Pergunte a qualquer venâncio-airense sobre a origem da água que ele consome. A maioria dirá, com razão, que é do arroio Castelhano. De fato, a resposta é essa para mais de 47 mil pessoas que residem na área urbana. Mas outra parcela importante da população está no interior e, igualmente, precisa ter acesso à água potável.
Com 63 associações de redes hídricas na zona rural, as quais se organizam para ‘puxar’ água de poços artesianos ou vertentes, a maioria segue as normativas previstas pelo Ministério da Saúde. No entanto, atualmente 10 dessas associações optam pela não cloração e nem o acompanhamento de um técnico, o que tem preocupado o poder público.
Em números totais, são 4 mil residências, onde residem cerca de 11,2 mil pessoas. Destas, cerca de 1 mil consomem água sem nenhum tratamento. “É uma água sem segurança, que pode sim trazer problemas à saúde”, destaca o coordenador da Vigilância Sanitária do município, Everton Notti. Ao encontro dele, está a opinião da responsável pela vigilância da qualidade da água para consumo humano da 13ª Coordenadoria Regional de Saúde. Segundo Elira Pereira Dias, os problemas mais comuns em água não tratada são a presença de coliformes fecais. “Isso pode levar à diarreia, doenças intestinais e hepatite. Claro que ninguém é obrigado a nada, mesmo estando em lei. Mas se acontecer algum problema, não se pode culpar o poder público depois.”
A situação em algumas localidades do interior seria o principal entrave para dizer que a água daqui é ‘100%’. “Atingir 100% é pouco provável, mas ainda sim temos índices excelentes. O maior desafio é convencer as pessoas de que o cloro não faz mal. Isso está provado cientificamente e todo o mundo usa esses parâmetros”, destacou Notti.
“É preciso desmistificar o cloro”
Ponto central da discussão, o cloro é visto como mocinho por uns e bandido por outros. É ele o principal argumento das 10 associações de redes hídricas que não têm controle da água, entre elas, a Associação Abastecedora de Água de Linha Tangerias. Segundo o presidente Antônio Jandir Fernandes, a maioria bate o pé pela não cloração. “Ninguém quer. Já foi falado, mas dizem que não precisa, que sempre beberam água assim. Por mim colocaria, mas a decisão é da associação.”
Ainda conforme Fernandes, a mensalidade das mais de 70 famílias associadas é de R$ 25, o que daria para custear o tratamento e análise de um técnico. No entanto, as negativas seguem. “Recentemente pagamos uma multa de R$ 1,6 mil”, revelou.
Sobre multas, o coordenador da Vigilância Sanitária conta que algumas associações preferem a cobrança, do que seguir a legislação. “Isso que sempre há advertência, conversamos com todos. Há legislação federal que obriga a existência de um responsável técnico pela cloração da água.”
DESAFIO
Everton Notti diz que a restrição ao cloro é uma questão cultural e o desafio é mostrar que não há malefícios à saúde. Além disso, muitos pontos precisam, segundo ele, ser desmistificados. “Água com cloro tem um cheiro diferente, mas é isso. Se alguém ver água com aspecto leitoso, é por causa da pressão. Outra coisa que falam é que estraga a resistência do chuveiro e deixa resíduos na chaleira. Mas isso não é do cloro, e sim dos minerais de onde a água vem.”
O coordenador da Vigilância Sanitária disse ainda que há cerca de dois anos, durante audiência na Câmara de Vereadores, foi proposto às redes hídricas a cedência de um técnico químico, sem custos às associações. “Mas, dos que compareceram, a resposta foi não.”
Os casos específicos das redes hídricas sem o devido controle da água foram encaminhados ao Ministério Público. “Isso está determinado legalmente e ainda assim alguns não querem. Então encaminhamos ao MP, para que haja uma pressão.”
EXIGÊNCIAS
Verificar a potabilidade da água significa analisá-la para saber se o consumo é seguro, ou seja, se a ingestão pode ou não trazer riscos à saúde. Toda água destinada ao consumo humano deve obedecer a padrões de qualidade estabelecidos pelo Ministério da Saúde.
