
“Hoje o tabaco é aplicado única e exclusivamente para matar gente”. Esta é uma das tantas declarações da secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção -Quadro (Conicq), a Dra. Tânia Cavalcante que, em entrevista exclusiva à Folha do Mate, falou sobre os preparativos para a 7ª Conferência das Partes para o Controle do Tabaco que ocorre de 7 a 12 de novembro em Noida, na índia. O evento reunirá 180 países que assinaram a Convenção-Quadro, entre eles, o Brasil.
Durante a entrevista ela abordou as preocupações dos órgãos de saúde para o combate ao consumo de cigarro e reiterou, diversas vezes, a importância de gestores públicos e entidades representativas das regiões produtoras, acordarem para a realidade do mercado de tabaco e deixarem de “iludir os produtores” para um mercado que está, cada vez mais, sendo combatido no mundo.Em novembro, ela será uma das ‘peças’ mais importantes deste que é considerado o principal evento de discussão e definição de programas e ações de combate ao consumo de tabaco. Na última COP, realizada na Rússia, em 2014, Tânia foi eleita para atuar como Coordenadora da Região das Américas, o que significa que caberá a ela promover uma maior comunicação entre o os países da região das Américas e trabalhar para criar medidas de controle do tabaco nestas nações.Com a proximidade da COP 7, Tânia destaca que a expectativa principal é fortalecer a cooperação internacional. Conforme ela, o Brasil tentará manter o artigo 17 na pauta da agenda, que trata de apresentar alternativas economicamente viáveis à produção de tabaco. Através da Conicq, que é coordenada pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), Tânia trabalha para promover o desenvolvimento, a implementação e a avaliação de estratégias, planos e programas, assim como políticas, legislações e outras medidas para o cumprimento das obrigações previstas na Convenção-Quadro que é o primeiro tratado global de saúde pública. Cabe à Conicq, a missão de ouvir todas as partes interessadas – inclusive a Câmara Setorial do Tabaco – e determinar a posição brasileira que será levada à COP, em novembro. “Estamos aguardando a liberação dos documentos e vamos abrir o diálogo com todas as partes interessadas, como tem sido feito sempre. Depois, em cima disso, a comissão analisa os documentos e formata a posição brasileira”, explica.A Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro é uma política de Estado, criada por um decreto presidencial em 2003 e possui caráter interministerial. Embora nenhum governo possa interferir, Tânia admitiu que embora a Conicq tome uma decisão técnica, os ministros ajudam a compor o que será levado à COP. é por essa razão que os atores da cadeia produtiva buscam apresentar a realidade do setor aos ministros de diferentes áreas, a fim de garantir apoio e, mesmo que de forma indireta, participação nas discussões.Apesar disso, Tânia destacou a importância de uma rede de entidades – Opas/OMS, Fiocruz, Anvisa, Inca, Universidade Federais e Estaduais, Secretarias de Saúde – que garante a proteção e evolução das discussões da Convenção-Quadro. “O setor do tabaco vem trabalhando para impedir, reverter ou retardar medidas e o trabalho dessa rede é justamente enfrentar esse mercado muito poderoso”, destaca.
Mercado ilegal será ponto alto das discussões da COP 7

O combate ao mercado ilegal será um dos pontos principais de discussão dos participantes da COP 7. Embora a pauta oficial ainda não tenha sido divulgada, uma pré-agenda do evento já foi disponibilizada e mostra que medidas de combate ao contrabando devem nortear as discussões na índia. Neste sentido, essa pauta ganha força por se tratar de um ponto de interesse em comum, pois tanto os órgãos de saúde como também a cadeia produtiva do tabaco, somam esforços para combater o mercado ilegal de cigarros.O assunto é tão importante para os países que assinaram a Convenção-Quadro, que um protocolo foi negociado entre eles com o objetivo de fortalecer a cooperação internacional. Se até o próximo mês, 40 partes ratificarem o protocolo – até agora 13 assinaram – será realizada logo após a COP – de 14 a 16 – a MOP 1, que será a primeira reunião com o grupo de países que assinaram o protocolo. Caberá a este grupo determinar medidas para inibir o crescimento do mercado ilegal, envolvendo ações coletivas das polícias e fiscais. O Brasil está entre os países que ainda não aprovou. Segundo Tânia, com a mudança de ministros, o processo acabou não andando. No entanto, o atual ministro da Saúde em reunião no dia 15 de junho, pediu celeridade no processo.Representantes da cadeia do tabaco não podem compor delegação brasileira na COP

