“É sempre assim”, resume Alzira Maria Nowotny, 87 anos, ao falar da alegria que são os dias de Kerb em Linha Isabel, interior de Venâncio Aires. A aposentada era a mais velha entre quase 40 pessoas que se reuniram na casa da família Gullich-Nowotny, no domingo, 9.
Mas esse festejo comum na localidade e realizado sempre em julho já era tradição muitos anos antes de Alzira nascer e remete aos pais e avós dela. Nesse caso, já envolve também as famílias Klamt e Siebeneichler. O genro de Alzira, Erni Gullich, também traz o Kerb como forte tradição dos avós Posselt, do lado materno. E, assim, com um sobrenome levando a outro sobrenome, esse costume de 117 anos segue ‘enraizado’ nas famílias de Linha Isabel e é cultivado até hoje.
No fim de semana, a reportagem da Folha do Mate conheceu mais sobre a tradição, num Kerb feito em casa, pelo casal Erni Gullich e Clelia Maria Nowotny Gullich, ambos com 55 anos. Eles receberam parentes e amigos para um domingo festivo, o que ocorre há seis décadas na propriedade da família, próxima da região de Linha Isabel conhecida como Teufelsloch (Buraco do Diabo).
“A casa nova dos meus pais foi inaugurada em 2013, num dia de Kerb, com a turma dançando lá dentro”, aponta Clelia, para a residência construída por Alzira e Oswino (já falecido). Clelia é a caçula e cresceu naquela propriedade, para onde os pais foram morar, ainda na década de 1950, e tiveram os setes filhos. A agricultora afirma que, se depender deles, o Kerb na família vai continuar através dos filhos Angélica, 32 anos, e Ernei, 22. O netinho dos Gullich, Matheus, de um ano e sete meses, também já participa das brincadeiras. “Kerb é Kerb. É o dia mais animado do ano. Aqui em casa são três festas anuais: Ano-Novo, Páscoa e o Kerb, que para mim é o mais importante”, reconhece Erni, entre risos.
Memórias de Ervin Posselt
A origem do Kerb em Linha Isabel remete a julho de 1906, quando foi realizada a primeira festa, no salão Haupt. O período da festividade marcava, por exemplo, a colheita. Se agradecia pelo fim de uma safra, já pensando na próxima. Mas também há outros relatos sobre as origens do Kerb e alguns são as memórias de Ervin Posselt (1912-2001), narradas ao neto Erni Gullich. “O vô contava que tinha as turmas onde alguns homens se vestiam como mulheres e junto com instrumentos musicais, visitavam as casas para animar, levando um balaio e pedir doações para quem precisava.”
O balaio, aliás, pode ter relação com o termo ‘kerb’, porque em alemão, balaio é ‘korb’. Segundo Gullich, cada turma levava um balaio e, conforme iam enchendo de alimentos, descarregam numa carroça que esperava na estrada. “Os donativos eram arrecadados para os necessitados. Antigamente, quando um pai de família falecia, deixava a esposa e muitos filhos. Não se tinha pensão, nem aposentadoria. Nem existiam as vaquinhas on-line como hoje. Então era uma forma de a comunidade ajudar quem precisava.”
Ainda conforme Gullich, outro costume era percorrer as casas com uma vara de bambu, onde se amarravam tecidos que, posteriormente, eram doados para quem precisava de roupas ou para as escolas da localidade, que aproveitavam para costurar toalhas, panos e vender em rifas, por exemplo. Segundo a família, essa característica seguiu com mais força até a década de 1970. “Hoje segue mais como a festa mesmo, mas ainda tem esse caráter beneficente”, comentou Erni Gullich.
As turmas de ‘palhaços’ que animam as casas
O domingo na casa da família Gullich-Nowotny ficou ainda mais animado quando chegou um grupo de homens fantasiados, os famosos ‘palhaços’, que cantaram, dançaram e fizeram brincadeiras.
Eles foram liderados por Armin Schuster, 62 anos, um dos chefes das 11 turmas que saíram por Linha Isabel, Linha Esperança e Centro Linha Brasil para visitar as famílias. “Eu faço isso há mais de 30 anos e o melhor de tudo é ser recebido com um sorriso aberto pelas famílias. É uma tradição tão bonita, que vem há mais de 100 anos. Isso eu aprendi com meus avós, Edmundo Schuster e Erwino Nowotny”, contou Armin, emocionado.
Era ele quem carregava uma lata de metal, já escura e desgastada de tantas décadas em uso, e onde são depositadas moedas e cédulas de menor valor. “Isso aqui é um agrado para as turmas dos palhaços, mas o Kerb segue sendo beneficente, porque vendemos uma rifa. O dinheiro vai ser usado para manutenção de seis cemitérios nas três localidades que visitamos”, explicou Armin Schuster.
Festa em 2023
Os festejos de Kerb também são realizados de forma oficial na localidade e, neste ano, o sábado, 8, e o domingo, 9, foram movimentados no ginásio de Linha Isabel. Para o dia 23, um domingo, está previsto o Nacht Kerb, encerrando as festividades. Em 2024, ocorrerá a 118ª edição.