Especialista em História e Cultura Afrobrasileira, o professor de História Jair Luiz Pereira explica que relacionar um indivíduo negro com um criminoso, pela cor da pele, é um ato de racismo. “Pelo simples fato de ter um fenótipo diferente, muitas vezes, o negro é relacionado a um marginal”, afirma.
Ele explica que essa ideia foi sendo construída, ao longo da história e que segue na sociedade, mesmo com as conquistas da legislação – que determina crimes de preconceito de raça e de cor – e do reconhecimento e da aceitação dos negros. “Apesar da luta pela identidade e igualdade social, o racismo foi sendo estruturado aos poucos no Brasil e ainda é um grande desafio.”
De acordo com ele, embora haja vários avanços, nos últimos anos, a segregação ainda ocorre e é velada. “O preconceito étnico-racial está presente no dia a dia da população afrodescendente. Quem não sofre na pele, dificilmente vai perceber ou tomar conhecimento do racismo”, enfatiza.
“O racismo não é mais tão escancarado, mas está presente no dia a dia, em olhares, na forma de tratamento, na ideia de marginal relacionada ao negro. O racismo no Brasil é estrutural.”
JAIR PEREIRA – Professor e especialista em História e Cultura Afrobrasileira
Na visão do professor, manifestações de representantes do Governo Federal, como o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, que recentemente chamou o movimento negro de “escória maldita” e criticou o Dia da Consciência Negra, têm contribuído de forma negativa para a questão racial. “Com isso, muitas pessoas se sentem mais à vontade para expressar seu preconceito. Estamos regredindo”, avalia.
Em contrapartida, o historiador acredita que a visibilidade dos casos pelas redes sociais é um aspecto positivo e pode ser uma aliada para a luta contra o preconceito. “É preciso continuar a denunciar e demonstrar o que está ocorrendo”, comenta. Da mesma forma, ele reforça a importância de as pessoas se posicionarem contra atos de racismo. “É preciso dar o exemplo para as crianças. Nelson Mandela dizia que ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da pele. ‘Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar’”, cita.
Movimento negro
Na opinião de Pereira, a reativação do Movimento Negro Unificado, em Venâncio Aires, é uma importante demanda, para colocar o racismo na pauta das discussões no município. “Temos várias entidades representativas, mas é importante a união como movimento para tratar questões pontuais, trocar ideias e servir de referência a quem está sofrendo racismo e precisa de amparo.” Ele lembra que o movimento foi criado na década de 1980 e, ao longo do tempo, contou com participação de pessoas que não eram negras. “Isso é muito importante, porque a ideia é unir, e não segmentar, para lutar contra o racismo.”
Construção histórica
Mestre em Desenvolvimento Regional, o professor Jair Pereira observa que, ao longo dos anos, foi se criando a ideia de que os negros são uma raça inferior. “Mesmo com a abolição da escravatura, os negros foram proibidos de ir à escola e de ter terras em seu nome, elas precisavam estar no nome de brancos. Da mesma forma, todas as expressões culturais, como jogos capoeira e danças afro, foram proibidas e passaram a ser vistas de forma negativa, como ‘macumba’”, comenta.
Outro ponto destacado por ele é a questão do trabalho. “Durante a escravidão, os negros eram considerados trabalhadores em diversas áreas. Inclusive, isso era identificado em anúncios de vendas de escravos. Mas, quando se começou o processo do fim da escravidão, o negro passou a ser considerado ‘vagabundo’”, contextualiza Pereira, ao lembrar que os afrobrasileiros foram fundamentais na construção e no desenvolvimento das cidades. “Isso ocorreu, inclusive, em Venâncio. A vinda dos imigrantes europeus só ocorreu no fim do século XIX.”