Uma noite de troca de ideias, exposição de problemas e busca por soluções. Na terça-feira, 3, a Câmara de Vereadores sediou uma audiência pública para tratar do problema da falta de mão de obra formal em Venâncio Aires. A proposta foi do vereador Tiago Quintana (PDT), por meio da Comissão de Educação, Indústria, Comércio e Turismo (Ceic). Em pouco mais de duas horas de duração, o encontro reuniu representantes de empresas, entidades e poder público para troca de ideias sobre o problema enfrentado no município com a grande oferta de vagas de trabalho e o baixo número de pessoas interessadas. Um dos impactos citados são os benefícios sociais.
Participaram da mesa que conduziu os trabalhos os vereadores Tiago Quintana e Sandra Wagner (PSB); a presidente do Legislativo, Claidir Kerkhoff Trindade (Republicanos); a secretária de Habitação e Desenvolvimento Social, Camilla Capelão; o presidente da FGTAS, José Scorsatto; e o secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo, Marcos Hüttmann.
Um dos principais assuntos abordados na oportunidade foi a interferência dos benefícios sociais do Governo Federal, como o Bolsa Família, para a falta de profissionais nas empresas de diferentes segmentos. A vereadora Sandra salientou a importância das pessoas valorizarem a carteira assinada e a aposentadoria no futuro, o que é esquecido muitas vezes. Para isso, ela sugere uma campanha para sensibilização. “A preocupação é com as pessoas que não trabalham formalmente, não contribuem. Elas precisam voltar ao mercado de trabalho, não serão jovens a vida inteira”, destacou.
A presidente Claidir ressaltou que são muitos os fatores que contribuem para a falta de mão de obra, muito pela falta de incentivo desde cedo e impossibilidade da inserção no mercado de trabalho. “Adolescentes não podem trabalhar, mas fazer filhos podem. O sistema está fazendo com que as pessoas não aprendam a trabalhar. Não podemos generalizar, mas algo precisa ser feito”, acrescentou. Ela alertou para a falta de interesse das pessoas por receberem auxílios, o que é visto também na baixa procura por capacitações oferecidas de forma gratuita. “Precisamos mudar essa cultura, mas vai levar tempo”, disse.
Geração
O presidente da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS), José Scorsatto, apresentou dados que exemplificam muitos dos problemas enfrentados. A geração mais nova, de 18 a 25 anos, mostra um elevado índice de demissão voluntária. Ainda, sobre o Bolsa Família, ele ressaltou a importância do programa, mas a necessidade de se tornar transitório, com a possibilidade dos governos municipais terem autonomia para o gerenciamento do programa, com concessão ou exclusão dos benefícios sociais. “Que ele não seja somente autodeclaratório como hoje é. Precisamos possibilitar a atuação do gestor público principal e temos que discutir a tributação para que ela seja melhor distribuída, para que o setor que emprega possa pagar melhor o trabalhador e a trabalhadora que está contribuindo com a força de trabalho. Se nós temos empresários arrojados, destemidos, comprometidos, de sucesso, é porque tem uma força de trabalho comprometida também”, observou.
O secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo, Marcos Hüttmann, destacou os programas realizados pelo governo, como o Qualifica Venâncio, para formar mão de obra qualificada, com formação de 1,5 mil profissionais até o momento. “75% dos interessados no Qualifica foram pessoas empregadas e que queriam crescer dentro da empresa. Tivemos dificuldades de encontrar pessoas para fechar as turmas muitas vezes. Para 2025, a ideia é ajudar os empreendedores com formação em gestão de negócios”, disse.
Camilla Capelão, secretária de Habitação e Desenvolvimento Social, apresentou preocupação quanto ao Bolsa Família, por ser autodeclaratório. Atualmente, são 608 pessoas que dizem morar sozinhas e não possuir renda nenhuma. Com o recebimento da denúncia, é feita a averiguação e corte do benefício no caso de irregularidades. Em função do período de calamidade no Rio Grande do Sul, foram suspensas as visitas por meio do Governo Federal e muitas pessoas que já estavam sem receber o recurso por conta de inconsistências, voltaram a receber, o que dificultou o processo. “Penso que o Bolsa Família precisa existir, mas o ideal era que fosse de forma temporária”, observou.
Expectativa
No final da audiência pública, Tiago Quintana já listou algumas ações que podem ser feitas e que um novo encontro deve ser realizado daqui a seis meses. A respeito dos programas sociais, ficou acertado que o Município, a partir do ano que vem, intensificará a busca ativa dos beneficiários de benefícios sociais como o programa Bolsa Família, principalmente homens unifamiliares, para tentar a inserção no mercado de trabalho e também fiscalizar se estão cumprindo as condições, embora o programa seja autodeclaratório.
