Gerson Ruppenthal assumiu o salão na década de 1980 (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)
Gerson Ruppenthal assumiu o salão na década de 1980 (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Durante quase 50 anos, salão Ruppenthal, de Linha Brasil, foi palco de milhares de festas e eventos. Imóvel foi vendido e deve ser demolido.

No ano 2000, quando telefone fixo ainda era luxo para muitos em Venâncio Aires, duas adolescentes eram ouvintes assíduas do programa ‘Território DJ’, apresentado nas sextas à noite na Rádio Terra FM 105.1. No radinho de pilha, ao lado do único orelhão do bairro, elas esperavam ansiosas o comunicador Nelsinho DJ (Nelcio Kipper) anunciar: “A primeira ligação vai levar convite desconto para a festa de amanhã no Ruppenthal!” Com a agilidade possível em meio ao nervosismo, tinha que inserir o cartão e digitar o 741-2000 (nessa época não precisava o 3 na frente) e esperar chamar.

O alívio vinha ao ouvir Nelsinho do outro lado da linha e então pedir dois convites. Repassados os nomes, era só retirar. E lá iam as duas, na mesma noite, a pé e felizes, garantir ingresso para uma das tantas boates que foram num dos pontos mais tradicionais do município. O Salão Ruppenthal, que chegou a atrair 2,2 mil pessoas numa única noite e promoveu festas por quase 50 anos, está prestes a virar saudade: o imóvel foi vendido para a Haas Madeiras, também de Linha Brasil, que vai demolir a estrutura para expandir a empresa. Mas, antes que o Ruppenthal fique apenas na história, a Folha do Mate vai contá-la.

Salão foi comprado pela família Ruppenthal em 1969 (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Na garupa da bicicleta e em cima do colchão: os primeiros dias de 1969, que marcaram o início do Ruppenthal

O filho mais velho de Dorival (1943-2020) e Nair Ruppenthal (1947-2025) ainda nem somava, em idade, uma mão cheia de dedos, quando o jovem casal decidiu arriscar e ter um negócio próprio. No fim da década de 1960, eles moravam na ‘Drei Pikade’ (Picada Três), em Linha Arroio Grande, interior de Venâncio Aires, e trabalhavam na antiga Cooperativa de Arroio Grande, fundada nos anos 1920 e que foi um importante centro de compras e vendas na metade do século XX.

Nessa mesma cooperativa, havia um pequeno salão, onde os sócios se reuniam para algumas festinhas, geralmente organizadas por Dorival e Nair. Como o casal ‘pegou gosto’ pela coisa, vislumbraram uma oportunidade de empreender não muito longe dali. O foco era o Salão Niederle, em Linha Brasil (construído todo de madeira na década de 1940), que Dorival foi visitar certo dia, acompanhado do filho de 4 anos. “Fui na garupa da bicicleta Göricke que o pai tinha. Lá, o pai fez a proposta e o dono vendeu”, relata o empresário e vereador Gerson Ruppenthal, hoje com 60 anos.

Mudança para Linha Brasil

Dorival Ruppenthal, pai de Gerson, comprou o salão em 1969, após ir de bicicleta de Linha Arroio Grande até Linha Brasil (Foto: Arquivo pessoal)

Como os antigos proprietários também moravam junto ao salão (inclusive secavam tabaco de galpão em cima do forro do estabelecimento), bastava aos Ruppenthal levarem os pertences. A mudança ocorreu no caminhão do vizinho que tinha a serraria Liebenstein. “Era um caminhão aberto. Bem em cima, tinha um colchão de casal e fui sentado em cima dele, até Linha Brasil”, recorda o atual vereador de Venâncio, relatando a história que começou em janeiro de 1969.

Salão Ruppenthal foi pioneiro nas festas do Carnaval Infantil do Interior em Venâncio Aires. Nair (à direita), a mãe de Gerson (o terceiro de pé, da esquerda para a direita), foi fundadora do bloco Turma do Barulhinho, de Linha Brasil (Foto: Arquivo pessoal)

Bailes de sociedade e fitas de cetim na porta do Ruppenthal

Gerson conta que o primeiro evento realizado sob organização dos pais foi um baile das sociedades de Linha Brasil. A bebida foi colocada dentro de cochos de concreto, com gelo quebrado em cima e sacos de linhagem para mantê-la fria. “Naquele tempo, as festas das sociedades aconteciam de tarde e, no mesmo dia de noite, tinha baile. Quem assinava ‘presença’ de tarde, garantia entrada para a noite. A maioria era agricultores, então iam para casa tratar os animais e depois voltavam.”

Conforme o vereador, ao entrar para o baile noturno, se ganhava uma fitinha de cetim, presa com alfinete na roupa. “Era azul para os homens e rosa para as mulheres. Daí quem precisasse sair para alguma coisa e queria voltar, a fita era a garantia que já tinha o ingresso. Anos depois, a coisa evoluiu para as pulseiras e os carimbos com luz negra”, compara o vereador, entre risos.

