Tem dias nos quais o cansaço pelo trabalho pesado na fundição atrapalha a concentração de Ari Andrade da Silva, 42 anos, na aula. Mesmo assim, faça chuva ou faça sol, ele faz questão de estar com os colegas e a professora Maria Cristina Dornelles, 50 anos, nas noites de segunda a quinta-feira. Cada dia na aula é um dia mais próximo de realizar seu maior sonho.

Aluno da turma de alfabetização de adultos, da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Dois Irmãos, Ari quer fazer a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Se, no início, ele olhava para as letras sem entender nada, agora, já consegue ler os bilhetes da escola das filhas, de 13 e 9 anos. “Vou estudar até quando estiver aguentando. Quanto mais a pessoa vai estudando, mais vai se interessando”, garante o metalúrgico, natural de Candelária.

Para ele, que sempre quis estudar, mas sofreu com a separação dos pais, aos 6 anos, passou fome e frio, “é triste não ter estudo”. Não foram poucos os desafios encarados por não saber ler. Entre os mais marcantes está o dia em que assinou um contrato de um curso de Informática, para uma das filhas, sem saber o que estava escrito.

 

Foto: Juliana Bencke / Folha do Mate Professora Maria Cristina com os alunos na turma de alfabetização da Emef Dois Irmãos: troca de experiências e sonhos compartilhados
Professora Maria Cristina com os alunos na turma de alfabetização da Emef Dois Irmãos: troca de experiências e sonhos compartilhados

 

Quando não foi possível continuar o curso, ele foi obrigado a pagar uma multa, prevista no documento, a qual sequer imaginava que existisse. “Quando estava procurando uma casa para alugar, via as placas, mas não conseguia saber se era para alugar ou vender”, conta.

Mudar situações como essas e garantir a autonomia e a autoestima de pessoas como Ari é o objetivo das aulas de alfabetização. Desde o início do mês, a Secretaria Municipal de Educação tem reforçado a busca por venâncio-airenses que ainda não saber ler ou escrever. Atualmente, a Emef Dois Irmãos é a única que oferece alfabetização para adultos, por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA). O objetivo, entretanto, é abrir turmas em diferentes pontas do município, em 2019, pelo projeto ‘Alfabetização: um novo mundo que se abre’.

Segundo a coordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, Alice Theis, a intenção é oferecer a possibilitar de aprender a ler e escrever a pessoas que, durante a infância, não tiveram esse direito assegurado. “Antes, não se tinha obrigatoriedade que se tem agora de proporcionar acesso a escola e alfabetização na idade certa. Isso não tira a responsabilidade dos sistemas de educação de que, todo aquele que não teve chance de se alfabetizar em outro momento, possa fazê-lo, agora”, ressalta.

Ela reforça que, quem não sabe ler e escrever, não deve ter vergonha dessa condição e incentiva a busca as aulas. “É vergonha da sociedade, porque ela falhou. Os sistemas de educação não deram conta. A pessoa não é culpada, por isso não deve se envergonhar. Sempre há tempo de estudar.”

“A pessoa estudar é uma grande coisa. Sem estudo, não se consegue chegar onde se quer. A gente tem que ter fé e vontade, deixar a vergonha de lado. Não dá para desistir dos sonhos.”ARI ANDRADE DA SILVAEstudante

Motivação na vida real e proposta de ensino de Paulo FreireAlém de fazer a carteira de motorista – principal motivação de Ari – sonhos como ler a Bíblia, contar histórias para os netos ou poder ler as mensagens do celular estimulam pessoas a se debruçar sobre os livros, depois de uma vida enxergando sem decifrar as letras.

Com experiência de 23 anos de magistério, a professora Maria Cristina Dornelles considera única a experiência de alfabetização de adultos – ela trabalha com a turma da Emef Dois Irmãos há 2 anos. “Aprendo muito com eles. Dividimos muito, compartilhamos aprendizado, porque a experiência de vida deles é muito grande. O adulto vem para a escola porque realmente quer aprender”, destaca.

A coordenadora pedagógica do Município, Alice Theis, observa que a sabedoria de vida contribui muito com o processo de aprendizagem de adultos. “Por isso, quando são apresentados ao mundo das letras com pedagogia e didática adequada, eles aprendem. Tivemos casos de pessoas com mais de 60 anos que se alfabetizaram em questão de três meses”, comenta.

Ela esclarece que a alfabetização de adultos segue uma metodologia específica, diferente da utilizada com crianças. “Um dos maiores pensadores da educação que este mundo teve, que é o brasileiro Paulo Freire, criou um método de alfabetização de adultos. É uma metodologia específica para eles”, enfatiza, ao referir-se à estratégia de ensino que considera as experiências de vida dos alunos e propõe o ensino da leitura e da escrita, a partir da realidade dos alunos.

 

Foto: Juliana Bencke / Folha do MateAri dedica-se aos estudos, motivado pelo sonho de fazer a carteira de motorista
Ari dedica-se aos estudos, motivado pelo sonho de fazer a carteira de motorista

 

Temos um compromisso moral e ética com cidadãos que não tiveram oportunidade de se alfabetizar. Vivemos em um mundo em que a leitura está em toda parte. É direito do sujeito estar apropriado deste mundo, e nós nos sentimos responsabilizados por isso.”ALICE THEISCoordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação

 

SAIBA MAIS SOBRE O PROJETO DE ALFABETIZAÇÃO1 Podem participar das aulas de alfabetização pessoas acima de 15 anos que não sabem ler nem escrever ou que tenham parado de estudar na 1ª ou 2ª série e tenham apenas conhecimento básico das letras, como somente saber escrever o próprio nome.2 Se você tem algum familiar ou conhece alguém que não sabe ler e escrever, pode indicar essa pessoa para a Secretaria Municipal de Educação, que irá ao encontro dela e explicará o projeto de alfabetização. 3 Não há nenhum custo para participar das aulas. Além disso, os alunos têm direito a lanche e, dependendo dos casos, transporte até o local das aulas, que podem ocorrer em escolas ou mesmo uma sede comunitária.4 As turmas serão formadas, independentemente do número de alunos e em horários que melhor se adequarem à possibilidade dos alunos. 5 Para o levantamento da demanda de pessoas não alfabetizadas, a secretaria solicita os seguintes dados: nome, endereço, idade aproximada e alguma forma de contato. 6 É possível repassar as informações na própria secretaria, na rua Osvaldo Aranha, 515, das 7h30min às 17h30min, nas segundas, terças, quintas e sextas-feiras.7 Também pode-se contatar pelo telefone 3983-1085 ou pelo e-mail [email protected].