COP 11 segue até sábado, 22, em Genebra, na Suíça (Foto: Letícia Wacholz)
COP 11 segue até sábado, 22, em Genebra, na Suíça (Foto: Letícia Wacholz)

No evento que reúne representantes dos países signatários do primeiro tratado de saúde pública do mundo, é um tema ambiental que vem dominando falas dentro e fora da COP do Tabaco. Iniciada na segunda-feira, 17, a 11ª Conferência das Partes (COP 11) da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco debate uma proposta do Brasil que prevê responsabilizar a indústria pelos danos ambientais causados pelos produtos de tabaco, além da proibição da fabricação de cigarros com filtros.

A proposta brasileira sugere que os países signatários da convenção considerem a proibição de componentes de produtos de tabaco e nicotina. O texto classifica os resíduos como perigosos e também propõe a criação de um grupo de peritos para desenvolver um plano de ação para guiar os países sobre as medidas e gerenciamento dos resíduos, incluindo os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs).
A discussão sobre filtros ganhou força na COP 10, no Panamá, e voltou ao centro da agenda brasileira, com apoio da delegação do Panamá.
Enquanto a delegação oficial brasileira trabalha para avançar nesta pauta, que começou a ser discutida ontem na COP 11, lideranças políticas e representantes do setor tentam evitar que uma eventual proibição se transforme em uma diretriz internacional e, mais tarde, em obrigação regulatória no Brasil. A decisão final dependerá do encaminhamento das discussões e do consenso entre os países signatários.

PREOCUPAÇÃO DO SETOR PRODUTIVO
Para representantes da cadeia produtiva do tabaco, especialmente os que acompanham as tratativas em Genebra, o tema é hoje a principal preocupação na COP 11. O setor considera o potencial banimento dos filtros como uma ameaça direta ao modelo produtivo e ao mercado formal. Em entrevista à Folha do Mate, o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), Edimilson Alves, classificou a iniciativa como “um ato irresponsável”. Para ele, o efeito prático seria “burlar” a Declaração Interpretativa do Brasil, documento que orienta a regulamentação sem comprometer a atividade legalmente constituída no país.“Com o banimento dos filtros, aumenta a evasão fiscal, cai a arrecadação e cresce o desemprego. Quem ganha é o crime organizado, que continuará comercializando cigarro ilegal com filtro”, afirmou. Segundo a entidade, o mercado ilícito, que já corresponde a quase 40% do consumo nacional, poderia dobrar. “Quem fuma cigarro com filtro não vai deixar de fumar, e não vai consumir um cigarro sem filtro. Vai migrar para o produto ilegal com filtro”, destacou. Alves avalia que a medida seria uma forma indireta de inviabilizar a indústria e os produtores brasileiros.

Saiba mais sobre os filtros

O cigarro com filtro é o formato predominante no mercado global. Para entender mais sobre a composição e fabricação deste produto, a reportagem solicitou informações à Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo). Confira a entrevista abaixo.

Do que são feitos os filtros?
Os filtros de cigarro são feitos principalmente de celulose, um polímero natural derivado da polpa de madeira, com adição de acetato, formando o acetato de celulose. Filtros de acetato de celulose não são derivados de combustíveis fósseis, ao contrário de 98% dos plásticos descartáveis.
Filtros de cigarro se biodegradam ao longo do tempo no ambiente, dependendo das condições locais.

Qual é a função de um filtro?
Embora todos os cigarros causem sérios riscos à saúde, os filtros podem reduzir as concentrações de alcatrão e outros constituintes nocivos da fumaça.

Por que o acetato de celulose é usado em filtros?
As fibras de acetato de celulose mantêm sua integridade estrutural e capacidade de reduzir o alcatrão, sem derreter ou degradar nas altas temperaturas geradas durante a queima do cigarro.

Por que outros materiais não são usados para fazer filtros?
Atualmente, não há substituto disponível publicamente para filtros de acetato de celulose que ofereça desempenho equivalente. Leis em mais de 80 países – incluindo todos os Estados-Membros da UE, União Econômica Eurasiana, Argentina, Brasil, Egito, Nigéria, Arábia Saudita, África do Sul, Vietnã e Reino Unido – regulam as emissões de fumaça usando critérios e limites desenvolvidos com cigarros de filtro de acetato de celulose. Banir esses filtros teria efeitos colaterais significativos nesses requisitos legais complexos.