Segundo o coordenador da Vigilância Sanitária, Everton Notti, há vários parâmetros necessários para se garantir a potabilidade. Entre eles, é preciso estar atento à turbidez, à presença de coliformes totais, bactéria Escherichia Coli, flúor, cloro, cor e PH. Cada rede hídrica deve ter seu químico responsável técnico para realizar o controle.
Os dados são informados pelo Município ao Governo Federal por meio de um sistema, no qual a Secretaria Estadual de Saúde também tem acesso aos resultados. Além disso, periodicamente, são realizadas análises pela própria equipe da Vigilância Sanitária.
Redes hídricas que não utilizam cloro*
Associação Hídrica Amizade, de Linha Cecília – 30 famílias
Associação Hídrica Unidos de Linha 17 de Junho Alta, Linha 17 de Junho – 41 famílias
Associação Rede Hídrica 9 de Junho – Picada Tatu – 12 famílias
Associação Hídrica 22 de Janeiro, Linha Marechal Floriano – 33 famílias
Associação Hídrica Maria Madalena, Linha Maria Madalena – número não informado
Associação Hídrica Vertente Natural, Linha Marechal Floriano – 22 famílias
Associação Abastecedora de Água de Linha Tangerias – 71 famílias
Associação Hídrica União, Linha Santana – 55 famílias
Associação Hídrica Flor do Campo, Linha Campo Grande – 13 famílias
Associação Hídrica Picada Nova, Linha Picada Nova – 70 famílias
*As informações são da Vigilância Sanitária de Venâncio Aires.
1,6 – miligrama por litro é a concentração de cloro verificada na área urbana de Venâncio Aires. No interior, a legislação exige, no mínimo, 0,2.
“Temos água boa e segura para beber”
Das redes hídricas consideradas ‘em dia’ está a Associação Hídrica São Jorge, de Linha Travessa. Estruturada física e administrativamente, ela está localizada na propriedade de Alziro Heinen. Há quase oito anos, a diretoria é composta por Renato Sehnem (presidente), Holdimar Weber (tesoureiro) e Eldo Stertz (secretário).
São eles os responsáveis, seja para o ‘bom ou para o ruim’. “Se acontece alguma coisa, é com a gente. Então minha preocupação é com a qualidade da água”, destaca Sehnem. Embora reconheça que algumas das 45 famílias ‘torçam o nariz’ para o uso do cloro, ele entende que é preciso garantir que não haja problemas. “Os órgãos de saúde não exigiriam algo se não fosse realmente necessário. Então vamos manter tudo dentro da legalidade. Até agora, não tivemos problema. É uma água boa e segura, que todos bebem.”
A estrutura da rede hídrica foi construída sobre um poço de 65 metros de profundidade. É uma casinha de alvenaria, com energia elétrica e piso. Dentro, o motor que bombeia a água, o dosador de cloro e a tubulação de inox. Os investimentos custaram cerca de R$ 13 mil em 2011. “Precisamos manter tudo estruturado, fazendo manutenção quando necessária. Também estamos sempre de olho no dosador de cloro e tudo vai para análise”, conta o tesoureiro Holdimar Weber.
O custo mensal para cada família associada é de R$ 15, mas há casos de inadimplência.
ANÁLISE
A rede hídrica São Jorge, de Linha Travessa, tem como técnica responsável a química Ligiane Weber. Ela faz acompanhamentos semanais e análises mensais da água. “Dos que não querem cloro, dizem que a culpa é do técnico. Mas a cloração é uma determinação federal, que dá margem de segurança para uma água de qualidade”, explica.
Conforme Ligiane, no interior é comum problemas na tubulação, que aumentam os riscos de contaminação. “Uma água sem tratamento, é uma água sem controle. E precisamos estar seguros daquilo que ingerimos. Mantendo o controle, o cloro não faz mal.”
Em 2018, Venâncio Aires foi reconhecida como uma das duas cidades com melhor vigilância de qualidade da água para consumo humano no Rio Grande do Sul e é citada como exemplo no controle de análises.