O abraço guardado por um ano e quatro meses

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Quando Luis Cesar Gonzales Acosta, 40 anos, e Neirys Gabriela Marquez Arcila, 30, deixaram a Venezuela, no início de fevereiro de 2022, em busca de uma vida melhor no Brasil, saíram com o coração apertado, mas um propósito bem definido: juntar dinheiro para trazer os filhos para o país e terem uma vida melhor.

Angie Valentina Roman Marquez, 13 anos, e o irmão Arturo Eleazar Gonzales Marquez, 8 anos, ficaram aos cuidados da avó materna, enquanto os pais buscavam recomeçar a vida em Venâncio Aires, a milhares de quilômetros da cidade venezuelana de San Carlos, no estado de Cojedes. Eles escolheram o município para viver pois o irmão de Luis já residia na Capital do Chimarrão e pela possibilidade de emprego.

Mas, bem diferente do que Luis e Neirys imaginavam, apesar do esforço do casal, que logo começou a trabalhar, juntar dinheiro para a viagem dos filhos para o Brasil passou a ser cada vez mais difícil. Com o salário como funcionários de uma fábrica de móveis, era preciso custear as despesas em Venâncio, incluindo aluguel e comida, além de enviar dinheiro para manter os filhos que estavam com a avó.

O que mais complicou foi a situação econômica cada vez pior na Venezuela. “Cada vez as coisas estavam mais caras. Eu mandava R$ 1 mil e só chegava no máximo para 15 dias de comida”, relembra Luis. A cada mensagem de WhatsApp informando que a comida estava no fim, a angústia tomava conta do coração dos pais. Mês a mês, o reencontro da família foi sendo adiado, a ponto do pequeno Arturo dizer que já não acreditava que o pai voltaria para buscá-lo.

Foi com a ajuda de muitas pessoas que auxiliaram com doações e a compra de uma ação entre amigos para viabilizar a viagem, que Arturo pôde voltar a acreditar no pai. Na manhã de 16 de junho de 2023, um ano e quatro meses depois de a família ter se separado, o menino foi acordado por Luis. “Papá?”, indagou, ainda sonolento, custando a acreditar que era real.

A emoção tomou conta de um abraço que demorou a terminar, como o da mãe com a irmã Angie, que encontrou os pais já no portão de casa e também não conseguiu esconder a emoção. “Nunca mais quero ficar longe dos meus filhos. Quero trabalhar muito e dar uma vida melhor para eles”, garante Luis.

Com o apoio dos venâncio-airenses, o reencontro

Enquanto a família de Neirys e Luís se reencontrava na Venezuela, em junho deste ano, no bairro Macedo, em Venâncio Aires, uma outra família vibrava, ao assistir às cenas emocionantes no vídeo enviado por Luis. “Ficamos muito felizes quando recebemos aquele vídeo. Foi emocionante”, recorda a auxiliar de limpeza Luciana Souza, 48 anos.
Coordenadora do projeto social Coletora de Sonhos, ela foi uma das peças fundamentais para que o reencontro de Angie e Arturo com os pais fosse possível. Referência pelo trabalho voluntário e por auxiliar quem necessita com doações, Luciana conheceu o casal por intermédio dos filhos Marcos Vinícius e Mateus Gabriel de Souza Xavier, colegas de trabalho dos venezuelanos na Gold Móveis.
Comovida, iniciou uma mobilização para auxiliar o casal. Primeiro, com coisas básicas, como casacos para enfrentar o frio do inverno gaúcho, depois, com a organização de uma ação entre amigos e vaquinha, para arrecadar recursos para a viagem. “Muitas vezes consolava eles, quando se desesperavam por não ter ideia de quando iriam ver os filhos de novo. Acabei criando um carinho muito grande por eles. Quando vendia a rifa, tentava me colocar no lugar deles, que estavam longe dos filhos”, comenta.
Com a ação entre amigos, foram arrecadados R$ 5,5 mil. Mas o valor ficou bem abaixo do necessário. Só em passagens foram R$ 15 mil e toda a viagem custou R$ 21,5 mil. Segundo o casal, como o governo não permitia que as crianças saíssem da Venezuela apenas com a avó, os dois precisaram retornar para buscá-las, o que elevou os custos.
Com o suporte e o incentivo de Luciana, Neirys e Luis partiram para o plano B: adquirir as passagens em uma agência de viagens, apenas com uma entrada. Com a empatia que encontraram na Venatur Viagens e Turismo, conseguiram embarcar em busca dos filhos. Se na primeira vez que veio ao Brasil, o casal encarou dois dias sem comida, com as crianças, isso não era possível. Por isso, na viagem de volta, Luis recorreu a amigos e à empresa onde trabalha para pediu um empréstimo com o qual fosse possível comprar comida.

Coletora de Sonhos
Por meio do projeto Coletora de Sonhos, Luciana Souza articula auxílio a diversas famílias, com doações de roupas, alimentos, brinquedos e enxovais para bebês, entre outras ações. A moradora do bairro Macedo atua como um elo entre as pessoas que necessitam e as que realizam as doações. “É um privilégio poder ajudar essas famílias, é uma recompensa muito grande. Sou muito feliz fazendo isso”, ressalta. Quem quiser saber mais sobre o trabalho pode acessar a página Coletora de Sonhos, no Facebook ou telefone 98017-2346.

Após reunir a família, os desafios para reconstruir a vida

Hoje, dos R$ 21,5 mil que custaram a viagem, Luis ainda deve R$ 6.750 – valor que tem na ponta da língua e para o qual tem se empenhado para conseguir quitar. Além da fábrica de móveis, ele tem outros dois trabalhos informais, após o expediente. “Em alguns dias trabalho até 3h e às 6h já estou de pé de novo. Gosto muito de trabalhar, quero pagar o que ainda devo e juntar dinheiro para ter uma casa própria para a família”, afirma.
Ele comenta que, atualmente, tem sido um desafio guardar dinheiro, já que são oito pessoas na casa e apenas dois estão empregados. Além de Luis, a esposa e os filhos, moram com eles a mãe de Neirys, que tem neuropatia periférica; um irmão, que é autista; uma prima e o tio, que vieram junto para o Brasil em junho. “Eu e o tio da Neirys estamos trabalhando, mas são oito pessoas, oito pratos todos os dias”, cita.
Garantir o emprego foi uma das maiores preocupações de Luís quando precisou se afastar para buscar os filhos. “No dia 16 de junho chegamos lá e no dia 22 já estávamos aqui. Só dormimos lá um dia, pois precisava voltar. Fui até meus pais, mas só pudemos dar um abraço e ir embora. Meu pai nunca chora, mas naquele dia chorou”, relata o imigrante. Ao chegar em Venâncio, fez questão de levar os filhos para que os colegas de trabalho os conhecessem. “Muita gente não acreditava que iríamos conseguir buscá-los.”


Registro da família durante a viagem para o Brasil, em junho deste ano (Foto: Arquivo pessoal)


Juliana Bencke

Juliana Bencke

Editora de Cadernos, responsável pela coordenação de cadernos especiais, revistas e demais conteúdos publicitários da Folha do Mate

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