Junior Haas, diretor da Haas Madeiras, e o produtor e fornecedor de eucalipto Zaquiel Martini, de Boqueirão do Leão (Foto: Renan Zarth/Terra FM)
Junior Haas, diretor da Haas Madeiras, e o produtor e fornecedor de eucalipto Zaquiel Martini, de Boqueirão do Leão (Foto: Renan Zarth/Terra FM)

Como o eucalipto se tornou alternativa de desenvolvimento para quem planta, corta e beneficia madeira na região de Venâncio Aires.

A idade média de uma floresta de eucalipto, para o ponto de corte, geralmente é de 15 anos. Pode parecer um período longo, demorado até, ‘esperar’ por esse crescimento até o momento ideal para cortar, vender e a madeira seguir para o beneficiamento. Mas, na região serrana dos Vales do Rio Pardo e Taquari, o que inclui o município de Venâncio Aires, o tempo do eucalipto ganhou outra proporção. Isso porque as ‘colheitas’ em torno dessa espécie de árvore vêm aumentando nos últimos anos em outros aspectos, beneficiando produtores, prestadores de serviço e a indústria.

Um passo importante para estimular a cadeia da madeira na região foi dado por uma empresa venâncio-airense. A Haas Madeiras, de Linha Brasil, implementou o projeto Fomento Florestal Haas de Árvores Plantadas em 2020. Com ele, além de buscar formas de suprir a demanda por madeira, tem incentivado a diversificação com o cultivo de eucalipto, utilizando terras subaproveitadas.

Para o diretor da empresa, Junior Haas, a região serrana dos Vales tem potencial para ser um dos grandes polos florestais do Brasil. “Nossa região tem aptidão florestal natural, é montanhosa e pedregosa, onde é inviável, muitas vezes, ter outra atividade devido à necessidade de mecanização. Então no momento que insere uma atividade florestal de alta produtividade e que consequentemente vai trazer uma renda que faça sentido pro produtor, não estamos diminuindo a área da soja, da pecuária ou tabaco, por exemplo. Hoje temos disponibilidade e potencial na região que, se explorado, não vai diminuir as outras atividades. Ele é complementar”, destaca Haas.

Objetivo maior

Ainda conforme o empresário, o fomento florestal é uma iniciativa para falar diretamente com o produtor, incentivando-o a fazer o plantio e oferecendo assistência técnica e mudas. Mas ele entende que o programa tem um objetivo maior, que é a atividade da empresa na localidade onde está instalada há mais de 50 anos: Linha Brasil. “Muitos produtores que não participaram inicialmente do fomento florestal, se integraram nas cadeias de abastecimento e hoje vendem pra Haas. Percebemos ao longo do tempo que, nossa atuação e o fato de as pessoas verem que a empresa está aqui há 50 anos e planeja estar aqui nos próximos 50 também, traz um desenvolvimento muito grande pra região.”

Movimento natural

Junior Haas considera interessante o desenvolvimento via mercado, por pura ‘lei de oferta e demanda’, sem um controle central. “Pelo fato de a Haas comprar com frequência, toda uma cadeia está se formando ao natural. O pessoal que, até então só conhecia floresta para lenha ou tora, entendeu o nosso trabalho e está agregando mais valor, com mais segurança.”

O empresário observa que, com esse movimento, ocorre naturalmente a formação de hub (conexão), em ciclos que se retroalimentam. “Um compra, outra planta. Desenvolve o plantador, desenvolve o viveiro. Por ter os prestadores de serviço, mais gente planta. Por ter mais floresta, mais gente se instala para consumir. É um trabalho de médio e longo prazos, não acontece de um ano para outro, mas voltar os olhares para a região serrana, já traz frutos interessantes.”

