Nos últimos anos, você provavelmente já escutou em alguma roda de conversa que o “interior está acabando” e, o que antes poderia ser considerada apenas uma impressão de moradores, agora tem números confirmados pelo Censo Demográfico 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ainda que a taxa de crescimento anual de Venâncio Aires entre 2010 e 2022 seja de 0,35%, todos os distritos do interior perderam moradores no período.
Dos 68.763 habitantes da Capital Nacional do Chimarrão, 46.729 residem na sede do município. Por outro lado, os outros distritos perderam 2.108 habitantes, sendo que as duas ‘pontas’ de Venâncio Aires – Vila Deodoro e Vila Mariante -, são as que mais sofreram, com 28% e 18,9% de queda, respectivamente.
Deodoro e Mariante perderam, respectivamente, 744 (2.682 para 1.938) e 328 (1.824 para 1.496) habitantes. Além deles, Santa Emília, Centro Linha Brasil, Vila Arlindo, Palanque, Vale do Sampaio e Estância Nova também perderam moradores, sendo que o Vale do Sampaio teve queda de 18,2% (menor distrito em número de habitantes) e Palanque foi o que menos perdeu, com 0,7%, o equivalente a 20 moradores (confira no box).
Conforme o prefeito Jarbas da Rosa, este é considerado um movimento natural, dada a diminuição da natalidade dos últimos anos e, também, o êxodo rural. Jarbas diz que ainda há outros fatores, como a acessibilidade, pavimentação às sedes dos distritos e a reurbanização que ocorre nos distritos próximos à sede. “Por isso, é um movimento normal, já avaliado há muitos anos, que a gente vem acompanhando. Continuaremos com as mesmas políticas públicas, tanto na área da saúde, quanto na educação”, destaca.
Realidade
A reportagem da Folha do Mate percorreu mais de 100 quilômetros na tarde de quinta-feira, 11, entre as sedes de Vila Deodoro e Vila Mariante, para entender a realidade nos dois distritos. Ainda que semelhantes pela queda no número de habitantes, os cenários são específicos – há peculiaridades e motivos para cada um.
Em Deodoro, na região serrana, os principais causadores são o envelhecimento da população, o afastamento dos jovens, as dificuldades de acesso e os constantes problemas com quedas de energia. Os motivos são citados por Solange Teresinha Schulz Ludwig, de 63 anos, proprietária do Comercial Schulz, um dos principais pontos de referência do distrito.
Solange, que mora em Deodoro desde que nasceu, afirma que poucos jovens se mantêm na localidade e que, atualmente, são praticamente apenas os aposentados que “seguram as pontas”. Além disso, o difícil acesso e a distância para o centro urbano também são problemas. “Por isso, os jovens optam por ir embora, para lugares com mais empregos e, por vezes, compram casas e acabam levando os pais junto”, explica.
Por conta disso, segundo ela, Deodoro começa a ter mais residências desabitadas do que com moradores. “Ainda estou aqui de birra, é difícil manter esse ‘elefante branco’. Precisa de coragem para seguir, pois o pessoal só compra o necessário e não dá para se manter assim”, lamenta a comerciante.
Solange ainda relembra que, nos últimos anos, houve redução dos horários de ônibus e que, atualmente, não há horários nos finais de semana. “Alguns moradores organizam vans, às vezes, para fazer o que precisam na cidade.”
Enchentes
Já em Vila Mariante, a maior preocupação é relacionada com as constantes enchentes do rio Taquari – foram duas em 2023, que devastaram a localidade. Até por isso, é projetado que a queda de habitantes no distrito seja ainda maior, principalmente depois dos eventos registrados no ano passado.
Quem ainda se mantém em Mariante é o comerciante Aloísio Alfredo Silveira, o Cunhado, de 58 anos. Ele tem um bar e minimercado há mais de 25 anos que, inclusive, foi destruído pela força das águas do Taquari na enchente de setembro. “Estou insistindo. Mesmo após a enchente que destruiu o bar, segui com o negócio na garagem de casa, por enquanto”, destaca.
Segundo ele, algumas famílias conhecidas e clientes vão ao comércio informar que estão saindo da vila. “Até peço para que fiquem, esperem pra ver se teremos outras enchentes grandes e, caso aconteça, aí dou razão para irem embora”, comenta.
Ele ainda relata a falta de investimentos e os problemas de infraestrutura na localidade, principalmente ocasionados pelas enchentes dos últimos anos. “É realmente difícil explicar o por que ainda ficamos. É só por que gostamos muito e nossa vida está aqui”, completa Cunhado.
“O interior está morrendo. Infelizmente, acho que cada vez vai piorar mais. É difícil acreditar que vá melhorar. Vai virar lazer de fim de semana.”
