Carro-chefe das conservas, pepino virou desafio para agroindústrias e produtores

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Em qualquer refeição, seja no dia a dia, seja naquele churrasco com os amigos, uma opção prática para a salada acaba sendo o tradicional pepino em conserva. Mas, o que talvez muita gente não saiba, é que esse processo, até chegar às prateleiras dos supermercados, não tem sido tão simples assim. É possível dizer, usando a velha gíria, que conseguir pepino para fazer conserva virou, literalmente, um ‘pepino’ para resolver.

Em Venâncio Aires, por exemplo, os responsáveis pelas agroindústrias relatam dificuldades para encontrar a hortaliça. “Diminuiu muito a produção local. Nos últimos anos, muitos começaram, mas desistiram. Infelizmente, os hortifrutis não têm o reconhecimento que deveriam ter”, afirma Inácio Roberto Guterres, que tem agroindústria em Linha Bela Vista há cerca de 20 anos.

Inácio Guterres relata dificuldade para repor produção, que vem caindo nos últimos anos (Foto: Débora Kist/Folha do Mate)

O reconhecimento ao qual se refere é sobre a condição de acessar financiamentos específicos e contar com uma segurança na produção. “Temos que pensar o pepino para ter uma produção direta o ano todo, e isso seria possível em estufa. Mas o investimento é alto e precisaria ter um acompanhamento técnico constante, que o produtor se profissionalizasse mesmo.”

No caso dele, 60% do pepino que envasa são produção própria. “Geralmente faço uma safra, de outubro a janeiro, e depois uma safrinha. Mas, em 2023, nem fiz, porque aqui virou um ‘nordeste’. Mesmo dentro da estufa, se não tiver água, tu vai perder.” Guterres, que chegou a fazer 10 mil vidros por mês em 2017 (aqui também somando beterraba e minimilho, por exemplo), hoje faz apenas 3 mil. “Caímos 70% a produção e não conseguimos repor. E a demanda segue maior que a oferta. Esse assunto virou um ‘pepino’ mesmo.”

Marcos Schons, que tem agroindústria de conservas em Vila Estância Nova, vai ao encontro da avaliação de Guterres. “Seria muito importante um incentivo. Porque a agroindústria pequena não consegue estocar, então precisaria de uma produção constante. Só que, para isso, o agricultor tem que ter estrutura. Venda sempre tem, mas nossa dificuldade é a parte primária dessa produção. Então, tem que ter mais auxílio técnico, mais apoio de sindicatos e poder público e fomento por parte dos bancos”, considera.

Busca em Minas Gerais

Dentro de Venâncio Aires, parte da produção que vira conserva é produzida em localidades como Linha Bem Feita, Vila Teresinha e Linha Madalena. Também há muita procura em municípios da região, como Passo do Sobrado, Vale Verde, Canudos do Vale e Rio Pardo.

Mas, como o volume não tem sido suficiente para a demanda das agroindústrias na região, tem pepino vindo do norte de Minas Gerais, especificamente de um município chamado Jaíba. “Lá, esse município e outros no entorno têm muito investimento focado nisso. Tudo é produzido a céu aberto, mas irrigado. Essa região manda oito carretas de pepino por semana para o Sul do Brasil. Então, essa falta não é só nossa. Santa Catarina e Paraná também têm dificuldade”, explica Gerson Luís Alf, que mantém agroindústria de conservas em Mato Leitão.

Atualmente, 60% dos pepinos que envasa são cultivados no estado mineiro. Questionado sobre a necessidade de irrigação para a produção local, Alf é categórico: “Mesmo com estufa, se não tiver fonte de água, vai dar problema. Perdi quase 80% da produção esse ano porque secou tudo por aqui. E precisa cerca de 5 litros de água por dia para cada pé de pepino.”

Custo de produção

Além dos incentivos e reconhecimento à produção de hortifruti, produtores também comentaram sobre as dificuldades com a elevação dos preços. “O vidro se pagava R$ 0,25 e hoje é quase R$ 2. Houve uma disparada de preços e nem metade desse aumento a gente coloca na venda final”, comenta Inácio Roberto Guterres.

No caso da hortaliça in natura, comprada diretamente do agricultor, Gerson Alf, de Mato Leitão, diz que o valor do quilo era menos de R$ 4 em 2019 e hoje chega a até R$ 6. “Mesmo que nem tudo do custo de produção é contabilizado e repassado, claro que o consumidor final sente a diferença. A conserva está mais cara.”

Para Paulo Sulzbacher, que planta pepino há mais de 20 anos em Linha Marechal Floriano, o valor mínimo que deveria ser pago pelo quilo da hortaliça é de R$ 10. “Pelo menos isso, porque depois da pandemia tudo triplicou.” Ele cultiva dois mil pés.

Sulzbacher também entende que é preciso pensar em incentivos gerais para a cultura. “Tem que ter financiamentos mais acessíveis, para se ter um seguro. E tem que ter água. Ano passado, pelo menos umas 20 estufas me ofereceram, de gente que desistiu do hortifruti para voltar para o tabaco. Eu consigo manter duas estufas porque tenho dois açudes. Se não, não teria como.”

O que dizem Cooprova e Emater

De agricultores que hoje integram a Cooperativa de Produtores de Venâncio Aires (Cooprova), o pepino cultivado é oferecido praticamente apenas para a venda direta ao consumidor. “Anos atrás tinha bastante produção, mas muitos acabaram se frustrando, porque é um serviço bem complicado e exige muitos defensivos, fator que encareceu muito a produção. Então, hoje, só vai para a agroindústria quando sobra algo. E tem faltado para as agroindústrias. Nesse período de entressafra, a maioria não tinha”, comentou a vice-presidente da Cooprova, Mônica Moraes.

O chefe do escritório local da Emater, Vicente Fin, também falou da necessidade de ‘tratamento’ que a planta exige e do quanto isso eleva os custos para produzir. “As empresas procuraram fazer sementes com alta tecnologia, com qualidade e produtividade, mas ainda são suscetíveis a doenças e pragas. E, mesmo dentro da estufa, devido ao clima quente, ainda há as doenças foliares, que precisam ser tratadas. São vários fatores que ajudam a explicar o custo de produção.”

Números

• Conforme dados da Emater, há cerca de oito anos Venâncio Aires tinha 54 famílias que cultivavam 130 mil pés de pepino e colhiam, por ano, até 225 toneladas. Hoje, são 17 produtores no município, envolvendo tipo indústria e salada em feiras, com cerca de 50 mil pés e 80 toneladas anuais.



Débora Kist

Débora Kist

Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) em 2013. Trabalhou como produtora executiva e jornalista na Rádio Terra FM entre 2008 e 2017. Jornalista no jornal Folha do Mate desde 2018 e atualmente também integra a equipe do programa jornalístico Terra em Uma Hora, veiculado de segunda a sexta, das 12h às 13h, na Terra FM.

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