As consequências do conflito entre Rússia e Ucrânia, somadas às sanções impostas pelo mundo aos russos, têm afetado diretamente a produção agrícola brasileira. Como um dos principais produtores de potássio do mundo – elemento essencial na produção de fertilizantes -, a Rússia responde por 23% das importações do Brasil, que importa 85% dos insumos que utiliza.
De acordo com o gerente administrativo de compras para a rede Afubra, João Paulo Porcher, o Brasil é dependente da importação dos fertilizantes russos, pois algumas matérias precisam de 70% a 80% destes importados. “Nos primeiros dias da guerra, as empresas tiraram os preços dos fertilizantes, ficamos sem a precificação. Quando voltaram, estavam em patamares muito elevados, alguns quase dobraram. Agora temos diversas dúvidas. Se a guerra prolongar e as sanções forem mantidas, pode aumentar ainda mais o impacto, chegando a faltar produtos para o produtor”, diz.
O professor dos cursos de Economia e Relações Internacionais da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e do Programa de Mestrado em Administração, Heron Sergio Moreira Begnis, explica que a Rússia sozinha detém cerca de 12% das reservas naturais de potássio, que é um dos principais componentes do adubo utilizado na região de Venâncio Aires, Santa Cruz do Sul e no mundo, de forma geral. “Apesar de ser apenas 12%, eles são um grande ‘jogador’ nesse mercado. Existem outros importantes, como o Canadá, com reservas até maiores, e o Chile também é um exemplo. Mesmo que seja possível mudar o fornecedor, os preços igualmente estarão altos”, ressalta.
O Canadá se torna uma possível solução para suprir essa demanda, e os países árabes também podem ser colocados na conversa. Contudo, para James Eisenberger, coordenador da Agrocenter Languiru, o momento é de total incerteza. “Mesmo buscando informações com fornecedores, ninguém tem certeza. Acredito que podemos enfrentar dificuldades daqui para a frente. Os custos devem aumentar, talvez possa vir a faltar, mas no momento não está em falta. Houve duas semanas sem poder comprar, mas voltamos recentemente.”
Expectativas frustadas
De acordo com Porcher, a expectativa para o primeiro semestre de 2022 era de normalização na produção após um conturbado período na pandemia de Covid-19. “Até março ou abril, a expectativa era de que tudo se acalmasse, ficasse próximo da normalidade, e isso vinha acontecendo. Alguns produtos, como a ureia, estavam em queda, outros insumos também. Ninguém esperava essa guerra. Agora é impossível prever, são apenas previsões baseadas em uma visão atual do conflito, a cada dia pode mudar.”
Já para Eisenberger, no momento é difícil realizar um cálculo de perdas em números, e o prejuízo deve acontecer para todos. “Analisando o cenário atual, é possível atender todos os nossos clientes. Com o desenrolar do conflito, é impossível projetar. Temos um planejamento para minimizar as consequências negativas. Atualmente estamos abastecidos, temos os fertilizantes necessários.”
Possíveis soluções
O coordenador da agrocenter Languiru pontua algumas soluções, visando a melhor lucratividade do produtor. “A saída para os produtores é ser o mais eficiente na produtividade por hectare, com os custos altos se consegue uma rentabilidade maior plantando em áreas menores e sendo mais produtivo por hectare. Indicamos seguir as orientações da sua empresa parceira, para auxiliar na lucratividade do produtor.”
Porcher contribui com uma lista de países que podem solucionar as carências. “A China tem fósforo e nitrogenados, o que pode colaborar. No potássio, a maior ajuda pode vir do Canadá, e os países árabes também são opções. Tem um plano nacional dos fertilizantes pelo Governo Federal, mas é a longo prazo, não deve resolver os problemas agora. Com mais tempo, deve dar mais independência para o país.”
Apesar de o Brasil ter reservas minerais, elas estão inacessíveis. “O Brasil possui reservas minerais importantes de potássio, que poderiam se converter em fertilizantes, mas elas ficam na região amazônica e existem diversos problemas com relação à proteção florestal na região, que é extremamente importante para o ecossistema mundial”, destaca Begnis.
Efeitos a longo prazo
Para o professor e coordenador dos cursos de Economia e Relações Internacionais da Unisc, Bruno Mendelski, caso o conflito e as sanções sejam mantidos, o impacto deve ser gigantesco. “Com todas as sanções e boicotes desse tamanho em um país tão importante, as consequências são devastadoras. Parece positivo nesse momento pela pressão para o fim da guerra, mas isso irá afetar todos os países do mundo economicamente. É um período de grande instabilidade.”
Já Begnis prevê uma escassez no mercado. “Com esse aumento dos custos de produção, diretamente associados ao petróleo, teremos problemas não apenas nas máquinas agrícolas, mas também de agroquímicos produzidos a partir do mesmo. Algo que visualizamos é uma escassez desses produtos no mundo, o que vai levar à queda da produtividade. Uma vez que esteja escassa a oferta, o produtor vai tentar continuar produzindo, mas com a aplicação em menor quantidade ou fora dos ideais, não atingindo a produção máxima das lavouras. Com isso, o preço dos produtos agrícolas devem aumentar em curto e médio prazo por conta do conflito”.
Hoje, o problema é o preço. Daqui a pouco pode ser a ausência dos produtos.”
JOÃO PAULO PORCHER
Gerente administrativo de compras para a rede Afubra
Importante
- Segundo o professor e coordenador dos cursos de Economia e Relações Internacionais da Unisc, Bruno Mendelski, a Rússia é o terceiro ou quarto maior destino das compras de fertilizantes do Rio Grande do Sul, sendo o estado o terceiro que mais compra no país. Além disso, a Rússia também é um importante importador de tabaco, sendo o quinto principal destino da exportação de tabaco.
“A oferta do Canadá diminui pela alta procura, aumentando assim os preços.”
JAMES EISENBERGER
Coordenador da Agrocenter Languiru