Cláudio Pimentel: há 50 anos, um ‘operário’ da Medicina

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Quem o viu na infância, disputando tudo que é ‘pelada’ em Venâncio Aires, talvez só enxergasse um futuro para aquele guri franzino: jogador de futebol. Estava em todos os campinhos do Santa Tecla, Coronel Brito, Caída do Céu e das Acácias (região do Parque do Chimarrão). O gosto pelo esporte, paixão nacional desde antes de Pelé, poderia ter sido, sim, uma aposta. Mas, quis a vida que os últimos 50 anos desse personagem fossem dedicados não necessariamente a alegrar pessoas, como deve ser o futebol, mas para cuidar, curar e trazer ao mundo novas vidas, novos venâncio-airenses. Essa é a história de Cláudio Pimentel, um dos primeiros ginecologistas e obstetras de Venâncio Aires e que neste mês completou cinco décadas de Medicina.

A decisão diante de um pinheirinho

Cláudio Pimentel nasceu no terceiro dia de 1949. O Hospital São Sebastião Mártir (HSSM) já funcionava, claro, mas eram poucos médicos em Venâncio Aires e muitos partos daquela época ainda aconteciam em casa, com ajuda das parteiras. O caçula de Fausto e Vivaldina foi uma dessas crianças. Veio ao mundo numa casa de madeira de quatro peças, com cortinas improvisadas como portas, na esquina das ruas Félix da Cunha e 13 de Maio. Quem lhe pegou nos braços pela primeira vez foi Cristina Dornelles, conhecida como Tuca, benzedeira afamada nas redondezas e que fazia as vezes de parteira quando necessário.

Foi no entorno daquela esquina que Cláudio cresceu com as irmãs mais velhas: Mirian, hoje com 81 anos, e Carmen, já falecida. Desde que se entende por gente, viu o pai esmerilhando facas na antiga fábrica Schauenberg (atual endereço da agência Sicredi da rua Tiradentes), onde foi operário por 47 anos. A mãe fez o que os muitos venâncio-airense já fizeram e ainda fazem: safrista em fumageiras e trabalhou em indústrias como a Tabacos Knies (próximo ao Clube de Leituras) e na Ligget & Myers, a LM do Brasil, que funcionava no mesmo prédio onde atualmente é a Alliance One, a uma quadra da casa dos Pimentel. “Ali tinha um campo de futebol do Négo e eu vivia batendo bola com outros moleques. Um dia veio um homem e disse que a gente precisava sair. Eu estava lá quando começaram a obra da fumageira”, conta Pimentel.

Entre as fotografias que Pimentel tem no consultório, está do pai Fausto, que por 47 anos trabalhou na fábrica de facas Schauenberg (Foto: Arquivo pessoal)

Cláudio foi alfabetizado aos 7 anos, por Carmen Lopes Guedes, professora da Escola Monte das Tabocas. Nos anos 1950, lá só tinha o ensino primário e o ginásio era oferecido no ‘colégio das freiras’, o Aparecida, para onde prestou exame e foi aprovado. Aluno aplicado, tinha o desejo de seguir adiante nos estudos, mas os pais não tinham condição. Novamente, estudou muito e foi aprovado para o curso científico no Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Assim, ainda adolescente, foi morar na casa da irmã mais velha, que já residia na capital.

No fim de 1967, após concluir o científico, Cláudio volta a Venâncio Aires com uma ideia na cabeça: tentar uma faculdade. “Mas eu estava indeciso. Foi arrumando o pinheirinho para o Natal que pensei: Deus vai me dizer o que escolher. E aí clareou para mim: Medicina. Prometi, naquele dia, que se eu passasse no vestibular, seria eu a enfeitar o pinheirinho na família todos os anos, enquanto estivesse vivo. É o que faço até hoje.”

Ginecologista desde 1976

Cláudio Pimentel cursou Medicina na Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, entre 1968 e 1973. Esteve lá quando terminavam o Hospital de Clínicas, um dos locais que frequentou enquanto estudante. O médico revela que a decisão pela ginecologia aconteceu no segundo ano de curso, quando aprendeu sobre histologia e fisiologia e se encantou pelo funcionamento dos órgãos femininos.

A obstetrícia, segundo ele, veio na carona. Em 1976, volta para a cidade natal para fixar residência e abrir o primeiro consultório, na rua Júlio de Castilhos, perto do antigo cinema. “Tinha oito médicos em Venâncio e tudo mundo fazia de um tudo, era a chamada clínica geral. Acho que acabei sendo o primeiro ginecologista. O Hélio Artus, meu colega no Aparecida, veio logo depois”, conta Pimentel.

Família

Cláudio casou com Glacy, hoje com 69 anos, em 1976. O casal tem três filhos, Annie, Fausto (também médico) e Glaucia, e dois netos. Foi Cláudio quem fez o pré-natal dos filhos e o responsável pelas três cesarianas na esposa.

Claudio Pimentel, na época da formatura, na década de 1970 (Foto: Arquivo pessoal)

45 anos entre duas quadras

Foi em 1978 que Cláudio Pimentel concluiu a obra do novo consultório, onde também mora. Há 45 anos, os venâncio-airenses sabem onde é o endereço do médico, na rua General Osório, a apenas duas quadras do hospital.

