Por muito tempo, Eliza dos Santos Barbosa, 43 anos, viajou na carona do caminhão, ao lado do marido Josemar Luciano Wendt, 52 anos. Mas o que ela almejava, mesmo, era estar no volante. O desejo já era antigo, bem antes de conhecer Luciano, como é conhecido o companheiro, com quem está há seis anos. Natural de Canguçu, Eliza era esposa de um motorista de carreta com pneus e o acompanhava em viagens para o Paraguai. Depois de viúva, trabalhou como frentista e caixa em postos de gasolina. Foi no Posto Fita Azul, em Canguçu, que conheceu o atual marido, um grande incentivador para que ela se tornasse motorista profissional.
Neste ano, o sonho se tornou realidade, com a Carteira de Habilitação categoria E. Há pouco mais de um mês, ela virou colega de profissão de Luciano. Moradores de Linha Hansel, no interior de Venâncio Aires, os dois são motoristas de carreta contêiner e transportam produtos como ração e móveis.
Na carga dos veículos Volvo FH 2009, pilotado por ela, e do mesmo modelo ano 2019, conduzido por ele, chegam a carregar mais de 32 mil quilos. “Isso sem contar o peso do próprio veículo. Se for somar, dá 52 toneladas no total. Por isso todo cuidado é pouco, é preciso muita responsabilidade”, destaca Luciano.
Entre os principais destinos do casal conteineiro, como eles mesmos se definem, estão cidades da Serra Gaúcha, o porto de Rio Grande e o porto de Navegantes, em Santa Catarina. Para Eliza, sair para trabalhar sem uma rotina em um único lugar é uma das melhores coisas da profissão. “Nunca tem destino certo. Um dia vamos para serra, no outro precisamos ir para o litoral. Tem semanas bem cansativas, mas é muito bom”, afirma.
Como trabalham para a mesma empresa, Eliza e Luciano carregam os caminhões e seguem juntos para o destino. Com mais 30 anos de experiência na estrada, ele foi ‘professor’ dela, é a principal referência como caminhoneiro e segue sempre à frente na estrada. Ele se orgulha de ter contribuído para formar diversos motoristas, passando adiante a bagagem que adquiriu viajando pelo Brasil, macetes do dia a dia na estrada e uma forma de dirigir que tem como base o respeito e a cautela. “A Eliza é a sétima motorista que ajudei a formar. A todos eles, graças a Deus, nunca aconteceu nada.”
Entre eles está o filho dele, Igor, 25 anos, que trabalha para outra empresa. A caçula Laisa, de 16 anos, também já demonstra o desejo de se tornar motorista, assim como o filho de Eliza, Henrique, de 22 anos. “Quem sabe, no futuro, vamos virar uma empresa familiar?”, brinca ela, esbanjando bom humor e simpatia.
O que Eliza sabe, com certeza, é que já não se imagina fora da estrada. “Quero me aposentar em cima da carreta”, ressalta a motorista. Ela se orgulha de ser inspiração para outras mulheres. “Só conheço uma outra motorista de carreta, que é de Estrela. Nas empresas, quando chego para carregar, muitos se admiram ao descobrir que eu sou a motorista. O conselho que dou é correr atrás dos sonhos”, salienta.
Curiosidades do dia a dia
• Como para todos os caminhoneiros, o veículo é a segunda casa de Eliza e Luciano, já que passam boa parte do tempo nele – a trabalho e também nas horas de descanso, enquanto estão em outros municípios. O casal se divide entre as ‘duas casas’ que rodam pelas rodovias. O quarto fica no caminhão de Luciano. O almoço geralmente é feito por ela. Para isso, geralmente carrega a carreta dela primeiro, para se liberar e ir adiantando o preparo da refeição. “Temos uma rotina caseira, mas na estrada”, observa Eliza.
• O toque feminino se destaca na carreta de Eliza. Entre os detalhes estão as cortinas personalizadas do grupo de caminhoneiros Liberdade Estradeira. No parabrisa, o destaque são os bichinhos de pelúcia, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e um boneco de extraterrestre – um presente que recebeu da enteada Laisa como um amuleto, para a prova da habilitação e agora segue com ela pelas rodovias.
• O rádio também é um companheiro fiel, e os estilos de música preferidos da motorista são sertanejo e bandinha. “Gosto de cantar junto e volta e meia chamo o Luciano pelo rádio amador para brincar”, conta.
• Vaidosa, Eliza gosta sempre de estar bem arrumada enquanto trabalha. “Gosto de maquiagem e de estar com as unhas pintadas. Quando sobra um tempinho, aproveito para me arrumar, comenta.
Cuidar de si e dos outros, uma premissa de quem está há mais de 30 anos na estrada
Em mais de três décadas como motorista pelas rodovias brasileiras, Luciano Wendt viu muita coisa mudar. Se anos atrás o desafio principal era chegar a locais desconhecidos sem o auxílio da internet e de mapas digitais, para ele, atualmente, o trânsito passou a ser muito mais desafiador. “O campo de risco hoje é muito maior”, avalia. Além da desatenção, com muito uso do celular ao volante, ele também cita a forma agressiva de dirigir – a causa de muitos acidentes.
Defensor da direção defensiva, Luciano tem algumas ‘regras de ouro’ para a estrada, que busca passar adiante aos colegas de profissão, mas que servem para todos os motoristas, independentemente do veículo. Entre elas, estão manter um ritmo de velocidade sem correr (entre 75 e 80 quilômetros por hora); não andar ‘colado’ com outro carro; não tentar ultrapassar, se o trânsito não estiver fluindo, e nunca revidar, deixando-se levar pela raiva.
“Não se pode ser agressivo no trânsito. O motorista não pode ‘entrar no jogo’ do outro, porque assim deixará de ser profissional e pode atingir um inocente. Cada um tem o dever de cuidar de si e dos outros”, analisa. Ele observa que, em dias de chuva, o cuidado tem que ser ainda maior. “Um dia de chuva, com uma carreta carregada, é como andar com um revólver apontado para a cabeça”, compara.
“Uma regra básica é não ser agressivo no trânsito. Uma dica que sempre dou é: quando encontrar um caminhão ou outro carro pela estrada, imagina que é teu pai, tua mãe, teu filho que está naquele veículo. Assim, dirija com cuidado para dar segurança para eles.”
JOSEMAR LUCIANO WENDT
Motorista de carreta