Atualmente, empresa de Linha Brasil conta com nove fornecedores de eucalipto (entre quem planta e corta) Foto: Renan Zarth/Terra FM

180 fornecedores de eucalipto em cinco anos

  • Entre 2020 e 2024, a Haas já comprou eucalipto de 180 fornecedores (cadastros únicos) de 37 municípios, a maior parte da região serrana dos Vales, como Venâncio Aires (35) e Herveiras (28). Segundo a Haas, a grande maioria são produtores de pequeno porte.
  • Na lista, também estão Encruzilhada do Sul, Santa Cruz do Sul, Cachoeira do Sul, Sinimbu, Boqueirão do Leão, Butiá, Gramado Xavier, Rio Pardo, Taquari, Vale do Sol, General Câmara, São Jerônimo, Sério, Dom Feliciano, Arroio dos Ratos, Barão do Triunfo, Barros Cassal, Gravataí, Progresso, Santa Maria, Vale Verde, Amaral Ferrador, Camaquã, Canguçu, Cruzeiro do Sul, Estrela, Forquetinha, Mariana Pimentel, Mato Leitão, Minas do Leão, Nova Bréscia, Passo do Sobrado, Santa Clara do Sul, Santana da Boa Vista e Vera Cruz.
  • Em 2025, a Haas já comprou eucalipto de 35 fornecedores (entre quem planta e corta). Atualmente, são nove os que fornecem a madeira, que vêm de Venâncio e outros municípios da região que ficam num raio de 120 quilômetros da empresa.

Eucalipto é carro-chefe de família em Boqueirão do Leão

Em muitas das propriedades da região serrana onde se encontram florestas de eucalipto, a principal atividade é o tabaco e as árvores foram e ainda são transformadas em lenha para secar as folhas. Esse cenário está em Venâncio Aires e nos municípios vizinhos de ‘serra’, caso de Boqueirão do Leão. Lá, a família Martini plantou tabaco durante décadas, mas, nos últimos três anos, fez do eucalipto o carro-chefe da propriedade em Linha Data. “Meu pai [Sérgio, 71 anos], plantava para secar o fumo. Durante muitos anos também vendemos a madeira para tábua. Mas há três anos decidimos só plantar eucalipto. Vendemos os toretes para a Haas e as toras e lenha para serrarias”, explica Zaquiel Martini, 36 anos.

O produtor mantém eucalipto em 30 hectares, mas também compra de outras áreas no entorno. Para isso, conta com o próprio maquinário. Investir em equipamentos, no caso um harvester (máquina florestal para colheita de madeira) e um trator com grua, também foram consequência dessa dedicação exclusiva à cultura da madeira. “Até quatro anos atrás, a gente plantava tabaco, mas com a mão de obra escassa, partimos pro eucalipto e compramos maquinário. Fomos plantando mais e colhendo mais. Todo mundo precisa de madeira. Vai plantando para o consumo e ainda faz uma renda extra, cultivando áreas paradas”, avalia Zaquiel Martini.

Você sabia?

  • De acordo com a Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor), o eucalipto é uma árvore bastante versátil e com inúmeras aplicações industriais. Algumas espécies são utilizadas para a produção de celulose, enquanto de outras são extraídos óleos essenciais com os quais são fabricados produtos de limpeza, alimentícios, perfumes e remédios.
  • Com a madeira, tradicionalmente, são produzidas madeira serrada, tábuas, sarrafos, lambris, ripas, vigas e postes tratados, chapas para uso na construção civil e rural, na indústria moveleira, produção para fins energéticos como lenha e carvão. A celulose de eucalipto é reconhecida internacionalmente, sendo o Brasil o maior produtor.

As florestas brasileiras, sejam naturais ou plantadas, geraram produção econômica de R$ 44,3 bilhões em 2024. Esse valor representa crescimento de 16,7% em relação ao ano anterior. Os dados fazem parte da pesquisa Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura, divulgada pelo IBGE.