Ele conta que já presenciou muitos fatos curiosos neste curto trajeto, desde grávidas quase parindo pedindo ajuda e que ele levou de carro até a porta do hospital ou o susto com um estranho, que começou a persegui-lo durante uma noite com neblina digna de ‘filme de terror’. “Já levei cada susto nessas duas quadras”, lembra o médico, entre risos.

Dentro do HSSM, onde ajudou no nascimento de centenas de venâncio-airenses, Pimentel cita um caso inusitado, quando fez a cesariana de uma colega. “A gestante era a Marisa Deves Viana, esposa do Roberto Viana. Na sala ainda estavam o Milton Deves, irmão dela, e o médico que me ajudou diretamente foi o Mário Deves, também irmão da Marisa. Todos médicos. E quem nasceu foi o Roberto Deves Viana, hoje também médico.”

“A Medicina é a arte de batalhar pela saúde sempre, consolar sempre e tentar salvar sempre.”

CLÁUDIO PIMENTEL – Médico ginecologista e obstetra

Gerações de mulheres e 45 mil fichas

Pimentel não sabe quantos partos fez, mas o arquivo do consultório dele tem, pelo menos, 45 mil fichas de papel. São mais de 40 anos atendendo mulheres de gerações diferentes, como por exemplo, avós, mães e filhas. “Essa história de sexo frágil é uma senhora mentira. A mulher encara a questão da saúde e da doença de uma forma muito mais natural e mais forte que os homens.”

Sem esconder a preferência pela ginecologia, há cerca de 20 anos não atua mais diretamente como obstetra, a não ser quando auxilia a médica Patrícia Pilz. “É uma grande médica e parceira. Quando ela me pede, ajudo nos partos. E eu, quando faço alguma cirurgia, também conto com ela.”

Em todas essas décadas, o médico diz que trazer uma criança ao mundo é sempre um momento de alegria, mas que também houve momentos de tristeza, algo que faz parte da rotina de um hospital. “A maternidade precisa ser sinônimo de alegria. E, quando algo escapa das mãos do médico, nos sentimos limitados e custamos a superar.”

“Vou trabalhar até quando Deus quiser”

Além dos 50 anos dedicados à Medicina, a primeira experiência profissional de Pimentel foi como carregador de gelo da antiga fábrica Heck & Bergmann, pertinho do Cachorrão do Magrão, na rua Osvaldo Aranha. Ele tinha cerca de 12 anos, enrolava gelo num saco de linhagem e carregava num carrinho de mão. Era por essa mesma época que corria os campos da cidade jogando futebol. “O problema é que eu não guardava posição e o pessoal não gostava disso. Por isso, acho que eu não vingaria no esporte”, relata, em tom de brincadeira.

Se o futebol perdeu um atleta promissor, não se sabe, mas Venâncio ganhou um médico atuante e que segue firme na profissão há 50 anos. Nas cinco décadas de Medicina, por mais de três delas também trabalhou no antigo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), na esquina das ruas Jacob Becker e Félix da Cunha. “Fiz o concurso federal para especialidade em ginecologia. Trabalhei nesse prédio construído em cima de um terreno que remete à minha infância. Tinha um depósito de lixo e, como era perto da minha casa, muitos brinquedos improvisei com os restos de peças que achava por lá.”

O consultório de Pimentel, onde atende há 45 anos, tem muitos detalhes especiais para a vida dele. A começar pelos móveis, em madeira, onde estão entalhados o símbolo da Medicina e da Sociedade Gaúcha de Ginecologia. No encosto da cadeira, há um rosário, já que o médico é muito religioso e revela que costuma rezar antes de fazer alguma cirurgia. Sobre o armário, está o diploma, que data de 1º de dezembro de 1973, e fotos dos filhos, da esposa e dos pais, além de um símbolo do Grêmio, o time do coração. Também guarda o troféu concedido pela Câmara de Vereadores, em 2014, como Profissional de Saúde, e a placa ‘Mérito Médico’, recebida pela Associação Médica de Venâncio Aires, em 1995. “O Athos Granja e o Clécio Schmaedecke, já falecidos, também receberam. Então esse reconhecimento é uma grande honra para mim.”

Se Cláudio Pimentel, ou ‘doutor Claudinho’, como é chamado por muitos, tem uma certeza na vida, é que não sabe até quando vai trabalhar. “Na minha lápide, quero que escrevam: aqui jaz Cláudio Pimentel, um operário da Medicina e finalmente tirando férias”, revela, entre risos. Ele garante que se sente bem e, a poucos dias de completar 75 anos, seguirá atendendo. “Já trabalhei com 39 graus de febre. Tenho nove cirurgias no coração [problema de válvula, como a mãe] e já fiquei 14 anos sem férias. Então, não penso na aposentadoria. Vou trabalhar até quando Deus quiser.”

Os médicos mais antigos

Pela idade e tempo de profissão, Cláudio Pimentel é um dos médicos mais antigos de Venâncio Aires. Começou na Medicina na mesma década de João Fürst, Flávio e Francismar Seibt, Moacir Emílio Ferreira, Celso e Marcia Artus, Hélio Artus e Jorge Nazário, vários já aposentados.

Antes deles, os moradores eram atendidos por Armando Ruschel, Clécio Schmaedecke (filho de Reynaldo Schmaedecke, também médico), Pedro Thomaz da Silva, Valmir Pochmann, Plínio Luís da Silva e Athos Granja, todos já falecidos.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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