Na década de 1970, os encontros das sociedades de Linha Brasil ocorriam no salão (Foto: Arquivo pessoal)

As ampliações do Ruppenthal e a Danceteria Kastellus

Originalmente, o salão é de madeira e a parte principal sempre foi mantida assim: com a pista de dança mais baixa em relação às laterais, contornada por corrimões. Com o tempo, a estrutura foi ampliada. Primeiro com uma área maior para a copa, no fim dos anos 1970.

Depois, houve a ampliação para os fundos. Quem frequentou o Ruppenthal, lembra que lá era a ‘segunda pista’. Nos últimos anos, virou pista de bolão e depois bocha. Atrás dela, o famoso ‘ambiente ao ar livre’, onde no Carnaval havia os ‘chuveirinhos’. Nos anos 1980, já quando Gerson era adulto, foi construído o mercado da família, colado no salão.

Nos anos 1990, houve mais uma ampliação e Gerson construiu a Danceteria Kastellus. “Fiz porque não cabia mais todo mundo no salão”, resume. Ele explica que se inspirou na estrutura na Millenium, conhecida casa de festas de Arroio de Meio, com dois andares e um mezanino. Do lado de fora, lembrava um castelo e acabou virando uma atração à parte a cada promoção de festa. Em 2018, conforme Gerson, a área foi comprada pela Haas Madeiras, empresa ‘vizinha de porta’ do salão, que precisava de mais espaço para ampliar a estrutura. A Kastellus acabou demolida.

800 – é o número aproximado de bailes e boates que o Ruppenthal promoveu entre 1984 e 2017, com Gerson na administração.

Ruppenthal: onde o sucesso tem tradição

Gerson Ruppenthal observa que, durante um tempo, chegavam a acontecer até três festas por mês. “Eu sempre procurava mesclar o baile tradicional com a boate. Então sempre tinha uma banda e um som mecânico, com DJ. Conseguimos trazer grandes shows, de bandas que eram verdadeiros estouros na época, com grandes sucessos.” O empresário e vereador lembra de bailes com as bandas Ego Mecanóide, Os Atuais e Barbarella, além de outras bandas gaúchas de bailão, como Sétimo Sentido, Brilha Som e Porto do Som, cujas músicas eram sucesso na programação da Terra FM.

Em busca de atrações a cada evento, Gerson lembra que inovou com algumas promoções que ficaram conhecidas por muitas gerações, como a escolha da Gata Molhada e Gato Molhado. Também se tornaram costumeiros os bailes onde eram sorteadas motos e até o baile do Fusca Entupido. Nesse caso, era sorteado um Fusca com 20 fardos de latinhas de cerveja. Também realizava promoções específicas, com venda de latinhas de cerveja a um centavo ou a um real.

Ruppenthal sempre atraiu um grande público e houve um tempo que realizava até três bailes por mês (Foto: Arquivo pessoal)

Números

Gerson não lembra o ano, mas tem na memória um baile no início dos anos 2000 (num sorteio de moto), que atraiu 2,2 mil pessoas. “Os números chamavam atenção. Vinha gente de tudo que é lugar, de municípios vizinhos. Eu cheguei a colocar, uma vez, 19 ônibus e todos vieram lotados. Teve um baile, também, que vendemos 12 mil latinhas de cerveja. Era um sucesso mesmo”, lembra o empresário. A fama do Ruppenthal associada aos números lhe rendeu um slogan conhecido até hoje pelas gerações que o frequentaram: onde o sucesso tem tradição.

Convite para um baile no Ruppenthal, em agosto de 1998

Parcerias

Segundo Gerson Ruppenthal, ele sempre contou com grandes parcerias para animar as festas, entre elas a Som Impacto e a Áudio Som. “Quanta coisa boa a gente viveu lá. Tinha um contato direto com as pessoas, porque a gente protagonizou isso, né, enquanto DJ. Sempre foram muito boas as lembranças de lá”, comentou Pierre Bogorny, proprietário da Áudio Som. Segundo o DJ, a Áudio Som participou de mais de 20 anos tocando em festas no Ruppenthal. “As gerações dos anos 80, 90, até 2000, quem não conhecia o Ruppenthal? E a casa sempre lotada, então a gente teve muitas alegrias, foi muito legal. Fico feliz que isso esteja sendo relembrado.”

Outra ‘equipe de som’ costumeira do ‘Rupe’, como também era chamado por algumas pessoas, foi a Tok Dance, que inicialmente pertenceu a Nelsinho DJ, mencionado no início da matéria. O agricultor Sergio Luis Kistemacher, 46 anos, morador de Linha Sapé, foi um frequentador assíduo do salão e durante um tempo trabalhou na montagem da Tok Dance. “Eu ia de ônibus, que saía de Santa Cruz. Fui em muito festa e sempre tinha o desejo de tocar no Ruppenthal. Isso aconteceu nos anos 90, quando ingressei como guitarrista no Musical Fritzen, de Santa Cruz”, relata Kistemacher.

