Atração da Oktoberfest de 1986, a história do Escort XR3 da família Lakus

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Para muito além do vento no rosto, a história de um Escort XR3, modelo Ford conversível, que remete às memórias de quem viveu a década de 1980.

O Ford Escort XR3 foi apresentado no Brasil no início dos anos 1980. O carro virou uma paixão nacional, ainda mais tendo, como garoto-propaganda, aquele que é considerado o maior piloto da história da Fórmula 1: Ayrton Senna (1960-1994). Há mais de 30 anos, era comum ver o tricampeão mundial, no dia a dia, dirigindo algum por São Paulo ou na Inglaterra, onde morou.

Em terras britânicas, aliás, um modelo esportivo da Escort também encantou outra celebridade: Diana Spencer, a Lady Di (1961-1997). Em meados da década de 80, a Princesa de Gales teve um Escort RS Turbo S1 (modelo XR3 com turbo), como alternativa ao conversível vermelho que ela realmente queria. Mas, por questões de segurança com a Família Real, a orientação é de que tivesse capota fechada. Além disso, o carro foi pintado de preto, para ser mais discreto.

Em 2022, o Escort que pertenceu à princesa foi leiloado por R$ 4,3 milhões, o que talvez não surpreenda saudosos ou apaixonados pelo carro. Mas, se o veículo de Lady Di teve um preço, em Venâncio Aires um certo XR3 tem valor inestimável para uma família. Essa é a história dos Lakus e o Escort XR3 conversível 1986.

Foto: Débora Kist/Folha do Mate

Antes do Escort XR3, também uma história de Jeep, Renault Juvaquatre e Variant II

Os carros fazem parte da trajetória da família Lakus há mais de 70 anos. Tudo começou com Werner (1919-2004) que, até o início dos anos 1950, percorria todo o território venâncio-airense no lombo de uma égua, animal resistente que o levava para o trabalho com agricultores e matadouros, já que era fiscal agropecuário. Foi com um Jeep Willys verde 1951, comprado na Auto Geral (antiga revenda de carros de Venâncio Aires), que Werner passou a trabalhar ‘motorizado’, mas ainda ficava muitos dias fora de casa.

Assim, a esposa dele, Joaquina (1920-1985), começou a trajetória de uma loja na rua Osvaldo Aranha (entre as quadras das ruas Conde D’Eu e Rufino Pereira). Em 1953, lá se encontravam baterias, bicicletas e rádios. Só mais tarde viriam as ‘novidades’ chamadas eletrodomésticos.

Em 1962, Pedro Lakus ganhou do pai um modelo Renault 1946 como este da foto (Foto: Arquivo pessoal)

O casal teve seis filhos e um deles é outro personagem dessa história: Pedro Dexheimer Lakus, o segundo mais velho e hoje com 78 anos. Ainda adolescente, ele já dirigia o Jeep do pai e, com 16 anos (em 1962), ganhou de Werner o que já era uma relíquia na época: um Renault Juvaquatre 1946. Eram tempos que não havia carteira de habilitação, mas sim, uma licença para dirigir, portanto o jovem usava esse veículo para ajudar nas entregas da loja.

Casa Lakus

Já adulto, casado com Maria Deolinda (hoje com 78 anos) e com as próprias ideias, Pedro também decidiu empreender. No fim dos anos 1960, construiu um prédio na rua Conde D’Eu ainda de estrada de chão, entre a Osvaldo Aranha e a Júlio de Castilhos. Lá fez loja, fábrica de estofados e residência, a Casa Lakus, cujo prédio e comércio existem até hoje, com o nome Móveis Lakus.

Nos anos 1970, família teve essa Variant II (Foto: Arquivo pessoal)

Nesse espaço, Pedro também se estabeleceu como comerciante, criou os filhos e foi adquirindo outros veículos. Um deles, uma Variant II verde, comprada zero quilômetro em 1978 na Motorsul (antiga revenda Volkswagen de Venâncio). É dentro dessa Variant que começam as lembranças do empresário Eduardo Schirmann Lakus, hoje com 49 anos, conhecido como Duda. “A gente ia para a praia e para a fronteira onde morava uma tia. Eu e minhas irmãs íamos atrás. Esse carro passava até em atoleiro. Quando eu tinha 5 anos, numa enchente em Linha Arroio Grande, nós conseguimos passar dentro do arroio porque lembro da água passando por cima do capô. Essa Variant aguentava tudo”, relata Duda. A Variant II fez 98 mil quilômetros. Entre os anos 1970 e meados de 1980, Pedro Lakus ainda teria outros carros, como Opala Diplomata, Ômega e Corcel.

Comércio da família, no fim dos anos 1960 (Foto: Arquivo pessoal)

Escort XR3: um negócio de ocasião

Em 1986, a ideia do empresário era comprar um veículo novo e suas opções estavam entre um Monza Classic e outro Opala Diplomata. No entanto, eram tempos difíceis na economia. Com o lançamento do Plano Cruzado, houve troca de moeda no Brasil, numa tentativa do governo do ex-presidente José Sarney barrar a inflação.

Por ser conversível, veículo era requisitado para desfiles de carnaval e gincanas no Centro de Venâncio nos anos 1990 (Foto: Arquivo pessoal)

No mesmo ano, foi instituído um decreto que exigia o pagamento do empréstimo compulsório sobre a venda de veículos e combustíveis. “O governo cobrava um percentual, tipo um imposto, em cima do preço dos carros, tentando frear o consumo no Brasil. E, com isso, também não tinha carro suficiente para entregar em Venâncio. Faltava carro na época”, conta Eduardo Lakus.

