Estatísticas da Patrulha Maria da Penha (PMP) traçam um perfil das mulheres vítimas de violência doméstica em Venâncio Aires. A maioria tem ensino fundamental, não possui renda própria e 40% dos casos acontecem na áreas rural. Estes dados e outros foram apresentados durante o III Seminário Estadual da Patrulha Maria da Penha, realizado esta semana, em Porto Alegre, e que contou com a participação especial da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que dá nome à Lei.
O evento foi realizado em Porto Alegre e durante o Seminário foram apresentados dados estatísticos, o formulário de avaliação de risco do Conselho Nacional de Justiça, pesquisa de grupos de violências, a atuação das Patrulha no estado, entre outros assuntos pertinentes ao enfrentamento do tema.
Presentes no ato, a capitão Michele da Silva Vargas e as soldados Faller e Taís apresentaram o perfil das vítimas e números referentes aos atendimentos na Capital Nacional do Chimarrão. Desde 2014, quando foi criada a PMP no município, foram atendidas 1.167 vítimas de ameaças, 554 de agressões físicas e 53 de estupros. No período foram registrados seis feminicídios tentados e cinco consumados.
Duas das mortes aconteceram este ano, no mês de maio, em um espaço de oito dias. A primeira vítima, de 19 anos, foi morta a enxadadas, pelo companheiro, na frente dos familiares, no interior do município; e a segunda morta a tiro pelo marido, dentro do quarto do casal, no bairro Gressler. Nos dois casos os autores do crime se suicidaram.
Especificamente deste ano, a PMP atendeu 74 vítimas de ameaças, 25 de lesões corporais e três de estupros. Foram solicitadas 157 medidas judiciais, 62 mulheres estão sendo atendidas e houve cinco reconciliações.
TIPOS DE VIOLÊNCIA
Segundo a capitão Michele, há cinco tipos de violência praticadas contra as mulheres. “São a violência moral, psicológica, patrimonial, física e sexual”. A comandante da 3ª Companhia ressalta que há grande preocupação com as mulheres que vivem no interior. “Quando ela sofre violência, geralmente está sozinha e muitas vezes não tem para quem denunciar”, observa.
Ao avaliar que a violência doméstica destrói a família, não só a mulher, a oficial ressalta que as vítimas devem estar atentas aos sinais que podem resultar em ameaças e agressões. “Proibir que a mulher visite seus familiares, que estude e que trabalhe fora, por exemplo, são alguns. Essas ações propiciam o afastamento dela das pessoas próximas e que em tese poderiam lhe empoderar para não entrar numa relação de violência”, analisa.
“Se agrediu uma vez, vai agredir novamente”
Entre as vítimas de violência doméstica atendidas pela Patrulha Maria da Penha está uma mulher de 48 anos. Mãe de um casal de filhos, vive sozinha há mais de dois anos, mas antes disso suportou por longos 23 anos uma relação doentia, onde ela trabalhava de sol a sol, não tinha vida social e mesmo assim era humilhada e agredida pelo marido.
FOLHA DO MATE – Como tudo começou?
Morava no interior e por causa do trabalho na roça, quase não estudei. Até meus 24 anos eu era uma pessoa muito feliz. Gostava de cantar, frequentava igreja e vivia muito bem. Foi quando meus pais decidiram que tinha que casar e arrumei um namorado.
E como foi?
Namoramos por mais de um ano. Ele era uma pessoa muito boa, trabalhadora e me tratava bem. Casamos e depois que engravidei, tudo mudou. Ele passou a me tratar mal e mesmo grávida, saia sozinho e me deixava trabalhando. Mas pensava que aquilo era assim mesmo.
Com o nascimento da criança mudou alguma coisa?
Sim, para pior. Seguiu me tratando mal até que me bateu pela primeira vez. Entrei em depressão e passei a tomar remédios fortes, que cortaram o efeito do anticoncepcional e engravidei do segundo filho. Mas mesmo sendo maltratada, acreditava que casamento era assim mesmo.
E quando nasceu o segundo filho, melhorou?
Não. Ele decidiu parar de plantar fumo e disse que eu precisava arrumar um emprego, me virar. Vim para a cidade, trabalhei de faxineira e mantive a casa e ainda comprava roupas para as crianças. Dois anos depois ele decidiu voltar a plantar fumo e então eu trabalhava o dia inteiro e nos finais de semana, enquanto ele saia com um amigo. Neste período a depressão piorou e fui internada quatro vezes.
Como decidiu sair de casa?
Foi em um domingo. Ele chegou em casa à tardinha, discutimos e ele me agrediu. Passei a noite arrumando minha roupa e vim para a cidade, pois sabia que esse dia ia chegar e já tinha comprado uma casa.
Depois disso tudo melhorou?
Não. Ele veio quatro vezes na minha casa, pedindo perdão, implorando para eu voltar a dizendo que ia mudar. Voltei, mas ele nunca mudou e seguiu me tratando mal e me agredindo.
E quando decidiu dar um fim?
Na última vez que ele me agrediu, fui no hospital e depois minha irmã me levou na Delegacia de Polícia.
O que diz para as mulheres que são vítimas de agressões?
Não façam como eu. Se ele agrediu uma vez, vá embora, pois vai te agredir novamente.
‘Sobre a Lei Maria da Pena’
Em 1983, o marido da farmacêutica, o economista e professor universitário colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez atirou contra ela, simulando um assalto, e na segunda tentou eletrocutá-la enquanto ela tomava banho. Por conta das agressões sofridas, Maria da Penha ficou paraplégica. Dezenove anos depois, seu agressor foi condenado (em outubro de 2002), quando faltavam apenas seis meses para a prescrição do crime. O professor foi preso e cumpriu apenas 2 anos (um terço) da pena a que fora condenado, sendo solto em 2004. O episódio chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e foi considerado, pela primeira vez na história, um crime de violência doméstica. A lei reconhece a gravidade dos casos de violência doméstica e retira dos juizados especiais criminais (que julgam crimes de menor potencial ofensivo) a competência para julgá-los. Em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a lei que leva seu nome: a Lei Maria da Penha, importante ferramenta legislativa no combate à violência doméstica e familiar contra mulheres no Brasil.