Exemplo de sucessão familiar: em Linha Sexto Regimento, localidade da região Serrana de Venâncio Aires, o tabaco já está na quinta geração de uma família.
Entre as 3,6 mil famílias produtoras de tabaco em Venâncio Aires, conforme dados da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) referentes à safra 2023/24, existe uma característica em comum na grande maioria delas, se não na totalidade: o cultivo que passou de geração para geração. O ‘fumo’, como é popularmente chamado, remete ao pai do pai, ao pai do avô e, às vezes, volta ainda mais na árvore genealógica. Trata-se de uma cultura que cresce pela região do Vale do Rio Pardo há mais de 100 anos e muita dessa história fez o tabaco se tornar e o que ainda é: o carro-chefe da economia local, seja pela representatividade nas lavouras ou pelas indústrias.
Trajetória na região Serrana
Em Linha Sexto Regimento, localidade da região Serrana de Venâncio Aires, o tabaco já está na quinta geração de uma família e envolve os sobrenomes Eichler, Renz e Bohn. A história de sucessão familiar começou há cerca de 130 anos, com Eduardo Eichler (1875-1954), que tinha apenas dois anos quando os pais deixaram a Alemanha com destino ao Brasil. “Meu vô materno plantou fumo”, conta Lodvino Renz, hoje com 90 anos e que, até os 80, ‘bateu ponto’ na lavoura de tabaco.
O aposentado é filho de Reinoldo Renz e Otília (filha de Eduardo Eichler) e os pais também sempre tiveram no tabaco a principal renda. “Para pequena propriedade, em Venâncio, acho que sempre foi o mais importante. O sustento”, define Lodvino. Com a esposa Sibylla (já falecida), teve uma única filha, Loreni, hoje com 66 anos.
Loreni casou com Nelcido Bohn, 69 anos, e o casal, assim como os antepassados, seguiu a tradição de ter o tabaco como a principal cultura na propriedade. “A gente sempre plantou alimentos para nosso consumo. Anos atrás criamos porco e vaca de leite, mas os preços sempre mudavam muito. Então o fumo salvou o ano muitas vezes. Nossas conquistas vêm dele”, relata a agricultora.
Volta para casa e a sucessão familiar
Loreni e Nelcido tem três filhos: Graziele, 38, empreendedora em Lajeado; o caminhoneiro Adriano, 44; e Clóvis, 46, que também trabalhou como caminhoneiro, conheceu praticamente todo o Brasil e, há cerca de 14 anos, decidiu voltar para as origens. “A gente se acostuma com o interior, gosta e era o tempo que o pai e a mãe precisavam decidir se seguiam com a atividade. Então também voltei para ajudar e acabei seguindo na agricultura”, explica o filho mais velho dos Bohn.
Clóvis conta que eles decidiram investir e isso passou pela aquisição de implementos, maquinário, instalação de duas estufas elétricas e um trabalho forte de manutenção do solo, com palhada para cobertura. “Muita coisa evoluiu na produção de tabaco. No tempo do vô era na base da enxada e do boi”, observa o agricultor, referindo-se aos tempos de Lodvino.
Clóvis é casado com Adelaide, 38 anos, e tem dois filhos: Felipe, 13, e Eduarda, 10, ambos estudantes da Escola Estadual Sebastião Jubal Junqueira, de Vila Deodoro. Perguntado se as crianças podem ser a sexta geração da família trabalhando com tabaco, Clóvis prefere não arriscar. “Quem sabe? Mas o futuro eles decidem.” Quanto aos possíveis resultados da atual safra, o produtor se diz satisfeito com o que tem colhido. “Estou com expectativa boa e tem tudo para ser uma boa safra. O tabaco, para nossa família e tantas outras em Venâncio, sempre será importante. É o principal sustento de muitos.”
A vitalidade de Lodvino
Para o patriarca da família, no auge dos seus 90 anos, sobra lucidez para narrar as memórias de toda uma vida dedicada à agricultura. Lodvino Renz conta que, dias depois de casar com Sibylla (1938-2000), na noite de São João de 1956, foi à base do machado e do serrote que eles fizeram lenha para usar na secagem do tabaco. Poucos anos depois, quando Loreni ainda era pequena, conseguiram construir uma casa ‘melhor’ e até compraram um ‘auto’ – um Ford 1934.
O aposentado se diz feliz pela única filha ter seguido na agricultura, junto com o genro, e pela sucessão familiar também com o neto Clóvis. Há cerca de 10 anos, Lodvino não participa mais diretamente da lida na lavoura de tabaco, mas isso não significa que não percorra os caminhos íngremes das terras da família, onde a vista também alcança partes de Vila Deodoro e Linha Andréas, entre a região Serrana e o Vale do Sampaio.
No dia que a reportagem da Folha do Mate esteve em Sexto Regimento, o aposentado, mostrando uma vitalidade invejável, ‘puxou’ a frente no caminho até a lavoura, sendo que apenas improvisou uma bengala com um galho quebrado para firmar melhor os passos. “Eu sempre vou olhar”, afirma, referindo-se ao tabaco. Além disso, ele não deixou totalmente a roça, e revela que gosta de capinar e cuidar dos pés de aipim, feijão e da horta. “Enquanto eu puder, vou fazendo. Faz bem para mim.”