Na quinta-feira, dia 13 de julho, foi comemorado, no Brasil, o Dia Mundial do Rock. A data é uma referência ao Live Aid, evento internacional realizado em 1985, mas cuja lembrança é mais popular por aqui. Independente de ser um reconhecimento mundial ou nacional, o gênero mantém muitos fãs e essa história começou na década de 1960, marcada por um movimento cultural que mexeu com a música, o comportamento e a moda. Esse movimento ganhou o nome de Jovem Guarda, devido a um programa na TV Record, que tinha como grandes estrelas os ‘fenômenos’ Roberto Carlos, Eramos Carlos e Wanderléa.
A Jovem Guarda foi uma verdadeira febre na época e era bastante influenciada pelo rock dos anos 1950 e 1960, que emplacou hits a partir dos Estados Unidos e da Inglaterra. Essas canções que reproduziam o ‘iê-iê-iê’ de fora, também ecoaram em Venâncio Aires, município onde a música e outras atividades culturais respiravam em locais como o Cine Imperial e a Sociedade de Leituras, o Clube. E foi justamente dentro dele que um grupo feminino de rock nasceu, em 19 de abril de 1969. Era o Garotas de Ouro que, mais de 50 anos depois, ainda é a única banda de Venâncio Aires formada integralmente por mulheres.
Se não bastasse o gênero, algo bastante incomum até hoje, essas adolescentes, que tinham entre 13 e 14 anos, dominavam nada menos que guitarras e embalaram muitas tardes e noites em encontros e eventos de Venâncio Aires. Cristina Fischer, que completa 69 anos neste sábado, dia 15 de julho, não lembra mais o porquê do nome Garotas de Ouro, mas conta que a ideia surgiu depois que Os Frenéticos, banda de rock de rapazes da cidade, decidiram dissolver o grupo. Tina, como é conhecida, foi uma das fundadoras da banda feminina.
“Eu era colega de Colégio Aparecida de algumas e outras a gente se conhecia do Clube. Umas gostavam de tocar violão, outras de cantar. O que a gente tinha em comum mesmo era o gosto musical. Aí decidimos fazer uma banda nossa e depois compramos os instrumentos que eram dos Frenéticos”, lembra Tina, que assumiu a guitarra, instrumento que aprendeu ‘de ouvido’. Além dela, a formação original tinha Silvana Gassen (já falecida) no contrabaixo, Odete Meirelles (guitarra base), Solange D’Boer (vocal) e Marisa Moa (bateria). Meses depois, segundo Tina, Silvana e Solange mudaram de cidade e foram substituídas pelas irmãs Rosane e Áurea Becker.
Repertório
Tina conta que o repertório era composto por cerca de 100 músicas, ‘copiando’ canções da Jovem Guarda, especialmente. A primeira música que tocaram foi ‘Pra nunca mais chorar’, sucesso de 1967 com a cantora Vanusa. “A gente tocava muito Wanderléa, Martinha e Vanusa. Mas também tinha canções do Renato e Seus Blue Caps, Os Incríveis e a gente arriscava algumas internacionais, como dos Beatles, Rolling Stones e Bill Haley.”
Um ano e meio de sucesso meteórico
A entrevista com Cristina Fischer ocorreu no Leituras, no espaço onde geralmente as meninas se apresentavam, ao lado do bar, no primeiro andar. “É muito bom ver o Clube bonito e organizado. Mérito da diretoria”, elogiou.
Tina cresceu dentro do Clube porque o pai dela, Lothar Fischer, foi ecônomo entre os anos 1950 e 1960. Essa relação familiar com o lugar e o fato de o Leituras ser, nas palavras dela, o “point de Venâncio”, acabou levando o Garotas de Ouro a se tornar figura carimbada nas animações dos sábados e domingos. Às vezes, se apresentavam por três a quatro horas seguidas.
Conforme Tina, a maioria das apresentações ocorreu lá, mas elas também tocaram em Santa Cruz do Sul, por exemplo. Quando isso aconteceu, em tempos de Ditadura Militar, o Juizado de Menores exigiu: só puderam ir com autorização dos pais e acompanhadas por dois adultos. “Fomos até convidadas para tocar em São Paulo”, destaca Tina, ao lembrar do convite do diretor de cinema Anselmo Duarte. A proposta do cineasta aconteceu em 1970, quando a banda se apresentou no encerramento das filmagens de ‘Um certo capitão Rodrigo’, filmado no distrito de Santo Amaro, em General Câmara. “Uma viagem dessas era algo impensável na época, ainda mais para meninas como a gente. Então isso nem foi cogitado.”
Saudosismo
Tina lembra que as atividades nos domingos eram divididas assim em Venâncio Aires: a matinê no Cine Imperial, as reuniões musicais no Leituras e, às 18h, a missa na Igreja Matriz. Ela, que completou 15 anos em julho de 1969, revela que não quis festa de debutantes no formato dos grandes bailes sociais que aconteciam no Clube, mas reuniu cerca de 100 pessoas para seu aniversário. “Na minha festa de 15 anos, o Garotas de Ouro tocou para os convidados.”
A banda exclusiva de mulheres durou apenas um ano e meio, até o fim de 1970, com a mudança da família Fischer para Porto Alegre. “Talvez, se eu tivesse ficado, até poderíamos ter continuado. Mas era difícil conciliar.” Segundo Tina, a guitarra dela continua em casa, guardada. “Não toco mais, nem calo tenho mais nos dedos. Hoje ficam as boas lembranças de uma época que, só quem viveu, sabe. É um tempo que não volta mais.”
Embora tenha abandonado os dias de musicista, Cristina segue ouvinte de rock. Na trilha sonora que gosta de apreciar em casa, além dos clássicos dos anos 1960 e 1970, ouve Kiss, Bon Jovi, Titãs e Cazuza, por exemplo. “O rock sempre foi minha praia.”
Reencontros
Nos anos 1980 e 2000, o Garotas de Ouro se reuniu algumas vezes para apresentações especiais, em festas como o Só Elas e a Festa de Arromba, momentos que sempre atraíram muitos venâncio-airenses que viveram aquela geração. “Fomos uma sensação na época. Uma coisa meteórica e temos fãs de carteirinha até hoje. O doutor Oly [Schwingel] sempre que me vê, pergunta: e aí, minha guitarrista, não voltam mais?”, cita Tina, sobre o fato de o grupo feminino seguir na lembrança das pessoas.
Ela revelou que, junto com integrantes de outro grupo muito famoso da cidade, Os Fantasmas, está sendo analisada a viabilidade de se fazer uma nova ‘festa de arromba’. “Seria muito bacana. Quem sabe a gente consegue?”