Haas investe em área experimental para silvicultura

Com o intuito de qualificar as florestas de eucalipto da região, a Haas Madeiras deve começar, em cerca de três meses, um forte trabalho com silvicultura (ciência que estuda as maneiras naturais e artificiais de restaurar e melhorar as florestas). Isso ocorrerá numa área de 20 hectares em Linha Cachoeira, interior de Venâncio Aires, e que tem as características mais marcantes da região serrana: temperaturas mais baixas e terreno pedregoso.

Segundo o diretor Junior Haas, com uma silvicultura de ponta, a ideia é aumentar a produtividade e qualidade dessas florestas. “Consequentemente vamos ter mais matéria-prima pra todos que precisam e mais dinheiro no bolso do produtor. Então a ideia é a gente ter a melhor silvicultura adaptada pra nossa região e isso só é possível a partir de testes, na nossa área experimental, pra identificar qual espécie mais faz sentido pra nossa região. É um conhecimento criado aqui para os produtores que têm ideia de investir aqui.”

Ainda conforme o empresário, hoje um produtor faz uma área de floresta com 15 a 20 anos. Já com a silvicultura que será desenvolvida, a expectativa é de que esse corte ocorra em 10 anos. “Vamos ter uma mesma área, com 50% mais de produtividade.”

Área de 20 hectares, em Linha Cachoeira, servirá para testes da Haas com silvicultura (Foto: Renan Zarth/Terra FM)

Manejo do eucalipto

Henrique Silveira dos Santos, coordenador florestal da Haas Madeiras, explica que o objetivo é desenvolver o melhor manejo para aplicar o material genético. “O eucalipto tem várias espécies de material genético, então cada uma é delas é específica para determinado tipo de atividade cultural na questão comercial, como celulose, madeira serrada e moveleiro. Vamos focar em 10 espécies e cada uma delas vai ter um trato cultural, seja ela com preparo de solo, outro com coroamento [base limpa] e coveamento [dimensão da cova] e cada uma delas vai ter uma forma de aplicação de adubo. O objetivo é entender como aquela muda vai suportar.”

Segundo Santos, com essa melhoria de qualidade, é esperado o dobro de produção atual encontrada na região. “Com manejo, espaçamento e adubação específicos, esperamos que ela produza 40 metros cúbicos, até 45, por hectare ao ano. Isso equivale a uma produtividade considerável pra região. Hoje tem florestas na região que não têm esse mesmo manejo, têm menos desenvolvimento e a ideia é fazer com que os produtores produzam florestas comerciais com várias finalidades.”

Potencial multimercado

Segundo o empresário Junior Haas, o foco da empresa é na madeira multimercado. “As grandes empresas que desenvolveram a silvicultura no Brasil atuam com celulose, tem genética produzida pra ela. Agora, a madeira ideal pra produzir celulose, não é a mesma pra fazer a cura do tabaco, não é a mesma pra fazer lenha ou cavaco pra indústria e não é a mesma pra serraria.” Com isso, Haas entende que, para o produtor local, existe um potencial comercial interessante, que é vender pra diferentes mercados. “Entendemos esse fator como chave, mas para isso precisa ter uma floresta multimercado, com características que supram todos, pra esse produtor ter segurança, com mais opções de venda.”

Sustentabilidade social e econômica

Junior Haas também chama atenção para a importância da sustentabilidade do setor, que envolve todos os envolvidos no processo. “Sustentabilidade envolve tirar uma nota fiscal quando se vende um caminhão de lenha, porque isso garante que o município vai receber impostos e reverter em melhorias nas estradas, por exemplo. Envolve que pessoas que trabalham tenham carteira assinada, para garantir melhor qualidade de vida e segurança previdenciária, além de uma remuneração justa. E envolve não suprimir áreas de florestas nativas para transformar em áreas comerciais. Esse tipo de abordagem vai trazer um resultado financeiro e social.”

30% – do total de eucalipto comprado atualmente pela Haas é extraído da região serrana de Venâncio Aires e municípios vizinhos. Há quatro anos, o número era praticamente zero.