Sergio Kistemacher, morador de Linha Sapé, foi um frequentador assíduo do salão (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)
Prefeito Jarbas da Rosa e a primeira-dama, Janete, se conheceram num baile no Ruppenthal, em 1999. O registro é de 2001, quando Jarbas se formou em Medicina (Foto: Arquivo pessoal)

Onde o prefeito conheceu a primeira-dama

Com centenas de festas, naturalmente o Ruppenthal foi palco de incontáveis encontros e que também resultaram em namoros e casamentos. Uma dessas histórias começou em 1999. Naquele ano, Linha Brasil foi ponto de encontro entre Linha Marmeleiro e Linha Mangueirão, localidades de regiões opostas no mapa de Venâncio Aires.

Há 26 anos, o então estudante de Medicina, Jarbas da Rosa, morador de Mangueirão, ‘tirou para dançar’ a cabeleireira Janete Seifert, natural de Marmeleiro. “Depois daquele baile fomos em muitos outros no Ruppenthal, já como namorados”, conta Janete. O namoro no salão de Linha Brasil virou casamento em 2002. Jarbas, que é o atual prefeito de Venâncio Aires, e a primeira-dama Janete, tem dois filhos: Maria Clara e Henrique.

A decisão de parar e a venda da estrutura

Com a Lei Kiss, que estabeleceu diretrizes para a prevenção e o combate a incêndios, edificações e áreas de reunião de público precisaram se adequar. Gerson diz que fez adequações, mas precisava fazer mais para seguir os eventos, por isso decidiu parar em 2017. “Houve alguns fatores para parar, entre elas a necessidade das adequações, minha ida para a política e o aumento que fiz no comércio. Iria dar apenas um tempo, mas depois da pandemia de Covid e a idade chegando, decidi que queria aproveitar a vida. Nisso coincidiu de a madeireira [Haas] precisar de mais espaço. Minha decisão de vender e eles comprarem, foi algo em conjunto”, detalha Gerson, que pretende se mudar em definitivo para a área urbana de Venâncio até o fim do ano e se dedicar exclusivamente à política.

Conforme o empresário, a relação com a família Haas vem de três gerações. “A Elvira, vó do Júnior [diretor da Haas Madeiras] era presidente de uma das sociedades que faziam festas no salão. Então é uma relação histórica. Temos um acordo de cavalheiros e minha intenção é entregar tudo até outubro.” Consultado pela reportagem, o empresário Júnior Haas confirmou a compra da área, que tem cerca de 0.7 hectare. Ele informa que ainda não está definido de que forma a empresa usará o espaço, mas, fato é, que a estrutura atual do salão e do mercado será demolida, o que pode acontecer ainda em 2025. “Não temos uma urgência, mas imagino que esse ano ainda vamos trabalhar na retirada do mercado e do salão”, afirma o empresário.

Complexo da Haas cresceu no entorno do salão (Foto: Renan Zarth/Terra FM)

Memórias

Com quase 50 anos acompanhando de perto a realização de tantos eventos, Gerson Ruppenthal não esconde que sentiu tristeza em dois momentos. A primeira em 2017, quando parou com as festas, e há algumas semanas, quando concretizou a venda. “Claro que fiquei triste, fiquei dias sem dormir. Mas tudo na vida tem um prazo de validade.”

O empresário e vereador diz que continuará se dedicando à política e, nas andanças por Venâncio e outros municípios, sempre é abordado por pessoas com histórias relacionadas ao salão. “Sempre tive muito orgulho de ver o salão lotado, com as pessoas se divertindo. Quantas histórias começaram dentro dele e quantas memórias ficaram. Onde vou, as pessoas me falam dos bailes e de que têm boas lembranças do Ruppenthal. Então isso me orgulha muito.”

Perguntado sobre o quanto ele próprio contribuiu para o sucesso do Ruppenthal, Gerson lembra de uma história da infância. Quando tinha 10 anos, num dia de baile, o pai passou mal. “Da cama ele me chamou e disse: ‘a mãe fica na copa e tu cuida do salão. Tu sabe como fazer as coisas’. E acho que sim, eu soube fazer bem as coisas e essa história me orgulha muito. Ficam as memórias de quem frequentou e se divertiu no salão.”

Como está o salão por dentro, atualmente (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Por causa do Ruppenthal…

Das tantas histórias que ‘nasceram’ dentro do Ruppenthal, a minha também está atrelada a ele. Isso porque, meus pais se conheceram num baile lá, no dia 25 de outubro de 1975, portanto há quase 50 anos. Posso dizer, de uma forma ou de outra, que existo por causa do salão de Linha Brasil.

Essa história seguiu depois, porque fui uma das adolescentes mencionadas no início dessa matéria. Há mais de 20 anos, adorava as boates do interior de Venâncio Aires e o Ruppenthal sempre esteve no roteiro. Eram tempos sem celular, sem internet, onde a condução era o ônibus que saía da Praça Católica. Íamos para nos divertir, namorar, ouvir as músicas do Eurodance, uma febre na época. Festas que marcaram minha geração e de tantos outros.

Nesta semana voltei ao Ruppenthal, agora para contar que, em breve, ele vai virar história. Circular novamente naquela pista rebaixada de madeira, foi uma breve volta no tempo. Um tempo de diversão que nunca será esquecido por quem frequentou o ‘Rupe’. Ele foi sucesso, foi tradição e agora também já é saudade. (Débora Kist – jornalista)