Junto de um filho, nasce uma mãe

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Os nove meses da gravidez de um bebê são apenas uma pequena parcela de uma gestação que se inicia muito antes, até mesmo, da fecundação do óvulo pelo espermatozoide. Uma mãe não nasce de uma hora para outra. No fim de semana que marca o dia delas, a Folha do Mate apresenta histórias que evidenciam o afeto, as descobertas e as expectativas envolvidas no processo de nascimento das mães.

“O entendimento da maternidade já vem muito antes da gestação, desde as primeiras relações individuais da mulher”, explica a psicóloga Letícia Nedwed. De acordo com ela, a compreensão desse papel materno se manifesta na infância, quando a criança brinca de boneca e, durante ou após a adolescência, com o início do desejo de ser mãe.

“A mulher vivencia esse papel mesmo que inconscientemente, só pelo fato de saber que pode gerar uma vida. No entanto, esse entendimento vai se concretizar, de fato, quando ela se descobrir grávida”, comenta a profissional.

Apesar disso, um simples resultado positivo do teste de gravidez não é suficiente para que a mulher já se sinta, realmente, mãe. Letícia explica que esse processo acompanha as fases da gestação: período de modificação do corpo, com enjoos, mal-estar e a barriga que começa a crescer; etapa da expectativa, quando a mulher começa a preparar o enxoval, sente o bebê mexendo e começa a se redescobrir; e a fase de ansiedade pelo parto e curiosidade sobre como será o bebê e qual será a relação da mulher com seu filho. “Na gestação, a mulher ressignifica papeis: passa da condição de filha para mãe e também se modifica como esposa e profissional.”

Paralelamente às mudanças psicológicas e biológicas da gestação, aspectos culturais influenciam o nascimento da mãe. “A ideia de maternidade é criada social e culturalmente”, pontua Letícia. De acordo com ela, é importante que se desmistifique a ideia de glamourização da maternidade.

“Essa ideia romantizada prejudica a mulher, porque ela é alvo de cobrança dos outros e dela mesma, e acaba se sentido culpada por ter dúvidas, ter medo e achar que não é a mãe perfeita”, observa a psicóloga. “É importante ter paciência, não se culpar e compartilhar experiências.”

Segundo Letícia, durante a gestação, há um processo de construção de vínculo da mãe e do bebê, mas isso não significa que ela saberá como agir, automaticamente, depois do nascimento. “Ela vai errar e aprender, vai se reestruturar e aprender a amar o filho.”

Psicóloga Letícia fala sobre a maternidade (Foto: Juliana Bencke)

“O entendimento da maternidade já vem muito antes da gestação, desde as primeiras relações individuais da mulher.”

Letícia Nedwed, psicóloga

Uma mãe que nasceu na adolescência

Saber o momento certo em que o sentimento de ser mãe nasce é muito particular de cada mulher. Às vezes, ele surge durante a gestação, em outras, quando o bebê nasce. No caso da estagiária e estudante de Pedagogia Camila Reiter, 30 anos, o sentimento de mãe ganhou força quando a filha Ailin Camilli Maria já tinha três anos.

Mãe e filha compartilham de diversos momentos e atividades (Foto: Alvaro Pegoraro)

“Acho que depois que eu me separei do pai da Ailin, vim morar em Mato Leitão e comecei a trabalhar, me dei conta do que era ser mãe. Antes disso, fui criando ela com a ajuda dos outros. Não que eu não a amasse, sempre amei. Mas, parece que depois caiu a ficha: ‘É a minha filha’. ‘O que eu faço com isso?’, ‘Como que eu vou criar ela?’ Acho que quando ela tinha uns três anos, aí nasceu mesmo essa mãe”, recorda Camila, em meio as lágrimas e com a voz trêmula pelo choro.

