A vida segue em ritmo acelerado na sociedade contemporânea. é como se estivéssemos em uma eterna corrida contra o relógio guiada por nossa preocupação em ter cada vez mais. Afinal de contas, dizem, tempo é dinheiro. Mas até que ponto essa pressa cotidiana e o consumismo exagerado se refletem em felicidade?
Questionamentos assim fizeram Douglas Kist, 31 anos, a companheira Shanti Daya, 35 anos, e a mãe dele, Lusiani Haas, 51 anos, deixarem a cidade e apostarem em um novo modelo de vida junto ao Portal Aquântica, nome dado à propriedade em que residem na localidade de Monte Belo, situada a 16 quilômetros do centro de Venâncio Aires. Os 11 hectares de terra montanhosa foram adquiridos em fevereiro de 2012. Em setembro daquele ano, ocorreu a mudança para o local.
A opção por esse novo estilo de vida surgiu do descontentamento gerado pela falta de tempo para si mesmos e da necessidade por eles verificada de diminuir o ritmo e adotar hábitos sustentáveis. “O coração não estava preenchido”, diz Douglas, que foi quem deu início à mudança em meados de 2008, quando deixou Porto Alegre para retornar a Venâncio Aires, onde chegou a atuar como designer. O objetivo passou a ser desacelerar.
Apesar da mudança, Douglas sentia que faltava sentido na rotina que levava e, por isso, começou a pesquisar sobre modos alternativos de vida. Queria conhecer mais sobre si mesmo. O movimento de mudança foi acompanhado pela mãe, que decidiu colocar à venda a loja que possuía no Centro da cidade. “Não havia mais coerência entre o que eu fazia e o que eu sentia”, afirma Lusiani. E é nesse momento que a companheira de Douglas passa a fazer parte dessa história.

Shanti atuava como empresária em Lajeado, era considerada uma franqueada de sucesso de uma rede de lojas de vestuário e tinha interesse em adquirir o estabelecimento comercial de Lusiani. Mas conversa vai, conversa vem, o diálogo sobre negócios deu lugar à troca de ideias sobre as buscas existenciais de cada uma. Shanti, que se considerava uma workaholic – pessoa viciada em trabalho – iria somar-se à caminhada por um modo de vida alternativo. Lusiani perderia a compradora, mas ganharia uma nora, que também viria a optar pela venda da sua loja em Lajeado e partiria em uma jornada pessoal de oito meses em busca de autoconhecimento na índia. Desde a volta, essa busca por conhecer mais de si mesma segue junto ao Portal Aquântica, ao lado de Douglas e da filha deles, Anna Sofia, de 11 meses, que nasceu em casa por meio de um parto humanizado.
Atualmente, há três residências na propriedade: a chamada casa-mãe, onde reside o casal com a filha; a casa de Lusiani e outra que pode ser alugada por interessados em experimentar esse modo de vida. Exige-se que a hospedagem seja de ao menos 15 dias.
Segundo Douglas, o Portal Aquântica surgiu com a pretensão de funcionar como uma ecovila, mas hoje o melhor define como um espaço ecoespiritual.
Novos hábitos, uma nova vida
A sobreposição do ‘ser’ em relação ao ‘ter’ é o que resume o novo estilo de vida adotado pelos moradores do Portal Aquântica, que apostam no princípio da sustentabilidade para diminuir o consumo. “O dinheiro ainda faz parte da nossa vida, é importante, mas deixou de ser o centro de tudo”, explica Douglas.
Ele cita que não abrem mão de levar uma vida confortável, mas procuram se questionar sobre a real necessidade das coisas. Apostam na criatividade para buscar alternativas que contribuam para diminuir a dependência do sistema capitalista, reduzam o impacto que geram sobre o meio ambiente e resultem em mais qualidade de vida.
São exemplos de soluções adotadas pela família a produção orgânica de alimentos, a implantação de sistema de compostagem e banheiro ecológico, a reutilização de materiais e outras tantas pequenas mas importantes iniciativas como a utilização de vidro nas casas para melhor aproveitamento da iluminação solar natural e o uso de fraldas de pano recicláveis em Anna.
Além dos afazeres que envolvem a manutenção da propriedade, a família ocupa o dia com atividades como a meditação e a leitura. Apesar de não haver sinal de celular no local e abdicarem da televisão, enganam-se os que pensam que eles vivem sem tecnologia. é no meio virtual que pesquisam muitas das ideias que norteiam suas vidas e as soluções que são postas em prática para fazer do Portal Aquântica um lugar cada vez melhor de viver.
Nessa nova vida, acrescentam, os momentos de ócio também são parte fundamental da rotina e, de acordo com Douglas, funcionam como alimento para a alma. “Foi assim que eu descobri um mundo interno que antes era sonegado.”
LIVRES DOS JULGAMENTOS
Ainda que essa mudança radical no modo de vida tenha feito de Douglas, Shanti e Lusiani pessoas mais felizes e saudáveis, como eles mesmos afirmam, o comportamento foi visto com estranhamento por muitos conhecidos da família. “O julgamento não foi fácil. Na cidade, as pessoas me chamam de louco e houve até quem relacionou essa mudança com o uso de drogas, mas não se pode dar importância para o que os outros acham. é preciso se libertar do julgamento”, diz Douglas.
Ele conta que não quis gastar energia na tentativa de explicar o que aconteceu porque se tratava de algo muito íntimo. Hoje, conhece muitas pessoas que também optaram por viver desse modo e afirma que esse movimento é crescente em todo o mundo. Como acrescenta Shanti: “Esta questão da mudança de consciência e responsabilidade com o planeta não tem volta. é um movimento enorme que esta crescendo no mundo inteiro”.
PERMACULTURA
Norteadora da ocupação do Portal Aquântica, a permacultura é um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza. Baseada na prática de “Cuidar da Terra, cuidar dos homens e compartilhar os excedentes” (quer sejam dinheiro, tempo ou informações), a permacultura ousa acreditar na possibilidade da abundância para toda a humanidade através do uso intensivo de todos os espaços, através do aproveitamento e geração de energia, da reciclagem de todos os produtos (acabando assim com a poluição) e através da cooperação entre os homens para resolver os grandes e perigosos problemas que hoje assolam o planeta. A palavra permacultura originou-se da expressão “permanent agriculture”, porém hoje, devido a sua maior abrangência, pode-se dizer que deriva da expressão “cultura permanente”.
Fonte: Núcleo de Estudos em Permacultura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