Toretes de eucalipto chegam na indústria com cerca de 2 a 3 metros de comprimento e diâmetros que variam entre 15 e 30 centímetros (Foto: Renan Zarth/Terra FM)

Paletes: a base para quase todos os produtos

O eucalipto que é cultivado e colhido pela família Martini, por exemplo, em Boqueirão do Leão, tem seu ciclo fechado quando entra na indústria. A Haas Madeiras, de Venâncio Aires, acaba se envolvendo em todas as etapas, mas a atenção fica para a parte industrial. Dentro da empresa, que ocupa uma área construída de 16 mil metros quadrados em Linha Brasil, à margem da ERS-422, a madeira é transformada em paletes e biomassa, como a serragem. Da serragem, é produzido o pellet, um biocombustível.

Os paletes de madeira são os principais produtos da empresa e a base para logística e armazenamento de praticamente todos os produtos, chegando a todo o Rio Grande do Sul e parte de Santa Catarina, Paraná e São Paulo. “98% de todos os produtos que consumimos, em algum momento, tocaram um palete de madeira. Aqui temos produtos que vão transportar alimentos, medicamentos, produtos químicos e petroquímicos”, explica Junior Haas. Segundo o empresário, são produzidos em torno de 100 mil paletes por mês. “Serramos em torno de 4 mil metros cúbicos de madeira de eucalipto por mês, o que exige cerca de 500 hectares de floresta por ano.”

Henrique Silveira dos Santos, coordenador florestal da Haas, e Junior Haas, diretor da empresa, junto à área de expedição da indústria, onde ficam os paletes (Foto: Renan Zarth/Terra FM)

Produção e qualidade

Junior Haas destaca que tem percebido, cada vez mais, uma integração com a comunidade próxima. “Hoje o produtor que antes tinha a floresta exclusivamente pro seu autossustento de lenha, se fizer uma floresta comercial, de alta produtividade, vai ter uma floresta que pode comercializar conosco e vai receber mais. E também o pellet que produzimos aqui, serve pra cura do tabaco, oferecendo uma melhor qualidade na secagem e uma automação que traz uma melhor qualidade de vida ao produtor. Então fechamos um ciclo para uma floresta muito mais saudável, produtiva e com valor comercial.”

Números da madeira em Venâncio

Segundo o chefe do escritório da Emater, Vicente Fin, o setor tem crescido nos últimos quatro anos. “Eucalipto é o principal. É um segmento importantíssimo e que se continuar se organizando, pode melhorar mais. Hoje, 70% da madeira do município está na região serrana. É uma atividade, depois do tabaco, muito importante, porque as famílias enxergaram que, naquelas áreas difíceis de trabalhar, que a madeira é uma possibilidade de renda. A tendência futura é aumentar mais.

De acordo com a Emater, Venâncio tem 3.050 hectares de madeira plantados. Isso corresponde aos valores extraídos entre ovênia, pinus, plátano, acácia e eucalipto. “Mais de 85% é eucalipto do reflorestamento total, ou seja, 2.612 hectares”, destaca Vicente Fin. A média geral da madeira é de 385 metros cúbicos por hectare ano em Venâncio.

Considerando apenas o eucalipto, a principal árvore plantada no município, são 785 famílias que têm florestas na propriedade. Conforme o chefe da Emater, a maior parte tem idade aproximada de 20 anos. “Essa madeira foi plantada também por uma insistência da extensão rural com apoio do poder público, onde foi criada uma política de reflorestamento paralela com o incentivo das indústrias de tabaco para fins energéticos. Hoje, além da lenha para secar o tabaco, se tem esse grande potencial para venda a empresas de beneficiamento.”

R$ 6,8 milhões – foi o que a madeira e a lenha contribuíram dentro do Valor Bruto da Produção Agrícola (VBPA) de Venâncio Aires em 2024. O montante é 78% maior que o de 2021, quando somou R$ 3,8 milhões.