SOLANGE TERESINHA SCHULZ LUDWIG
Comerciante de Vila Deodoro
Serviços básicos
• Conforme a Secretaria Municipal de Educação e a 6ª Coordenadoria Regional de Educação (6ª CRE), entre 2010 e 2022, 24 escolas municipais foram desativadas e outras 15 estaduais pararam as atividades.
• Em Vila Mariante, ainda está ativa a Escola Estadual de Ensino Médio (EEEM) Mariante e, em Deodoro, a EEEM Sebastião Jubal Junqueira. Por outro lado, escolas em Paredão Pires, Linha Stamm, Linha Cachoeira, Linha Datas e Sexto Regimento, localidades de Vila Deodoro, tiveram suas atividades encerradas.
• Durante a visita às localidades, a reportagem da Folha do Mate constatou a existência de unidades básicas de saúde, escolas e comércio em ambos os distritos.
“Deve ser a última atualização com queda de habitantes”
Ainda que o cenário possa parecer preocupante, a economista e doutora em Desenvolvimento Regional, Cíntia Agostini, enfatiza que os números realmente reduziram nas últimas décadas, mas que a tendência é de uma estabilização nas próximas pesquisas. “Possivelmente, com os melhores resultados de safras e produção agrícola, essa deve ser a última atualização com quedas de grandes proporções no interior”, afirma.
Conforme ela, é preciso constatar que a população de Venâncio Aires cresceu, o que significa que o município atraiu pessoas, além do crescimento demográfico natural. Ainda, o ganho populacional nos centros urbanos tem relação, em especial, com as oportunidades de emprego e renda. Como Venâncio ainda é um município que tem como característica um setor agrícola forte, um dos motivos para o esvaziamento das localidades do interior é a tecnologia e inovação no campo que, ao mesmo tempo em que expande a produção, também reduz a mão de obra necessária. “São menos pessoas, para plantar até mais que antes. Nessas condições, essas pessoas precisam procurar outro local para trabalhar”, analisa.
Esse efeito de êxodo rural é uma realidade do país desde a década de 1980 e tem se acentuado nos últimos anos. Contudo, para o cenário da Capital Nacional do Chimarrão, Cíntia também cita como possibilidade a mudança para outros municípios, pelas maiores quedas serem dos distritos que são limites. “São distantes do centro de Venâncio e o deslocamento é longo. Às vezes, estão até mais próximos de municípios vizinhos” diz.
“É perceptível uma migração para as áreas urbanas. Nas áreas rurais têm ficado só as pessoas mais idosas e os jovens têm saído.”
CÍNTIA AGOSTINI
Economista
Saiba mais
• 1º distrito (Sede): Formado pelos bairros da cidade, Linha Bela Vista, Herval Mirim, Linha Estrela e Ponte Queimada.
• 2º distrito (Vila Mariante): Composto por Linha Chafariz, Sanga Funda, Vila Mariante, Itaipava das Flores, Linha Sertão e Linha Reversa.
• 3º distrito (Vila Deodoro): Formado por Alto Paredão, Linha Datas, Linha América, Marmeleiro, Julieta, Linha Stamm, Linha Leonor, Cachoeira Baixa, Linha Cachoeira, Linha Cipó, Alto Sampaio, Santos Filho, Vila Deodoro e Sexto Regimento.
• 4º distrito (Vila Santa Emília): Composto por Linha Grão-Pará, Olavo Bilac, Vila Santa Emília, Linha Cecília, Monte Belo, Palmital, 17 de Junho, Lucena, Harmonia da Costa e Travessa.
• 5º distrito (Centro Linha Brasil): Composto por Linha Silva Tavares, Saraiva, Esperança, Isabel, Maria Madalena, Linha Brasil, Centro Linha Brasil, Linha Antão, Marechal Floriano, Arroio Grande e Picada Três.
• 6º distrito (Vila Palanque): Composto por Linha Grão-Pará, Vila Palanque, Linha Herval e Travessinha.
• 7º distrito (Vila Arlindo): Formado por Linha Tangerinas, Linha Hansel, Sapé, Santa Eugênia, Vila Arlindo e Linha Armando.
• 8º distrito (Vale do Sampaio): Composto por Linha Duvidosa, Linha Santana, Linha Andréas e Vila Teresinha.
• 9º distrito (Vila Estância Nova): Formado por Estância São José, Picada Mariante, Linha Mangueirão, Linha Cerrito, Rincão de Souza, Estância Nova, Campo Grande, Travessão Mariante, Linha São João, Taquari Mirim e Picada Nova.
* Matéria atualizada às 17h de segunda-feira, 15.