Agroindústrias de Venâncio preocupadas com rigidez da fiscalização

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Produtores de Venâncio Aires se dizem incomodados com “excesso de exigências” para com as agroindústrias no município.

Uma troca de material, de equipamento ou um veículo específico. De um lado, a importância de manter o cumprimento das normas, de outro, exigências que viraram dor de cabeça. Nos últimos anos, cresceu o coro de reclamações das agroindústrias de Venâncio Aires em relação às cobranças, dependendo do caso, da Vigilância Sanitária ou do Sistema de Inspeção Municipal (SIM). Para entender o cenário, a Folha do Mate foi conferir a realidade de alguns empreendimentos e o clima entre os produtores é de preocupação e frustração.

Por gostar muito de preparar pães, bolos e bolachas, Ledi Maggioni, 57 anos, abriu a agroindústria de panificados caseiros em 2013, em Linha Arroio Grande. Foi uma forma de diversificar a propriedade, onde ela e o marido Arno, 62, cultivam tabaco. Na época, um financiamento de mais de R$ 100 mil foi feito para conseguir construir, equipar e ter um veículo para as entregas.

“A dívida no banco vai terminar em 2026, mas a preocupação não termina. Quando o pessoal da Vigilância vem, sempre acha defeito, implica com detalhes. Quando não é uma pinturinha numa porta, mesmo estando bonita e limpa, eles implicam. Implicam com as fôrmas, que precisam ser só alumínio, e não de folha. Mas se elas vêm junto com o forno, por que não posso usar?”, questiona Ledi, que segue com outro exemplo. “Se tenho figo no freezer, tem que ter a data. É normal dar uma fervura e guardar por um ano. Só que eles não aceitam, porque precisa ter data. Mas eu só guardo o que vou usar e o figo é gasto em oito meses, no máximo, e acabou.”

Angústia

Ledi destaca que o marido ajuda com as entregas, mas dentro da agroindústria ela trabalha sozinha, muitas vezes começando às 6h e parando à meia-noite. A empreendedora valoriza e agradece o apoio da Prefeitura (com os repasses anuais de R$ 5 mil), mas afirma que as cobranças intensificaram depois da pandemia. “O que mais me deixou angustiada, é que disseram que iam fechar minha agroindústria. Eu soube por terceiros. Sei que precisam fazer o serviço bem feito, mas não precisa exagerar. Longe de mim dizer que eles fazem o serviço errado, mas são muito rígidos.”

Ledi: “Se eu começar a fazer tudo que querem, meu quiosque não ficará mais rústico.” (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

“As pessoas gostam do simples”

Além da agroindústria, Ledi Maggioni montou, em 2017, uma estrutura em Linha Arroio Grande para café colonial nos meses frios. “Tenho fogão a lenha, pediram para colocar azulejo na frente, sendo que é para ser rústico. Querem buffet gelado para tortas em pleno inverno, sendo que tenho geladeira. Querem que coloque buffet a vapor para os pastéis, sendo que tenho fogão a lenha para colocar as pizzas e linguiça em cima. Se eu começar a fazer tudo que querem, meu quiosque não ficará mais rústico. As pessoas gostam do simples.”

Segundo a empreendedora, que participa frequentemente de atividades de boas práticas e excursões para conhecer outros espaços, há lugares no Rio Grande do Sul que são diferentes de Venâncio. “Visitamos algumas agroindústrias fora daqui para novas aprendizagens e vemos que em outras cidades é diferente, é bem mais fácil. As pessoas procuram produtos coloniais e se é pra gente ter tudo em ponto industrial, daí não é mais colonial.”

Segundo Ledi, foi pedido para ela desmanchar essa janela no quiosque, fechar a parede e colocar azulejo (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

“Já pensei em desistir, mas sonhei tanto. Vou lutar para não fechar a minha agroindústria.”

LEDI MAGGIONI – Empreendedora Rural

É importante melhorar, mas tem coisas fora do nosso orçamento”

Em Vila Palanque, onde a família Mallmann abriu a agroindústria de aipim descascado e congelado em 2013, o empreendimento passa por reformas. Pintura, colocação de azulejos, forro e outras melhorias. Tirando a mão de obra, os materiais foram custeados com R$ 5 mil repassados pela Prefeitura de Venâncio neste ano (também já receberam incentivo municipal anteriormente). “Tem muita coisa que a gente ia fazer de qualquer forma, porque a ideia é sempre melhorar a estrutura e continuar com a qualidade do produto. Mas algumas exigências da Vigilância em Venâncio são muito rígidas. Acho que em outros municípios não é tanto assim”, avalia Flavio Antonio Mallmann, 55 anos. Além dele, trabalham na agroindústria a esposa Isolaine, 47 anos, e o filho Diogo, 20.

