Diante das dificuldades financeiras do Hospital São Sebastião Mártir, que no primeiro semestre deste ano somou um prejuízo de quase R$ 1 milhão, a administração da instituição cortou o sobreaviso de cardiologia. A mudança é válida desde o sábado, 1º de agosto.Até então, três profissionais da área, um por semana, tinham que ficar à disposição 24 horas por dia. Agora, quando houver necessidade de uma avaliação cardiológica, será realizado o Chamado de Especialidade, onde se verificará qual médico estará disponível para efetuar o atendimento ou prestar informações ao plantonista. Neste formato o médico será pago por chamada.A decisão pegou de surpresa alguns médicos. Para isso, será realizada hoje à noite uma reunião entre o corpo clínico e o presidente do HSSM, Oly Pedrinho Schwingel.Sobre o comunicado, o diretor administrativo Marcelo Borges, informou que “a decisão é administrativa. Temos que cortar gastos para garantir outros serviços.”Ele justificou que o sobreaviso nesta especialidade foi cortado com base em estatísticas de atendimentos, que mostram que esses são os profissionais menos solicitados.Conforme Borges, novos cortes estão sendo estudados.
Todos os cortes serão fundamentais. Não podemos comprometer salários, pagamento de fornecedores. Precisamos enxugar, nos readequar a esse cenário econômico.”
Descontente e surpreso com o comunicado, o cardiologista Roberto Homrich Granzotto encaminhou uma carta aberta ao hospital e à comunidade venâncio-airense. Confira abaixo:
Prezados senhores,
é com grande surpresa que eu e os demais colegas cardiologistas recebemos a notícia sobre o encerramento do sobreaviso da cardiologia. Foi-me comunicado apenas quinta-feira à noite, dia 30/07.
Gostaria de informar-lhes que essa foi uma decisão arbitrária unilateral da direção do hospital, mais especificamente do diretor novo, com provável anuência do Sr. Presidente do hospital e do conselho consultivo que o contrataram. Nós cardiologistas não fomos chamados a participar de qualquer reunião. Portanto causa estranheza a afirmação de que caso seja necessária avaliação essa deverá ser por “Chamado de Especialidade”.
Afirmo que NãO haverá avaliação cardiológica por “Chamado de Especialidade”, quer seja de pacientes na emergência, quer seja na enfermaria ou UTI. Atenderemos apenas convênios e particulares. Também não haverá qualquer interpretação de ECG, mesmo os de convênio e particulares. Tampouco realizaremos avaliações informais através de discussão de casos via telefônica ou “olhadas” em ECGs nos corredores. Essa foi uma posição adotada pelo HOSPITAL, que não entende ser necessária a presença de cardiologistas no atendimento à população, não por nossa vontade.
Considero isso um retrocesso na prestação de atendimento do hospital. Retardará o atendimento às emergências cardiovasculares, dificultará a realização de procedimentos cirúrgicos e possivelmente acarretará em tempos mais prolongados de internação e indicações incorretas de uso de medicações de alto custo, tais quais trombolíticos. Porém, sem dúvida alguma, a maior prejudicada será a própria comunidade, que não terá a segurança de poder ser atendida por cardiologista em caso de necessidade e que dependerá da sorte de ter um plantonista treinado em interpretação de ECG e manejo de emergências cardiovasculares e da disponibilidade de leito em UTI (essa última semana passou quase o tempo todo lotada).
Entendo que o hospital passa por dificuldades financeiras e que sanear as contas é essencial para a sustentabilidade do atendimento a longo prazo. Que houve paralisações em repasse de verbas pelo nosso estado, que se encontra em estado falimentar e faz um esforço ainda maior que o do hospital para sanear suas contas. Que o nosso país passa por uma crise estrutural e principalmente moral e cultural gravíssima que vem de décadas e tem um apetite insaciável por recursos, não os distribuindo a estados e municípios. Enfim, que dinheiro não nasce em árvore. Entretanto isso NãO JUSTIFICA a maneira como foi abordada essa questão. O Sr. Administrador se quer se apresentou!!! Chamar o corpo clínico para expor suas conclusões e daí discutir possíveis medidas e escutar opiniões e sugestões de quem vive no dia-a-dia ali dentro nem pensar. Para chamar-nos para uma conversa, expor suas preocupações e comunicar cara-a-cara sua decisão com alguma antecedência não tem coragem. Usa de um garoto de recados. Isso indica um MODUS OPERANDI de como será sua administração. Preparem-se. Iniciou com a cardiologia, a tendência é que interrompa os demais serviços, talvez exceto os da clínica, cirurgia e obstetrícia. Os que não interromper, talvez ele apenas mande avisar que haverá redução de honorários. é possível que dificulte a realização de exames e reduza o número de plantonistas na emergência e talvez até honorários dos plantões (aí quero ver alguém topar fazer algum plantão). Certamente deverá haver demissões em massa nos demais setores, como na enfermagem.
A administração optou em trilhar um caminho de desestruturação e redução da complexidade do atendimento hospitalar. Isso é triste, pois sabemos como foi árdua a luta até chegar ao estágio atual. Entendo que um hospital deve ser autossustentável e não pode depender de verbas governamentais para custeio de suas atividades, já que os governos são sempre temporários e as verbas não duram para sempre. Faltou visão em investir no atendimento a convênios e particulares, mantendo a proporção 70%/30% permitida para entidades filantrópicas e investindo no aprimoramento do atendimento e hotelaria a esses pacientes. O paciente para escolher atendimento privado deve se sentir melhor tratado, mais bem acomodado e paparicado, além de ter a segurança de que terá toda a estrutura e suporte caso ocorra alguma intercorrência. é daí que deve sair a verba extra para financiar o atendimento do SUS. Hoje muitos dos que poderiam internar-se em nosso hospital buscam hospitais em municípios vizinhos. Mesmo do SUS é possível receber mais verbas, basta que sejam escrutinados os prontuários procurando sempre indicar aos médicos os procedimentos que, com base nesses, são financeiramente mais vantajosos a serem inclusos na AIH. Não esquecendo da necessidade em reduzir os custos que ocorrem com desperdício de material.
Perdoem-me se me alongo um pouco, porém não poderia deixar de compartilhar meu pensamento devido a maneira como essa questão foi conduzida. Tudo que desejo é que a população receba um atendimento de alto nível e que o hospital tenha saúde financeira para continuar a existir nas próximas gerações.
Cordialmente,
Roberto Homrich Granzotto
Cardiologista
CREMERS 27994