos espaços de convivência dos estudantes e também um elevador, objetivando maior acessibilidade e promovendo ainda mais a inclusão na nossa escola”, afirma.
Oito denominações e o símbolo
Desde a criação, o CAJ já teve oito nomes. Entre eles, já teve as referências ao Ginásio, ao Estadual, aos 1º e 2º Graus, à Educação Básica, até a atual nomenclatura, vigente desde 2016. E você sabia que o eucalipto é o símbolo da escola? Isso porque o terreno onde ela foi construída abrigava inúmeras árvores dessa espécie.
Para marcar os 60 anos do CAJ, na noite deste sábado, 17, haverá um jantar-baile no Clube de Leituras. Além dos atuais ‘atores’ dessa história, também foram convidados ex-alunos, ex-professores, ex-funcionários e comunidade escolar em geral.
Ao Estadual, com carinho*
Ele mudou muito e não mudou nada. Está mais bonito, mais colorido e mais moderno. Mas também segue como quando o deixei, há mais de 20 anos. O Estadual (como o chamo) está entre minhas maiores saudades. Foram nove anos (1996-2004), entre 3ª série e 3º ano do Médio. Como fui feliz lá dentro e que honra escrever a matéria que dos 60 anos da escola! Ironicamente, parte das entrevistas foi na sala do Serviço de Orientação Educacional, o temido SOE dos meus tempos, mas que tenho orgulho de nunca ter entrado como aluna…
Essa matéria me possibilitou acessar novamente as salas onde estudei, lembrar as classes que ocupei e reencontrar professores, como a Rosane e a Maria Olimpia, minhas profes de História e Ciências em 1997, na 4ª série. A memória me trouxe o arroz com carne moída no recreio, que a gente buscava na cozinha embaixo da escada, servido num prato azul de plástico. A pipoquinha doce de 10 centavos no bar do seu Walter Pegoraro. As idas diárias à biblioteca, porque um livro por semana era pouco, e as primeiras leituras de jornais. Eu me vi novamente brincando de ‘pega-pega’ no pátio de piso bruto e como ponteira no vôlei e ala no futsal. Sentei nas muretas que pareciam tão mais altas e sujei as mãos no corrimão enferrujado em direção ao segundo piso.
Como não se emocionar quando a gente, ainda que momentaneamente, ‘toca’ nossa infância? Foi lá que me formei ‘gente’ e também vivi minha primeira experiência no jornalismo, como repórter do antigo jornal Galera, coordenado pela professora Ione Siqueira. Guardo com carinho cada professor, cada disciplina, cada ano e cada amigo. E não é porque lembro, é porque eu nunca esqueci e isso é diferente. Obrigada, Estadual. Para sempre, minha escola do coração.
* Débora Kist – jornalista e ex-aluna