Para além da destruição de residências, estabelecimentos comerciais, prédios públicos e das vidas perdidas, a maior enchente da história do rio Taquari, em maio, também impactou diretamente na mata ciliar do manancial. Vila Mariante, no interior de Venâncio Aires, é um dos exemplos, com a margem do rio avançando e fazendo limite com a ERS-130 onde, anteriormente, estavam árvores e plantas nativas.
Pensando na recuperação destas áreas – que é uma das medidas mais importantes para a restauração do Vale do Taquari -, um grupo de voluntários formado por técnicos ambientais, ambientalistas e simpatizantes criou o Movimento Pró-Matas Ciliares do Vale do Taquari. Atualmente com 148 membros, o objetivo é dar visibilidade à problemática das matas ciliares e mostrar como a falta está relacionada aos impactos das inundações.
O movimento é dividido em quatro subgrupos: administrativo e planejamento; marketing e comunicação; estudos; e educação ambiental. “É urgente mudarmos a forma como nos relacionamos com as questões ambientais. Os eventos extremos ocorridos no último ano nos mostram isso. É inegável a importância das matas ciliares para evitar, reduzir e minimizar os impactos negativos das inundações. Queremos gerar sensibilização, conhecimento e engajamento na sociedade sobre a importância e os efeitos benéficos das matas ciliares”, destaca o movimento, em carta aberta enviada à Prefeitura e instituições.
Início
A mobilização iniciou com a realização de dois seminários sobre matas ciliares, promovidos pela equipe do projeto de pesquisa da Universidade do Vale do Taquari (Univates), intitulado ‘Estudo de metodologias de restauração da cobertura vegetal das margens de rios e arroios da bacia hidrográfica do rio Taquari’.
O primeiro seminário ocorreu em Lajeado, em dezembro de 2023, e o segundo em Encantado, em abril de 2024. Nestes eventos foram discutidos diversos assuntos relacionados à temática, foi elaborado um documento contendo as considerações discutidas e criado um grupo de WhatsApp com interessados em seguir a discussão sobre o assunto. Com a inundação de maio, o grupo sentiu a necessidade de gerar maior discussão sobre as matas ciliares e criou o movimento.
Os membros são de diferentes áreas do conhecimento, principalmente da área ambiental (engenheiros agrônomos, biólogos, geólogos, engenheiros ambientais, engenheiros químicos, engenheiros civis e arquitetos), educadores e da área de comunicação. Além disso, participam membros da comunidade em geral, interessados pela causa ambiental.
Segundo a organização do grupo, encabeçada pela professora doutora Elisete Maria de Freitas e os engenheiros ambientais Cleberton Bianchini e Luana Hermes, as enchentes de maio são resultado das alterações climáticas (em nível global) provocadas pela ação do homem, aliadas ao mau uso e ocupação do solo, desrespeito às áreas de preservação permanente (APPs), bem como do desmatamento desenfreado, ocupação de encostas, drenagem de áreas úmidas, impermeabilização do solo tanto em áreas urbanas quanto em áreas rurais, uso de combustíveis fósseis, falta de planejamento urbano e rural, entre outros fatores.
Para apoiar ou participar do movimento basta preencher o formulário no endereço forms.gle/DHK9SNwXoJ7JtyxC6 ou acessar o perfil no Instagram @movimento_promatas.
“Isso tudo está aliado à ausência de ações que visem a redução da emissão dos gases causadores do aquecimento global e de outras medidas que minimizem os impactos ambientais gerados há anos pela ação do homem”, reforça Elisete. O movimento, independente e voluntário, busca apoio financeiro de instituições públicas e privadas para a continuidade dos estudos.
Vila Mariante
Conforme o movimento, nas margens do rio Taquari, em Vila Mariante, primeiro deve ser realizado um diagnóstico das APPs e, depois, um planejamento para revegetação das áreas prioritárias para recuperação da mata ciliar, associadas com técnicas de engenharia natural. Nas próximas semanas, o grupo deve realizar uma visita para conhecer a área e projetar as melhores ações.
Durante a Semana do Meio Ambiente, no dia 5 de junho, o movimento realizou a primeira reunião com representantes da Secretaria de Meio Ambiente e Prefeitura, para debater as possíveis ações em Vila Mariante e, em breve, outra reunião deve ocorrer. “Aguardamos apenas uma confirmação da data para realizar, em conjunto com o movimento, uma vistoria no rio Taquari em Mariante”, relata a secretária de Meio Ambiente, Carin Gomes.
Representantes de Venâncio Aires
A Capital do Chimarrão tem duas representantes no grupo, a bióloga Patrícia Renz e a engenheira ambiental Emelin Eisermann. Segundo elas, a Prefeitura de Venâncio Aires foi a primeira a dar um retorno para o movimento e agendar uma reunião. “Precisamos analisar a área, para projetar o melhor planejamento. Como o investimento é alto, principalmente com sementes, não podemos tomar atitudes precipitadas”, diz Emelin.
200 metros – É a distância correta dedicada para APPs a partir da margem dos rios.
Elas afirmam ainda que o projeto e as ações também podem ser adaptadas ao arroio Castelhano, mas é preciso um estudo aprofundado e específico para o manancial. “É necessário plantar as espécies adequadas, não sair plantando qualquer coisa”, observa Patrícia.