A exposição do Escort XR3 na Oktoberfest

Ainda em 1986, Pedro levou seu Corcel II para uma revisão na Vemasa (revenda da Ford em Santa Cruz e que também tinha em Venâncio). Lá, ouviu o seguinte: estava para chegar um modelo conversível. “O pai veio para casa com um folheto e, quando eu e minhas irmãs vimos, a gente se apaixonou. A mãe não se agradou muito [risos], mas o pai já estava decidido e acabou sendo um negócio de ocasião”, relata Duda, se referindo à forma como o Escort XR 3 chegou na vida dos Lakus.

Outro detalhe do modelo esportivo da Ford é que ele viria exclusivamente para a Oktoberfest daquele ano. A nota fiscal foi emitida em 6 de outubro (neste domingo completa 38 anos) e o carro dos Lakus ficou exposto durante todos os dias da festa. Só depois seguiu para Venâncio Aires.

Eduardo gosta de sair aos sábados à tarde com o veículo (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Uma volta de Escort XR3 em apenas duas quadras e “tem muito vento!”

Em 1986, Eduardo estudava na Escola Monte das Tabocas e morava a apenas duas quadras do colégio. Quando soube que o pai finalmente traria o Escort para casa, o menino de 11 anos se empolgou e pediu para ser buscado na porta da escola, com o conversível. Já naquela época, Duda era leitor de revistas sobre carros. Da Revista ‘Quatro Rodas’, por exemplo, é assinante até hoje. “Eu só queria andar”, resume.

Na primeira volta em família, além de Eduardo, foram os pais Pedro e Maria Deolinda, as irmãs Iamara, hoje com 54 anos, e Patrícia, 53. A irmã caçula, Ethiene, então um bebê de apenas um ano, também participou dessa volta inaugural. “A gente foi até o trevo da cidade, no Acesso Leopoldina. Estava de capota aberta, claro. Daí a mãe levantou o vidro e se queixou que tinha muito vento”, entrega Duda, entre risos. Já no verão de 1987, foram para o litoral com o Escort.

Veículo tem 38 anos e segue 100% original (Foto: Débora Kist//Folha do Mate)
Foto: Débora Kist/Folha do Mate

Características, cuidados e um pouco de ciúme

O Escort XR3 dos Lakus vermelho Rosso foi fabricado em 1986, mas é um modelo 1987. Equipado com computador de bordo, também tem aquecedor, luzes de alerta e vidros elétricos (que nunca estragaram). Ele já rodou 161 mil quilômetros rodados.

Com ele, os Lakus fizeram inúmeras viagens em família e a única que ainda não o dirigiu é Ethiene, hoje com 39 anos. Por ser conversível, o carro também foi usado em desfiles de carnaval e gincanas, nos anos 1990, quando a Osvaldo Aranha ainda tinha paralelepípedo.

O carro segue 100% original há 38 anos, o que inclui até o estepe. Movido a álcool, Eduardo Lakus explica que, para ligar o veículo, é preciso “puxar o afogador e injetar gasolina.”

Hobby em família

Bernardo, o filho de 19 anos, aprendeu a dirigir no Escort. Tirou a habilitação em 2023 e também gosta de dar suas voltas, levando na carona a mãe, Rosalice Spies, 52 anos, e a prima Manoela, 13. “A Manu adora andar no Escort. Sempre pronta para uma volta”, conta Eduardo, sobre a sobrinha.

Como Pedro sempre foi cuidadoso com os carros, Eduardo também o é. “O pai é ciumento e eu também sou. O carro não sai em dia de chuva, não pode ficar no relento e também não vai para estrada de chão.”

Dirigi-lo é o hobby de Eduardo nos sábados à tarde (ensolarados, claro). Aí, de capota aberta e vento no rosto, vira quase uma viagem no tempo. Para completar, a trilha sonora reforça a nostalgia, com os clássicos do rock anos 1980, especialmente de bandas australianas como Men at Work, INXS, Icehouse, Hoodoo Gurus, Ganggajang e Spy vs Spy, numa playlist selecionada em fitas K7.

Eduardo (atrás) com a sobrinha Manu, o filho Bernardo e a esposa Rosalice, sempre parceiros para uma volta com o Escort (Foto: Arquivo pessoal)

“Esse carro tem muitas lembranças e por isso não tem preço. Memória é uma coisa inestimável.”

EDUARDO SCHIRMANN LAKUS – Empresário

A matéria sobre o Escort XR3 dos Lakus é a sexta da série de reportagens ‘Relíquias sobre Rodas’, publicada pelo jornal Folha do Mate em parceria com a Rádio Terra FM. A série tem o patrocínio de Ark Impressão Digital, Posto Schmitz Ipiranga, Tiago Pneus e Via Som Auto Center.

Veja também outras reportagens da série Relíquias sobre Rodas:

https://folhadomate.com/noticias/historia/o-ford-1929-de-inar-uma-reliquia-quase-centenaria/
https://folhadomate.com/noticias/historia/jeep-willys-do-endrigo/
https://folhadomate.com/noticias/historia/volkswagen-variant-da-camila/
https://folhadomate.com/noticias/historia/ford-galaxie-landau-do-doutor-paulo/
https://folhadomate.com/livre/a-historia-de-osmario-e-o-opala/


Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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