Flavio Mallmann tem agroindústria de aipim descascado congelado em Vila Palanque. “Acho que não deveriam exigir tanto investimento depois de um ano tão difícil.” (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

Há quase 30 anos, quando tinham o tabaco como principal renda, começaram a vender hortifrútis. Aipim, batata, moranga e tudo mais que colhiam, vendiam diretamente ao consumidor. Com o aumento dos pedidos dos clientes, surgiu a oportunidade de abrir a agroindústria. “A gente começou com duas câmaras frias e três freezers, porque a luz era monofásica. Não conseguíamos estocar mais porque não tinha energia. A rede trifásica veio há dois anos”, relata Flavio, destacando que são plantados entre 50 mil e 60 mil pés de aipim por ano.

Ano difícil

Sobre as cobranças, Mallmann entende que, especialmente este ano, não deveriam exigir tantos investimentos. “Nos pediram para comprar um veículo com câmara fria para transportar, mas isso daria mais de R$ 100 mil. É importante melhorar, mas tem coisas fora do nosso orçamento.” Enquanto isso, o filho Diogo vai de moto para a cidade e volta com o caminhão da Cooprova (eles são associados da Cooperativa dos Produtores de Venâncio Aires), para então fazer as entregas. Acho que não deveriam exigir tanto investimento depois de um ano tão difícil. Sem falar que nos últimos quatro anos teve seca e excesso de chuva. Já houve muito prejuízo para o agricultor.”

Marilene Coutinho Mees, que faz compotas e conservas. “Poderia ser mais acessível para os produtores rurais.” (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

“Todo ano vem com coisas diferentes”

Também em Vila Palanque, Marilene Coutinho Mees, 60 anos, abriu a agroindústria de conservas e compotas em 2006. Ela relata que até hoje sempre cumpriu com tudo para ter os alvarás em dia, mas já sabe que em 2025 terá outras coisas por fazer. “A gente sempre tem que estar com adaptações e melhorias com a Vigilância. Não sei se isso é normal, mas todo ano eles vêm com coisas diferentes pra gente ir adaptando. Não é fácil, está cada vez mais difícil para as agroindústrias, para o pequeno produtor conseguir resolver.”

Ela entende que deveria ter um bom senso entre os envolvidos para resolver algumas coisas. “Claro que tem que ter adaptações e sempre garantir uma boa higiene e bom produto, mas que fosse mais acessível para os produtores rurais. Para alguns acho que fica muito caro para se adaptar.”

Sindicatos também mostram preocupação em relação às agroindústrias

A reportagem contatou as entidades representativas dos produtores. Questionado se as queixas em relação à fiscalização são corriqueiras, Luciano Walker, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Venâncio Aires, afirmou que, em contato com alguns produtores, eles dizem que está forte a pressão em cima das agroindústrias. “A pressão quer dizer que vem sofrendo praticamente a mesma inspeção que um grande frigorífico. Então muitas vezes fica difícil fazer adequações, porque se tornam caras. Quero deixar claro que o STR sempre vai estar a favor de que a agroindústria entregue um produto de altíssima qualidade e dentro dos padrões de exigências impostos. Mas sabemos que hoje tem leis estaduais que regem também e está se padronizando a exigência a um nível muito alto, que nossas agroindústrias não conseguem atingir.”

Segundo ele, uma das preocupações é a possibilidade de fechamento. “De tanta exigência não se consegue mais cumprir, os valores não são atrativos e ninguém consegue trabalhar sem renda. Então acho que todos os envolvidos, junto com Emater, sindicatos e Prefeitura, precisam sentar e conversar, para manter a qualidade, mas também manter o agricultor produzindo e não trazendo ele de novo para a monocultura. É conversar para que ninguém saia prejudicado.”

Presidente do Sindicato Rural, Ornelio Sausen, também se disse preocupado. “É algo que preocupa, porque daqui a pouco muitos vão fechar e ninguém mais quer abrir. Claro que tem que ter capricho e limpeza, mas temos escutado muita reclamação, de que tem muita exigência. Sabemos que em outros municípios as cobranças são mais brandas”, relata Sausen.

Inspeção diferenciada para as agroindústrias

Edson Schwendler, 46 anos, abriu a agroindústria de mel em 2004, em Linha Olavo Bilac. Ele diz que não tem grandes queixas, mas, mesmo assim, entende que “algumas coisas são abusivas”. “Tive que comprar um medidor de cloro digital, usava outro e nunca deu problema a análise de água. Foram em torno de R$ 600 no aparelho, sendo que no mel não vai diretamente água no produto. Só é usado para lavar os equipamentos, balde e mesa.”

Para Schwendler, uma agroindústria teria que ter uma inspeção diferenciada e não, nas palavras dele, equivalente a um frigorífico. “A questão do mel, quando eu abri e até 2010, tinha em torno de 10 agroindústrias. Hoje tem três. Isso passa muito pelo rigor, por certas regras exigidas e que as pessoas não vão se adequando. Circulei por vários lugares e tem lugares que é mais branda a legislação. Do jeito que está, muito difícil alguma agroindústria surgir nova. Eu, se fosse começar hoje, não começaria.” Em 2023, a Casa do Mel Schwendler se tornou a primeira agroindústria de Venâncio a obter o Selo Arte, uma certificação que permite a venda a nível nacional.