Os programas de qualificação profissional devem seguir sendo realizados, como incentivo e formação profissional. Devem ser buscadas junto à esfera federal novas legislações a respeito da reinserção dos aposentados no mercado de trabalho para que não tenham tantos encargos, bem como a tributação das empresas, já que não há uma forma de competir com a informalidade. “Temos que manter esse assunto em alta e novas ideias podem ser compartilhadas”, finalizou.
O que disseram
- O empresário e ex-vereador Telmo Kist ressaltou a mudança de cultura e valores nos últimos anos, já que antigamente era o sonho da juventude entrar em uma empresa, se engajar e alcançar novos postos. Os altos encargos dos profissionais já aposentados, o trabalho informal, problema estrutural das escolas com falta de competitividade e a questão salarial foram pontos elencados por Kist. “A empresa precisa ter um plano salarial para a pessoa vislumbrar um crescimento. Temos outro problema que são salários públicos muito altos com relação à iniciativa privada”, declarou.
- Inácio Sbruzzi, responsável pela gestão de Recursos Humanos da Venax Eletrodomésticos, representou o diretor da empresa, Walter Bergamaschi. Ele destacou os altos impostos, mudança cultural das novas gerações e falta de preocupação com futuro, com aposentadoria, como problemas enfrentados pelos empresários para a manutenção das empresas e incentivo a trabalhadores. “A responsabilidade do empresário é muito grande. É muito superficial dizer que a culpa é das indústrias que pagam pouco. Nós fomos deseducados para a questão do trabalho, essa é a grande verdade”, afirmou.
- Flávio Bienert, diretor da Fundição Venâncio Aires, fez o relato pessoal, já que começou muito cedo a trabalhar na lavoura e trilhou uma história de empenho e empreendedorismo. “Até quando vai se dar o peixe? Quando vamos começar a pescar? As pessoas não têm entusiasmo e ambição”, comentou. Ele enfatizou o problema recorrente de falta de profissional, mesmo com as condições favoráveis oferecidas aos colaboradores.
- Charles Fengler, administrador da Haas Madeiras, falou sobre o programa Haas Educação, que é uma forma de incentivar e aproximar a indústria dos jovens, que muitas vezes não têm ideia das oportunidades disponíveis. “Podemos trabalhar, semear para colher daqui alguns anos. Os idosos estão voltando para o mercado de trabalho porque nós estamos buscando. A dificuldade de desenvolver os jovens é muito grande”, acrescentou. Ele sugere que esse trabalho possa ser feito nas escolas para “semear e colher daqui alguns anos”.
Representantes de entidades
- Amanda Kappel, presidente eleita para o mandato 2025/26 da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Venâncio Aires (Caciva), salientou que o problema enfrentado pela falta de mão de obra nas empresas é algo que atinge outros municípios, que estão adotando algumas práticas específicas. Ela sugeriu o contato com indústrias em busca de soluções concretas.
- O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Venâncio Aires, Adolfo Celoni da Rosa, citou como uma das causas da falta de mão de obra o predomínio rural no município, com o trabalho sazonal das empresas de tabaco. Ele alertou ainda sobre as dificuldades de atuação nas empresas, com cobrança psicológica, necessidade de Ministério Público com autuação nos empreendimentos pela falta de cumprimento das obrigações com os trabalhadores, fatores que dificultam e afastam o trabalhador. “É muito complexo, mas precisamos conversar e ver como cada um pode contribuir”.
- O presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Calçado e Vestuário de Venâncio Aires e Mato Leitão, João Émerson Dutra de Campos, reconheceu a incerteza dos trabalhadores com a situação de muitas empresas, com o contato dificultado e salários baixos. Ele também destacou a necessidade de apoio com escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental com turno integral para a inserção das mães no mercado de trabalho. “Acredito que esse debate da redução de jornada de trabalho também está em alta por isso. Precisamos de um novo olhar para o trabalho de domingo a domingo”, acrescentou.
- Luciano Dutra, presidente do Conselho Municipal do Trabalho e Renda, falou sobre a importância de momentos como a audiência pública para falar sobre um cenário que é comum também em outros municípios. A criação do Conselho, ocorrida em junho deste ano, também contribui para os avanços neste sentido. “A única solução que consegue visualizar é trazer para o panorama que a gente tem, não existe outra maneira se não usar ferramentas que têm aqui. Tem que agir, pensar no todo, em conjunto conseguimos”, complementou.
- Gilmar Oliveira, o Gica, tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) falou sobre a importância dos benefícios sociais mas, mais do que isso, de incentivo para que as pessoas tenham interesse em se inserir no mercado de trabalho. “Não podemos ir pelo lado contrário, temos que levar as pessoas a quererem trabalhar”.