Técnicas de engenharia natural, utilização e construção de taludes, reaproveitamento de galhos e troncos de árvores para contenção e plantação das espécies adequadas para cada espaço, são os principais pontos de ação do grupo. Entre as possibilidades, para além da recuperação da mata ciliar, estão fóruns, seminários e visitas a propriedades rurais, com o objetivo de auxiliar os produtores a aproveitarem da melhor forma as terras, sem prejuízo ao meio ambiente. “Não é proibir o produtor de usar a terra, mas explicar a forma adequada de utilização”, explica a bióloga.
“O movimento tem a intenção de sensibilizar a comunidade para que possamos repensar e mudar nossas atitudes relacionadas ao meio ambiente.”
PATRÍCIA RENZ
Bióloga
Importância da mata ciliar
• Melhora a qualidade da água
• Sistema de esponja (absorção da água nas margens)
• Corredores ecológicos
• Fortalecimento da estrutura e redução da erosão
• Movimentação e preservação da fauna
Ações propostas
• Elaborar e executar um plano de resposta aos desastres, principalmente dos movimentos de massa e inundações, em nível de bacia, devendo conter, no mínimo, o mapeamento das áreas de risco e ações para evitar a sua ocupação, inclusive de fiscalização.
• Elaborar e implantar um programa de recuperação das áreas de preservação ambiental (APPs) em margens de rios e arroios, incluindo as áreas de risco de movimento de massa em todas as bacias.
• Proibição imediata da reconstrução de casas e edificações nas áreas atingidas pelas águas, promovendo a realocação e a reconstrução em áreas seguras, acompanhado da implantação de medidas que visem a restauração da cobertura vegetal.
• Exame e implementação imediata da análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Programa de Recuperação Ambiental (PRA) em nível estadual, previstos na legislação de proteção à vegetação nativa.
• Ampliação das faixas de APPs nas margens de rios, respeitando os limites atingidos pelas águas na inundação de maio de 2024 (cotas de inundação), com o restabelecimento da cobertura vegetal, utilizando espécies nativas, o que inclui a implantação de sistemas agroflorestais nas porções mais distantes da margem e fora da margem de APP.
• Revogação da Lei nº 16.111 de 9/4/2024, que alterou a Lei nº 15434/2020 (Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul) e permitiu a execução de determinadas ações em margens de rios (projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em março de 2024).
• Implantação de sistemas de produção, utilizando a agricultura regenerativa agroecológica, com produção de diversidade alimentar e saudabilidade, conciliando com a conservação em sistemas agroflorestais.
• Incentivar o uso de outras tecnologias de geração de energia elétrica, como a solar, a eólica, o uso de biodigestores na suinocultura, bovino e em aterros de usinas de reciclagem, reduzindo a dependência das usinas hidrelétricas.
Botânicos elaboram lista de espécies recomendadas
Pesquisadores da Universidade do Vale do Taquari (Univates) elaboraram uma lista abrangente de espécies vegetais recomendadas para plantio nas margens de rios e arroios do Vale do Taquari e outras áreas. A iniciativa é uma resposta às severas inundações de maio de 2024, exacerbadas pela ocupação e uso inadequado das margens ao longo dos anos.
O estudo é resultado de uma década de pesquisas, iniciadas em 2014, conduzidas pelo grupo do Laboratório de Botânica da Univates, sob a coordenação da professora doutora Elisete Maria de Freitas. Vinculados aos programas de pós-graduação em Tecnologia e Gestão Sustentáveis e Biotecnologia, os pesquisadores dedicam-se a entender a dinâmica da interação entre as plantas e os cursos d’água da região do Vale do Taquari e a encontrar soluções para a restauração ecológica das margens.
A vegetação desempenha um papel sumário na mitigação dos efeitos das inundações. Ela reduz a velocidade da água, prevenindo erosões e danos maiores às áreas próximas aos cursos d’água. Assim, a plantação de espécies nativas nas margens se apresenta como uma das estratégias mais eficazes para a conservação e proteção dessas áreas.
(Fonte: AI Univates)
Plantas adequadas
• As reófitas são espécies que podem ser inseridas bem na margem da água, pois toleram inundações: sarandi, sarandi-amarelo, sarandi-vermelho, mueleira, cruz-de-malta, quebra-foice e topete-de-cardeal.
• Espécies para áreas mais distantes da água e em menor número: guabiju, carrapato pau-ferro, tatajuba, corticeira-da-serra, louro e grápia.
• Espécies de grande porte que devem ser evitadas em taludes: salgueiro e açoita-cavalo.
• Espécies para ampla distribuição, mas longe da margem: aroeira-vermelha, cipó-de-são-joão, cabreúva, camboatã-branco, farinha-seca, ingá-feijão, uvaia, rabo-de-bugio, aguai, guajuvira e escova-de-macaco.
• Espécies utilizáveis em toda a área, exceto na linha d’água: catiguá, pau-de-ervilha, unha-de-gato, cambaí-amarelo, angico-vermelho, maricá, branquilho, pitangueira, guabiroba e pata-de-vaca.
• Exclusivas para áreas úmidas (banhados): Corticeira-do-banhado.
• Espécies para cobertura inicial: fumeiro-bravo, candiúba, poaia e apaga-fogo.