

Enquanto o Brasil sedia a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), outro encontro internacional também deve se debruçar a pautas ambientais: a 11ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (COP 11), promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O evento inicia nesta segunda-feira, 17, em Genebra, na Suíça, e reunirá representantes de mais de 180 países.
Entre as propostas que devem ganhar destaque está a que busca responsabilizar a indústria do tabaco pelos impactos ambientais do setor. O tema ganhou forçou na última COP, realizada no Panamá. Uma das medidas visa banir filtros de cigarros, ou seja, proibir que os cigarros sejam fabricados e comercializados com filtros.
Segundo representantes da cadeia produtiva do tabaco, ouvidos pela reportagem da Folha do Mate, se vier a ser aprovada, essa medida representaria um “efeito devastador” ao setor, além de refletir diretamente no aumento do mercado ilegal no país, que hoje já chega a 40%.
A delegação do Brasil buscará avançar com essa proposta na COP 11. Em notícia publicada no portal do Governo Federal nessa sexta-feira, 14, às vésperas da Conferência das Partes, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), uma das entidades líderes do combate ao tabagismo no país e representada na delegação oficial, declarou que quer a proibição do comércio de cigarros com filtros. “O Inca defende ser imperativo que o Brasil proíba a comercialização de cigarros com filtros por ser uma medida de saúde pública e ambiental urgente e necessária”, diz publicação. O Inca afirma que “é preciso responsabilizar a indústria do tabaco pelos danos que ela causa e avançar para um futuro livre de tabaco e da poluição plástica que os produtos geram”.
“É um ato irresponsável “, afirma Abifumo

Para a Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), a medida teria como efeito prático “burlar” a Declaração Interpretativa do Brasil, documento que orienta a regulamentação sem comprometer a atividade legalmente constituída no país. Segundo o diretor-executivo da entidade, Edimilson Alves, o impacto seria imediato e negativo. “Com o banimento dos filtros, aumenta a evasão fiscal, cai a arrecadação e cresce o desemprego. Quem ganha, caso isso seja implementado, é apenas o crime organizado, que continuará comercializando cigarro ilegal com filtro”, afirmou. Atualmente, quase 40% do cigarro consumido no país já é oriundo do mercado ilegal. Para a entidade, esse índice pode dobrar se a venda de cigarros com filtro na indústria legal for proibida. “Quem fuma cigarro com filtro não vai deixar de fumar, e não vai consumir um cigarro sem filtro. Vai migrar para o produto ilegal com filtro”, destacou. Alves avalia que a medida seria uma forma indireta de inviabilizar a indústria e os produtores brasileiros. “O que vejo em tudo isso é a tentativa de burlar a Declaração Interpretativa, na intenção de acabar com a indústria e com o produtor. Ao meu ver, é um ato irresponsável. Não há preocupação com uma cadeia produtiva que gera mais de 2 milhões de empregos diretos e indiretos”, concluiu.
Efeito global
Em ofício entregue por representantes da cadeia produtiva do tabaco a ministros brasileiros, no mês passado, o setor afirma que “se a proibição de filtros vier a ser apoiada no Brasil e aprovada na COP11, o efeito será global, pois o cigarro com filtro é o formato predominante do produto no mercado mundial. Não se trata de obsolescência de máquinas, mas da extinção do principal formato que hoje dá sentido a toda a cadeia produtiva”, diz o documento.
O que diz o Ministério da Saúde
A reportagem da Folha também contatou o Ministério da Saúde para divulgar as expectativas para o evento que marca os 20 anos do primeiro tratado internacional de saúde pública e perguntou a posição do ministério sobre a proposta de banir os filtros dos cigarros. Sobre os filtros, a pasta não respondeu.
A assessoria do Ministério da Saúde enviou uma nota, na qual diz que integra a delegação oficial brasileira na COP 11 representado por técnicos do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais. “Como referência mundial no controle do tabagismo, o Brasil buscará contribuir com a sua experiência acumulada na implementação de políticas baseadas em evidências. Um exemplo é o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT), que oferece às pessoas que desejam parar de fumar acolhimento, avaliação clínica, acompanhamento individual ou em grupo e, quando indicado, prescrição de medicamentos. Esse atendimento está disponível nas Unidade Básica de Saúde (UBS)”, diz a nota.
A Folha do Mate também perguntou sobre a possibilidade de o Brasil sediar uma edição da COP e perguntou como ocorre a definição do país-sede. O ministério informou que a “definição dos países-sede do evento segue um rodízio entre as seis regiões da Organização Mundial da Saúde. No ano passado, a Região das Américas sediou a COP 10 no Panamá”, finaliza a nota.
Protocolos de descarte
A ex-chefe do Secretariado da Convenção-Quadro, a médica brasileira Vera Luiza da Costa e Silva, que atua como secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle Do Tabaco (Conicq), destacou, em recente entrevista à Folha do Mate, que os filtros de cigarro compostos por acetato de celulose (um tipo de microplástico) representam um dos resíduos mais abundantes encontrados em praias e áreas urbanas, e defendeu que o descarte siga protocolos não só para o lixo plástico, como também para a liberação, no meio ambiente, de substâncias cancerígenas contidas no resto de tabaco que é descartado junto com o filtro através das guimbas consumidas. “O plástico, as baterias e os cartuchos de dispositivos eletrônicos para fumar representam um outro problema que merece atenção dos ambientalistas”, completou.