De acordo com ela, após esse sentimento ter sido despertado, a principal mudança foi o aumento da preocupação a respeito dos ensinamentos que passaria à filha. “Foi o fato de pensar ‘que pessoa é essa que eu estou colocando no mundo?’, ‘O que eu posso ensinar a ela de bom?’, ‘Que pessoa ela vai se tornar?’.”

Camila descobriu a gravidez quando tinha 15 anos e o nascimento da filha aconteceu quando recém havia completado 16 anos. “Eu lembro bem do dia que eu descobri que estava grávida. Eu e o pai da Ailin compramos um teste de farmácia. Depois do resultado, nós choramos muito, porque não sabíamos o que fazer e como íamos contar para nossos pais que isso tinha acontecido. Foi um susto muito grande”, relata.

Hoje, mãe de uma adolescente de 14 anos, ela lembra que, na época, não teve muitas preocupações a respeito da gestação. “Eu fui muito tranquila. Não me estressava com nada. Não pensava nem se eu ia ter problemas. Fui procurar fazer ecografia quanto eu estava com cerca de sete meses”, compartilha, ao contar que a Ailin nasceu de sete meses e meio e ela nem sabia o sexo do bebê quando entrou em trabalho de parto. Hoje, acredita que, se engravidasse, agiria muito diferente e seria mais “paranoica”.

Apesar de não ter se preocupado muito durante a gravidez, Camila relata que o nascimento da filha foi muito angustiante, pois precisou ficar sozinha o dia inteiro no hospital. “Ninguém podia estar ao meu lado. Eu estava muito apavorada. Foi o momento em que caiu a ficha, porque eu estava sozinha e não podia compartilhar aquele momento com ninguém.”

RELAÇÃO

Camila e Ailin mantêm uma relação de amizade, regada a diálogo e bons momentos. “Às vezes, as pessoas pensam que mãe e filha não podem ser amigas. Confundem autoritarismo com autoridade. Ao mesmo tempo que ela sabe que pode me dizer tudo e eu posso dizer tudo que eu quiser para ela, sempre com respeito, ela precisa saber que eu sou a mãe dela e que ela terá que acatar algumas regras”, explica.

“Eu adoro a nossa relação. Às vezes, eu paro e penso que tudo valeu a pena. Tudo que a gente sofreu e passou. Eu não me arrependo disso e espero que possamos continuar assim”, afirma. Para ela, ser mãe é algo inexplicável. “É conseguir amar alguém mais do que os nossos pais. Mais do que a nós mesmos. Eu não sei dizer o que eu sinto por ela. É um amor sem explicação.”

“Ser mãe é conseguir amar alguém mais do que os nossos pais. Mais do que a nós mesmos. Eu não sei dizer o que eu sinto por ela. É um amor sem explicação.”

Camila Reiter, mãe de Ailin

À espera de Helena

Grávida de 23 semanas, Aline já se prepara para a chegada de Helena (Foto: Juliana Bencke)

Com 23 semanas de gestação, a assistente financeiro Aline Luciane Farsen, 30 anos, começa a sentir as transformações no corpo que confirmam que uma mudança de vida está a caminho. Grávida do primeiro filho, ela se prepara para dar à luz Helena, no início de setembro.

Com a gestação tranquila e sem enjoos, passou a sentir-se ‘realmente’ grávida quando a barriga começou a crescer. “Agora já noto a diferença. Quando sinto ela mexer ou quando vejo as ecografias é emocionante”, conta. “Acho que quando chegar mais perto do parto e ela nascer é que vou me sentir realmente mãe.”

Enquanto curte a reta final da gestação, Aline recebe o carinho da família e se prepara, ao lado do marido Rodrigo Alexandre Kist, 33 anos, para receber Helena. Além de trocar experiências com outras grávidas, participa de curso de gestantes e busca informações na internet para compreender melhor o período que vive e esclarecer dúvidas. Para quando a filha nascer, já reserva seu maior presente: o amor. “Acredito que o mais importante para dar para ela é o afeto, não tanto o material.”

    

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