Quinta-feira, 19h. Você chega em casa cansado após um dia corrido, pega o seu smartphone e abre o Instagram para rolar a linha do tempo e os stories. Após alguns minutos, a sensação de tristeza começa a tomar conta dos seus pensamentos, pois, até então, apenas momentos de felicidade e vidas perfeitas passaram por seus olhos. Essa pode ser a realidade de milhões de pessoas mundo afora, decepcionadas com sua vida depois de acompanhar tanta perfeição em redes sociais.
A psicóloga Susan Dettenborn explica que as redes sociais se transformaram em um meio onde os usuários mostram apenas aquilo que gostam que seja visto, ou seja, as melhores fotos, vídeos, sempre com o melhor filtro e a melhor pose. “Talvez ocasionado pelo medo de ser visto de outra forma. Isso gera uma reação dos seguidores de desacreditarem no seu próprio potencial, como se a competitividade para com o próximo seja incomparável”, cita.
“Hoje pensamos o termo toxicidade como um copo de veneno que podemos escolher beber ou não. Quando você opta por se expor, será julgado. A toxicidade faz com que as pessoas digam ‘você pode ser o que quiser’, mas precisa fazer isso e aquilo para ser aceito. Se entendemos os nossos valores, não entramos no ciclo de sofrimento de transformar a nossa vida e redes no que o outro quer ver.”
SUSAN DETTENBORN
Psicóloga
Foto: Susan
De acordo com pesquisas, o Instagram conta, atualmente, com mais de dois bilhões de usuários mensais ativos e 500 milhões ativos diariamente. O Brasil é o segundo país em número de perfis, atrás apenas dos Estados Unidos. Os números confirmam o acesso de forma frequente por boa parte das pessoas, mas Susan enfatiza que essa exposição em excesso tem relação com a necessidade dos usuários postarem todas as suas ações no dia a dia.
“Normalmente, está relacionada a uma necessidade de aceitação, para, na cabeça delas, viver e realizar suas escolhas. Criamos uma dependência dessas relações e da opinião dos outros para tomar decisões em nossas vidas”, analisa.
A psicóloga também lembra que existe um lado positivo nessa exposição em excesso, como a confiança após um retorno satisfatório. “Algumas pessoas passam a serem endeusadas e muito bem-aceitas dentro do seu nicho.”
Segundo Susan, o objetivo é ser aceito, mostrar para as pessoas que está tudo incrível. “Faz com que, quem assiste, também pense em postar exatamente o mesmo, pois para conquistar e ter sucesso é preciso ter essa vida. Perrengues sempre ocorrem, essa perfeição faz uma releitura da vida das pessoas”, pontua.
Influenciadora
Com mais de 27 mil seguidores no Instagram, a venâncio-airense Thalita Silveira começou sua trajetória com as redes após um projeto de emagrecimento que contou com uma redução de 30 quilos em seis meses e 40 quilos em um ano, em novembro de 2016. “Era um projeto de seis semanas, emagreci 12 quilos, mas passei fome, literalmente. Ganhei o projeto e continuei para compartilhar a minha história, e as pessoas foram se conectando, comecei a mostrar minha alimentação saudável, ritmo de exercícios e já dei até pitadas de maternidade”, detalha.
Thalita – que ficou marcada nas redes como alguém que emagreceu, ficou em forma e entrou em uma vida saudável –, explica que não quer ser vista apenas por esse estereótipo. “Não quero ser vista como uma mulher bonita porque sou magra, mas, sim, por outras qualidades”, frisa.
Cultura do cancelamento e haters
Outro termo que se tornou recorrente nos últimos anos é ‘cultura do cancelamento’. A definição tem relação com os ‘cancelamentos’ de indivíduos após alguma declaração ou ação – uma espécie de boicote ao conteúdo produzido pela pessoa ou empresa.
A psicóloga Susan Dettenborn acredita que as pessoas com mais dificuldades para serem aceitas na internet são aquelas com opiniões diferentes. “Atitudes agressivas e opiniões contraditórias em relação a grande maioria, seja política, de valores ou corpo. O que representa pessoas que não encaixam no conceito que a grande maioria aceita, e isso pode abalar psicologicamente.”
Já a influenciadora Thalita diz não sofrer tanto com os ‘haters’ – aqueles internautas que vão ao perfil apenas para criticar –, exceto em uma ocasião quando uma outra página repostou uma foto dela na praia. “Tinha um comentário: ‘claro que isso é cirurgia, olha o tamanho do umbigo dela’. Tenho cirurgia, uma abdominoplastia, antes do processo de emagrecimento. Acabei fazendo um story falando ‘gente, se vocês soubessem o quanto amo esse umbiguinho’. Não me ofendeu de maneira alguma”, brinca.
Mas a influenciadora não perde tempo e diz que jamais criticaria alguém no perfil dela. “Mesmo que não goste de algo, prefiro deixar para lá”, conclui.
O papel dos influenciadores
Segundo Thalita, a rede social consome demais da nossa vida. Ela acredita que quando se é sincero e fala a verdade para os seguidores, a conexão é instantânea. “Porém, alguns clientes não gostam. Ele quer você sempre feliz, magra, numa vida perfeita. Eu procuro sempre falar dos meus desafios, da rotina com meu filho”, detalha.
A psicóloga Susan enfatiza que os influenciadores têm em mãos algo delicado. Com a rapidez da internet, estes vão ter impacto nos cuidados e no modo de vida de quem os acompanha, pois são responsáveis por apresentar essa vida para muita gente. “Eles têm responsabilidade pela informação, mas não pela forma como atingirá as pessoas”, analisa.
Por isso, Thalita não curte perfis que mostram apenas pessoas felizes o tempo todo. “Não me conecto com esse tipo de perfil. Prefiro alguém que mostre seus perrengues, o que fica mais natural, não todos os dias, mas às vezes.”
A influenciadora explica que, no início, falava sobre alimentação com baixo carboidratos e dietas, mas que atualmente não concorda com esse tipo de conteúdo. “Agora, tenho uma nutricionista comportamental, que pode dar a melhor explicação, tomo muito cuidado com o que divulgo e sempre informo a necessidade de acompanhamento nutricional ou físico”, frisa.
Ainda assim, Thalita não discorda de procedimentos estéticos e semelhantes, pois, segundo ela, o que importa é o que faz a pessoa feliz. “Quer fazer e tem dinheiro? Faça. Eu faço botox e procedimentos estéticos, porém, entendo que tudo que é em exagero eu não faria.”
Para aliviar a pressão das redes sociais
Dicas da psicóloga Susan Dettenborn:
• Não acredite em tudo que vê e lê;
• Estabeleça momentos para usar as redes, não sendo uma obrigação e sim um lazer (para quem não trabalha com ela);
• Com crianças e adolescentes, é importante conversar sobre os riscos da internet e das redes sociais, além de ter um acompanhamento por parte dos pais;
• Não torne as redes sociais uma prioridade, o uso não pode ser uma necessidade.
Dicas de Thalita Silveira:
1 Não se compare a ninguém. Os influenciadores também têm problemas, nada é perfeito.
2 Caso esteja fazendo mal, busque ajuda e faça terapia.
3 Se alguém que você segue não está te fazendo bem, pare de seguir, não vá lá xingar, não aumente essa troca de energia negativa.
4 Se for preciso, pare um pouco e reduza o tempo nas redes.