A cada dois anos, quando ocorre as edições da Conferência das Partes, líderes sindicais, entidades representativas e deputados estaduais e federais que representam a chamada bancada do tabaco no Parlamento, marcam presença no evento, a fim de garantir voz e participação nas discussões e, buscar minimizar possíveis efeitos à cadeia produtiva.
Neste contexto, Venâncio Aires, como maior produtor de tabaco do Brasil, assim como todo o Vale do Rio Pardo, tem sua atenção despertada para o evento, devido a importância econômica e social da produção para milhares de famílias que, ao longo de décadas, tem nesta cultura, a principal fonte de renda.Entretanto, assim como já ocorreu em edições anteriores, os atores da cadeia produtiva mais uma vez deverão ficar, apenas, na plateia, embora estejam mobilizando-se para compor a delegação oficial.Conforme Tânia, o artigo 5.3 veta a participação de representantes do setor produtivo, pois a finalidade da COP não é debater a produção, mas sim, a redução do consumo. Desta forma, líderes da cadeia produtiva não podem participar como delegados, apenas como público, nas reuniões que são abertas.
Impostos sobre cigarros
Para Tânia Cavalcante, o aumento de impostos sobre cigarros é a medida mais eficaz no combate ao consumo e destacou a importância da adoção da política de preço mínimo. Afirmou que, embora o setor do tabaco lidere um movimento para pressionar o governo a reduzir o imposto, na prática as taxas não reduzem o contrabando. “Nossa resposta para o contrabando não é reduzir os impostos, mas sim, ratificar o protocolado em prol de uma cooperação internacional para enfrentar o crime organizado que está por trás”, destacou.
Cigarros eletrônicos e embalagens padronizadas

A secretária-executiva da Conicq observou que grandes mercados como a China e Rússia, estão reduzindo o consumo e afetando o mercado mundial. A situação vem acarretando no fechamento de tabacaleiras e na diversificação da própria matriz produtiva. “Grandes empresas estão migrando para o negócio dos cigarros eletrônicos que é visto por alguns investidores como o negócio do século.”O assunto também estará em debate na COP 7 e, conforme Tânia Cavalcante, ainda existe uma controvérsia sobre o tema: alguns defendem que esses produtos podem ajudar a minimizar o consumo e são menos nocivos à saúde; outros são da opinião de que esses produtos devem ter o mesmo nível de regulamentação.A padronização das embalagens de cigarros também deve estar em pauta na COP. A Austrália foi o primeiro país a a introduzir embalagens genéricas obrigatórias em todos os produtos de tabaco e o Brasil já possui projetos de lei buscando adotar a mesma medida. Os brasileiros, também, foram os primeiros a banirem cigarros aromatizados e com sabor, incluindo o mentol e os pioneiros na instalação de um Observatório das Estratégias da indústria do tabaco.
Novas finalidades para o tabaco
Quando o Brasil assinou a Convenção-Quadro, em 2005, o moeda de barganha do governo brasileiro foi oferecer um programa de diversificação que, no ponto de vista de Tânia, vem sofrendo uma série de resistências e o fumo continua a ser a principal atividade econômica no Vale do Rio Pardo, no Rio Grande do Sul.
Para ela, uma das saídas é o tabaco ter novas finalidades e constituir uma nova cadeia produtiva. Ela cita como exemplo o uso para a indústria química e a fabricação de remédios. “Porque não iniciar um processo desse tipo e diversificar o tabaco para outra finalidade que não seja matar gente.”
“Está na hora de mudar o discurso”
Para Tânia Cavalcante, o discurso que vem sendo mantido pelos prefeitos e políticos das regiões produtoras está totalmente deslocado de uma realidade internacional. Ela observa que a ‘desculpa’ de que não tem uma cultura tão rentável quanto o tabaco não se sustenta, pois há vários casos de produtores que apostaram na produção de alimentos orgânicos e estão lucrando tanto ou mais do que o plantio de fumo. “Não sou ingênua para dizer que vamos migrar para um mundo zero tabaco. Planta quem quer.”Segundo ela, os dados que foram apresentados recentemente durante audiência em Brasília, foram ignorados pelos líderes do setor que, no ponto de vista dela, não querem enxergar os números que comprovam que a redução do consumo de cigarro vem ocorrendo e que a Convenção-Quadro, após dez anos, está mudando um cenário global. “As pessoas [líderes do setor] continuam falando do tabaco como se fosse a sétima maravilha do mundo.”
O mundo acordou. Não tem mais volta.”
Para ela, é necessário informar mais os produtores sobre a realidade e o processo econômico, pois “não se pode mais aceitar que cigarros e charutos sejam estimulados, nem mesmo que o fumicultor seja enganado pelas grandes empresas.” Ela observou ainda que a Convenção-Quadro não propõe reduzir a área plantada, nem mesmo, acabar com o tabaco. “A ação dela é com o final dessa cadeira produtiva. é o consumo.”
“Não esquecemos do elo mais frágil desta cadeia”

Durante a entrevista, Tânia Cavalcante observou que a Convenção-Quadro não interfere no plantio do tabaco, mas busca regulamentar práticas que induzem o consumo, como a propaganda e as embalagens. “A Convenção não esquece que isso pode afetar aqueles que são o elo mais frágil desta cadeia: os produtores.”Tânia também lembrou que ela brigou durante uma COP, realizada em Seul, na Coreia do Sul, para que um documento – que vinha propondo a redução da área – não entrasse em pauta. “Nós não tínhamos legitimidade de propor algo que fosse afetá-los, pois entendemos que ter acesso a emprego e qualidade de vida também é saúde. Não queremos que a convenção impacte os meios de vida das pessoas.” Conforme ela, se o Brasil não tivesse brigado por esse artigo, hoje já poderia haver consequências para os produtores de tabaco. Ao observar que não se muda uma cultura da noite para o dia, ela também lamentou que dez anos já se passaram desde a Convenção-Quadro e os atores da cadeia produtiva continuam sustentando o mesmo discurso, insistindo na produção, ao invés de buscar novas alternativas.