Emater e Cooprova

A reportagem contatou também duas entidades que trabalham diretamente com os produtores. Pela Emater, o chefe do escritório local, Vicente Fin, afirmou que, quando há muita rigidez, melhora a questão sanitária e de infraestrutura, mas, ao mesmo tempo, joga para a ‘periferia’ uma quantidade de agroindústrias. “Isso, em vez de trazê-las para estarem à vista, pode contribuir para a própria perda de conhecimento cultural das famílias. Temos que tentar o desenvolvimento para isso, incluir o máximo de agroindústrias, porque daqui a pouco vão começar a ir para a clandestinidade e o Município também vai perder com isso.”

Já pela Cooperativa dos Produtores de Venâncio (Cooprova), a presidente Mônica Moraes preferiu não comentar o assunto. Da mesma forma, a reportagem procurou mais três agroindústrias (além das quatro citadas nesta matéria), que também preferiram não falar.

Coordenador da Vigilância Sanitária: “Procuramos sempre usar o bom senso”

Segundo o coordenador da Vigilância Sanitária de Venâncio, Gabriel Alves, há, de fato, extensa legislação no ramo da alimentação e a legislação não diferencia indústrias de grande porte ou de pequeno porte. Ele explica que não há critérios objetivos a serem aplicados para agroindústrias que diferenciem a obrigatoriedade de cumprimento de requisitos entre uma agroindústria familiar ou uma grande indústria.

Ainda conforme Alves, a legislação aplicada nem é municipal, mas sim federal, com normas da Anvisa, e estadual, como o Código Sanitário Estadual (Decreto Estadual 23.430/74). O coordenador afirma que a Vigilância Sanitária Municipal tem se atido, principalmente, às condições de limpeza, organização e conservação. “Tem sido encontradas situações flagrantes de falta de higiene, sejam nas áreas físicas e equipamentos, assim como deterioração de equipamentos, mobiliário e das áreas. Em algumas situações, não há sequer organização da produção, sendo armazenados produtos sem identificação de data de fabricação, sem rotulagem. Não podemos generalizar, mas são situações presenciadas frequentemente.”

Segundo Gabriel Alves, boas condições de higiene é o básico para qualquer estabelecimento que pretende fornecer alimentos e, quanto a isso, não há constância em determinados locais. “Procuramos sempre usar o bom senso e a razoabilidade, apesar de que a legislação é cogente, todos devem cumprir e o trabalho da fiscalização é fazer ela ser aplicada. Temos que parabenizar os estabelecimentos que têm consciência da importância de fornecer alimentos seguros e produzidos sob condições adequadas.”

Orientação

Para o coordenador da Vigilância, as entidades responsáveis pelo fomento do ramo deveriam prestar assessoria mais frequente aos estabelecimentos que têm dificuldades e orientá-los corretamente sobre a legislação em vigor, de modo que estejam preparados para fiscalizações. “O que vemos é uma campanha de desinformação e desserviço, sempre tentando colocar a população contra os órgãos de fiscalização e os fiscais, que apenas cumprem as funções pelas quais têm o dever funcional e que são pagos para fazer.” Gabriel Alves destaca ainda que deveriam ser focados esforços na criação e fomento de políticas públicas para melhor assessoria, orientação e capacitação dos empreendedores. “De modo a não apenas estarem de acordo com a lei, mas também terem rentabilidade financeira, venderem mais e possuírem condições financeiras satisfatórias.”

SIM

Daniel Terra Leite, coordenador do Sistema de Inspeção Municipal (SIM), serviço que fiscaliza os estabelecimentos de produtos de origem animal, comentou que todos municípios têm legislações que devem ser seguidas, que a Secretaria de Desenvolvimento Rural está de portas abertas, mas que até o momento não chegou nada para ele. Dessa forma, sugere uma reunião com os representantes das agroindústrias para saber da real queixa ou queixas.

Secretaria de Desenvolvimento Rural

O secretário de Desenvolvimento Rural, Ricardo Landim, destaca que Venâncio Aires é referência no assunto, tanto que há permissão de comercialização intermunicipal e interestadual de produtos. Ele lembra que o município já foi case de uma equipe do Nordeste, que acompanhou o trabalho realizado com o setor. Ressaltou também sobre o compromisso e do bom empenho da equipe, que realiza o trabalho e está aberta para qualquer diálogo e entender as necessidades.

“A Secretaria de Desenvolvimento Rural tem tudo registrado e documentado. Há lei com as especificações adequadas do setor e precisamos segui-las. Portanto, estamos disponíveis e reuniões já são realizadas pensando no bom funcionamento de cada agroindústria.”

Atualmente, Venâncio tem 24 agroindústrias em funcionamento, conforme a Emater.

“São feitas reuniões de alinhamento frequentes com o setor. Já vem sendo estudados cases para adaptação e atualização a boas práticas com a realidade das agroindústrias.”

JARBAS DA ROSA – Prefeito de Venâncio



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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