Há exatos seis anos, completados ontem, uma ligação telefônica mudou a vida do casal Afonso e Terci e dos filhos Maico e Mauro Kist. Eram cerca de 21h30min e Afonso estava em casa cuidando do pai enfermo, depois de mais um dia de trabalho como funcionário público da Prefeitura, e a esposa em uma empresa fumageira, cumprindo seu turno de trabalho. O filho mais velho, Maico, 35 anos, atendeu e ouviu um policial civil dizer que o seu irmão, Marcelo Luiz Kist, que hoje estaria com 33 anos, tinha entrado no Cânion Fortaleza, no Parque Nacional da Serra Geral, em Cambará do Sul, e não havia saído. Oficialmente, ele nunca mais foi visto, mas a família tem dúvidas sobre o que realmente aconteceu na tarde daquele fatídico 27 de julho de 2013.
Marcelo não tinha motivos para atentar contra a sua vida. Era solteiro, tinha emprego fixo, uma moto, um terreno e não possuía dívidas, nem vícios e nem inimigos. “Ele era caseiro, gostava de ficar em casa e ler seus livros, mas também gostava de passear”, resume a mãe, que pensa no filho diariamente. Segundo ela, o filho ‘do meio’ não tinha namorada por opção. “Sempre dizia que enquanto não pudesse bancar ele e a mulher, não teria namorada”.
Vivendo em uma casa ampla, em Linha Grão Pará, para onde se mudaram com o filho Mauro, de 21 anos (a casa onde residiam, no bairro Morsch, agora é do filho mais velho), Afonso e Terci alimentam a esperança de um dia reverem o filho. “Ele pode ter caído, pode ter sido vítima de um assaltante, por exemplo, que o empurrou lá para baixo, mas também pode ter perdido os sentidos e estar perambulando por aí”, argumenta Terci.
Outra possibilidade não descartada é que Marcelo, um amante da natureza, possa estar vivendo dentro do parque, que tem cerca de 17 mil hectares. “Aquela história da índia que vive lá é verdadeira. O Marco foi até lá, com dois guias, e falou com ela”, revelou Afonso.
A mulher, que vive sozinha naquele local há cerca de 26 anos, depois de se separar do marido, que era um homem branco, alegou que não viu o Marcelo. “Mas disse isso e começou a chorar, sem dar mais explicações”, recordam os pais.
MÁGOA
Horas depois de receberem a informação, Afonso e Marco foram para o Parque Nacional da Serra Geral, onde permaneceram por 60 dias, buscando qualquer pista que levasse a Marcelo. Conversaram com muitas pessoas, seguiram pistas, mas nenhuma concreta. Polícia Civil e Corpo de Bombeiros fizeram buscas com helicóptero e não encontraram vestígios do venâncio-airense “Mas minha maior mágoa é que eles só fizeram buscas aéreas. Nunca desceram até o chão do cânion e não permitiram que um professor de alpinismo fizesse isso”, disse Afonso.
Ele recorda que depois dos bombeiros fazerem voos com o helicóptero e usarem um cão farejador – que só andou na parte superior do cânion – , o profissional foi até lá e se ofereceu para fazer 15 descidas, gratuitamente, pois tinha 15 dias de férias e faria uma por dia. “Ele morava na Serra Gaúcha e tinha experiência, pois treinava os bombeiros, mas o comandante do Corpo de Bombeiros de Santa Catarina, responsável pelas buscas, o proibiu de fazer as descidas”, explicou.
Afonso chegou a indagar o oficial, mencionado que se fosse uma pessoa conhecida com certeza as buscas por solo seriam feitas e se comparou a um grão de areia, perto de uma vassoura, demonstrando sua pequenez diante da situação e foi repreendido. No local onde foi encontrada a mochila que Marcelo usava, às margens do cânion, a altura é de aproximadamente 750 metros.
FÉ UM DEUS
Terci e Afonso estão aposentados e se agarram em sua fé para superar os dias. Aos 64 anos, ela diz que nunca perdeu as esperanças de rever o filho com vida. “Esta força vem de cima e assim a gente consegue carregar esta cruz”, menciona.
Afonso tem 62 anos e além do misterioso sumiço do filho, teve que lidar com a doença e perda do pai. “Não foi nada fácil, mas a gente tem que superar”.
RELEMBRE O CASO
Na sexta-feira, 26 de julho de 2013, o mecânico Marcelo Luiz Kist chegou em casa por volta das 17h30min. Pegou a mochila do pai, colocou algumas peças de roupas e disse que iria com sua moto em direção a Serra Gaúcha, passaria pelo Litoral e retornaria. Tentou ligá-la, mas a bateria tinha pifado. Então pegou o carro do irmão e foi até uma revenda, comprou uma bateria nova, voltou, a instalou e seguiu o seu destino. De noite, ligou para o irmão Maico e disse que iria até o Cânion Fortaleza, para ver como era o nascer do sol. Quando o dia amanheceu ele ligou dizendo que estava lá e que havia um termômetro mostrando que a temperatura estava abaixo de zero. Marcelo saiu do Parque Nacional da Serra Geral por volta das 10h e foi até a cidade de Cambará do Sul, onde fez um lanche e comprou salgadinhos, balas, bombons e uma água mineral. Ele retornou ao parque por volta das 13h, deixou sua moto no estacionamento, tirou o blusão e o colocou dentro do seu capacete – onde também estava sua carteira com documentos e pouco mais de R$ 900 – e pediu para os vigias guardarem, que pegaria na volta. Marcelo entrou em direção ao Cânion Fortaleza usando roupas leves e com a mochila nas costas. Pouco antes do Parque fechar, um casal entregou a mochila na portaria, dizendo que a encontrou a cerca de dois metros de um cânion. Dentro dela havia algumas roupas e as mercadorias que ele comprou horas antes. Faltaram uma calça de brim, uma jaqueta e a capa de chuva. No dia seguinte, por volta das 4h30min, o pai e o irmão mais velho de Marcelo entraram no Parque Nacional, aguardaram o dia clarear e acompanharam as buscas. Durante 60 dias, só voltavam embora para dar notícias e pegar roupas limpas.