No ano passado, duas enchentes históricas atingiram o Vale do Taquari, nos meses de setembro e novembro, e deixaram um rastro de destruição. Após a recuperação inicial, com o atendimento às famílias e a reconstrução de estradas e residências, ainda é necessário aumentar o debate sobre a recuperação da mata ciliar da bacia hidrográfica do Taquari-Antas. No mês passado, foi realizada uma reunião na sede do Ministério Público em Lajeado, com a presença de prefeitos, secretários e departamentos de Meio Ambiente, além de sindicatos rurais e escritórios da Emater dos municípios atingidos pelas inundações.
O encontro foi intermediado pelo promotor de Justiça Regional do Meio Ambiente da Bacia Hidrográfica dos rios Taquari e Antas, Sérgio Diefenbach, quando foram debatidas medidas iniciais e emergenciais de proteção ao talude e à mata ciliar do rio Taquari, que foi devastada por conta das cheias. A reportagem da Folha do Mate entrevistou Diefenbach para entender qual a realidade de Venâncio Aires, em especial a região de Vila Mariante, e quais serão os próximos passos para o cuidado com as margens do rio Taquari.
- Folha do Mate: Quais serão as medidas e ações para a recuperação da mata ciliar?
Sérgio Diefenbach: As medidas e ações não são únicas, nem uniformes e iguais. Para todos os casos haverá a necessidade de análise de cada geografia. Isso dificulta um pouco, porque é preciso mais tempo e observação. De qualquer forma, já existem alguns consensos quanto à necessidade de isolar o máximo possível a área de entorno da barranca do rio, ou seja, a área de proteção da mata ciliar não pode ser explorada com agricultura, permitindo que haja uma regeneração natural da vegetação típica daquela região. Além disso, o plantio de algumas vegetações adaptadas a esses eventos, não necessariamente árvores, até pequenos arbustos, capim e árvores com mais flexibilidade, que consigam proteger o talude e, também, permitir que a fauna circule, com animais de pequeno e médio porte.
Há estudos e propostas. As secretarias municipais também têm a análise de quais são as árvores os arbustos vegetações e árvores mais indicadas para cada local e, em alguns casos, haverá a necessidade de recomposição do talude, que é um investimento de infraestrutura. É necessário, nesses exemplos, um trabalho conjunto entre Município e proprietários da área.
- Como funciona a figura jurídica da Reposição Florestal Obrigatória? Como ela será usada?
Em alguns municípios, Lajeado, especialmente, e acredito que Venâncio também, há casos em que um empreendedor é autorizado a suprimir um percentual de vegetação do terreno para o empreendimento, seja para um loteamento, prédio ou construção e ele tem que fazer a reposição florestal. Esta reposição deve ser o mais próxima possível do mesmo microecossistema. Nesses casos, podem ser usados investimentos na mata ciliar de outros municípios, desde que dentro da bacia do rio Taquari. Por exemplo, um empreendedor que foi autorizado a derrubar árvores em Lajeado, pode fazer a reposição florestal em Vila Mariante em outra propriedade com um projeto, estudo, comprovação e, posterior, aprovação. Ainda precisaremos de diálogo e combinação entre todos os municípios, de modo que, eventualmente, um empreendedor de Lajeado possa fazer reposição em Muçum ou um empreendedor de Encantado possa fazer uma reposição em Estrela, por exemplo.
- Qual a realidade de Venâncio Aires (Vila Mariante)? Quais os principais pontos danificados? Em comparação com outros municípios atingidos, é uma situação considerada extrema ou perigosa?
Ela abarca duas situações, uma parte que já vinha sendo urbanizada, que foi muito danificada, onde o ideal é que haja proteção e isolamento e não ocupação daquelas áreas, e a área rural, que agrega também essa encosta que precisa de reposição florestal.
Não é uma situação pior e nem melhor do que outros municípios, ela guarda as mesmas necessidades, talvez não tenha a gravidade do que aconteceu em algumas regiões como Muçum, Roca Sales, Encantado, Arroio do Meio, Lajeado e Estrela, que foram áreas atingidas mais duramente.
- Quais podem ser as ações a longo prazo para reduzir os riscos de novos impactos nesse sentido em enchentes futuras?
É importante dizer que não há como evitar enchentes futuras, muito pelo contrário. Há uma possibilidade que elas continuem acontecendo e em maior intensidade, isso porque estudos apontam para um aumento da vazão dos rios localizados nessa bacia, diferentemente do norte do país, com rios muito volumosos, com a previsão de futuro que eles diminuam a vazão. Então o prognóstico aqui na bacia do rio Taquari-Antas é que, ao longo dos próximos 50, 100 anos, haja aumento da vazão, então enchentes continuarão.
Como é que você pode fazer para evitar? Por exemplo, medidas de afastamento da população do entorno do rio. Quanto menos pessoas estiverem em área de risco, melhor para aquelas que estão ou continuarão em área de risco. São medidas de fuga, de retirada, de afastamento emergencial quando as situações acontecerem. Paralelamente a isso, proteção da mata ciliar, pois quanto mais protegida a margem do rio, menor será o impacto na descida das águas. Também se estuda possibilidades como desassoreamento, retirada de entulhos, e, óbvio, aumentar os mecanismos de previsão pluviométrica hidrológica.