Deputados se manifestam contrários à proposta

Deputados e secretários gaúchos também manifestam preocupação e contrariedade à proposta de banir os filtros de cigarros. O deputado estadual Airton Artus (PDT) critica a iniciativa e alerta para o aumento do mercado ilegal caso a proposta avance. “A retirada do filtro do cigarro é um absurdo e uma iniciativa de quem não conhece o setor e não conhece também o próprio mercado e o tabagismo. Se retirar o filtro do cigarro com o consumidor do século 21, que já não fuma mais palheiro, é evidente que esse fumante vai importar cigarro ou comprar no mercado clandestino. Se resolvesse o problema do tabagismo seria uma medida a ser avaliada. Como não resolve, nós vamos estar excluindo o mercado formal e formando um mercado informal, o que é ruim para todos”, avalia Artus, que é médico.

Para o deputado Marcus Vinicius de Almeida (PP), a medida, se for aprovada, representa “indiretamente a destruição do setor. O Brasil é uma referência na produção de cigarros com filtro. Os nossos agricultores trabalham nas lavouras para abastecer essas indústrias que abastecem o resto do mundo. Se o Brasil, que é proponente desta medida de proibir a fabricação de cigarros com filtro, não poder ter essa atividade, que interesse as empresas terão no próprio país? Qual o sentido de ver elas continuarem aqui? As empresas encontrarão outro rumo, outro caminho. E os nossos agricultores não terão para quem plantar, não terão para quem vender”, opina.
Deputado federal Marcelo Moraes (PL) afirma que a proposta vem na contramão da área da saúde. “O filtro vem justamente para tentar melhorar a condição sanitária da produção de cigarro. Segundo dizer que essa proposta não proíbe o plantio de fumo, mas ela acaba praticamente inviabilizando a produção de tabaco no nosso país. Mais do que isso, me intriga uma discussão da saúde, não ter como tema central a saúde, mas sim uma discussão ambiental. Mais estarrecedor ainda é o fato de o Brasil ser o proponente dessa proposta, que acaba prejudicando drasticamente a produção de fumo no nosso país.
Para o deputado Heitor Schuch (PSB), que também representa o Parlamento do Mercosul (Parlasul), “tirar o filtro do cigarro é como tirar o guardanapo da mesa. É antigênico, isso é desconfortável. Nós não podemos ser ignorantes e voltar para trás. Imagina um cigarro sendo produzido sem filtro. Isso é dar de bandeja mais uma grande fatia do mercado ao contrabando, ao descaminho, ao PCC, ao comando vermelho, que já comandam em alguns estados brasileiros a comercialização do cigarro ilegal. Isso também é dar de bandeja ainda mais espaço para a indústria paraguaia, que já coloca muito produto no Brasil”, pontua.
Para o deputado eleito e atual secretário de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul, Edivilson Brum, a medida é apresentada como solução ambiental, mas desconsidera efeitos sociais e econômicos. Ele enfatizou que a retirada dos filtros não reduziria o tabagismo, mas ampliaria o consumo de cigarros ilegais, especialmente de fábricas clandestinas e do contrabando vindo do Paraguai.

A discussão da proposta sobre os filtros de cigarros foi confirmada por Igor Barbosa, representante do Ministério das Relações Exteriores na Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco e de seus Protocolos (Conicq), durante uma reunião na sede da Delegação Permanente do Brasil Junto à Organização das Nações Unidas. Segundo ele, países estão procurando a delegação brasileira para saber mais detalhes da proposta.“Há uma preocupação ambiental e social com esse tema”, disse.
O setor industrial, representado pela Abifumo, SindiTabaco e SindiTabaco da Bahia, reagiu às falas sobre os filtros e questionou quais os estudos que estão sendo fontes para embasar a proposta. “A pauta dos filtros deveria estar sendo debatida na COP 30, não na COP 11”, pontuou o presidente da Abifumo, Edmilson Alves.

O que diz a delegação brasileira?

A reportagem do grupo Folha do Mate não teve credencial para participar da COP 11 – todos jornalistas da região Sul tiveram acesso negado – portanto, não tem informações detalhadas dos rumos da discussão deste projeto.
Às vésperas da conferência, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), que está representado na delegação brasileira, reforçou sua defesa pela proibição dos filtros. Em nota publicada na última sexta-feira, 14, o órgão afirmou que a medida é “urgente e necessária”. “O Inca defende ser imperativo que o Brasil proíba a comercialização de cigarros com filtros por ser uma medida de saúde pública e ambiental urgente e necessária”, diz publicação. “É preciso responsabilizar a indústria do tabaco pelos danos que ela causa e avançar para um futuro livre de tabaco e da poluição plástica que os produtos geram”, completa.
Em entrevista à Folha, antes da COP, a ex-chefe do Secretariado da Convenção-Quadro e atual secretária-executiva da Conicq, Vera Luiza da Costa e Silva, reforça que os filtros de acetato de celulose figuram entre os resíduos mais encontrados em praias e centros urbanos. Ela defende que o descarte seja classificado e tratado com protocolos específicos, considerando não apenas o plástico, mas também substâncias cancerígenas presentes nas guimbas (bitucas).

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