*Por Ana Carolina Becker e Rosana Wessling
Por 35 anos, a rotina do casal Lori Schlosser dos Santos, 61 anos, e Osmar Maria dos Santos, 67 anos, era acordar cedo, preparar um chimarrão e abrir as portas do armazém, em Linha Cipó. O estabelecimento de secos e molhados era referência na localidade que faz divisa com Linha Cachoeira, pois o casal vendia alimentos, produtos coloniais e, inclusive, roupas.
Hoje, entre as quatro paredes que ainda levam a cor verde, restam apenas os móveis e lembranças das muitas histórias e diversões vividas ali. Na porta principal, cartazes ainda remetem aos eventos da comunidade e região. Entre uma prateleira e outra, calendários antigos também mostram que o tempo passou, mas as lembranças ficaram.
Escorada no balcão, onde por muitos anos atendeu inúmeros clientes, Lori recorda das dívidas deixadas pelos consumidores, mas guarda com carinho o tempo em que foi a “dona da venda” e das vezes que riu das brincadeiras e apostas que ocorreram na mesa do bar, que ainda está no mesmo local, à direita de quem entra. “Eu sempre comprava dez quilos de salame defumado por semana para vender. Os clientes comiam aqui enquanto conversavam e tomavam uma bebida. Um dia inventaram de fazer uma competição de quem comia mais, teve um senhor que comeu tanto que no outro dia só conseguia beber água. Passou mal”, recorda Lori, entre risos.
Ela também recorda das inúmeras vezes que atendeu batidas na porta à noite para vender algum tipo de mantimento ou bebida para vizinhos. Também fazer parte das memórias da aposentada os momentos que aconteceram algumas confusões no estabelecimento. “Tinha vezes que precisava tirar eles aqui de dentro. Deixava brigar na rua e, às vezes, até levava uns arranhões”, conta, mais uma vez, rindo das lembranças, sem deixar de negar a saudade que sente da época em que seu compromisso era cuidar da venda.
Casamento
Lori, natural de Linha Leonor, conheceu Santos em uma festa da comunidade. Ele era músico e se apresentava em quermesses. “Eu era tecladista, gaiteiro e vocalista. Aprendi com meu pai a tocar gaitinha de oito baixos quando ainda era criança”, lembra Santos, que passou pelas bandas Irmãos Böhm, Legal Som e Elenco Musical.
Após alguns anos, os dois se casaram e foram morar em Linha Cipó, de onde Santos é natural. Enquanto conciliava a rotina de comércio, Lori também recorda sobre o cuidado com os sogros João Maria do Santos Filho, conhecido como João Duca, e Rosalina Florentina dos Santos. “Os sogros cuidaram durante muito tempo da venda, mas antes disso o comércio já passou por muitas famílias”, diz. A última, antes dos Santos, a ocupar a casa e venda que chega aos 100 anos, foi a família Eiffler. “A madeira é forte, é pinheiro amarelo, nem sei de onde conseguiram isso antigamente”, indaga.
Casados há 42 anos, hoje restam apenas lembranças em meio a uma rotina dividida entre o trabalho na lavoura e o cuidado com os animais. “A gente até poderia ir para a cidade, mas gostamos dos bichinhos e de trabalhar na roça”, afirma Lori.
Na ‘venda’ e no salão, os reflexos do tempo
Depois de passar oito anos fechado, o espaço onde funcionou a ‘Bodega do Osmar Maria dos Santos’ ainda tem os móveis na mesma disposição. Algumas roupas, no armário atrás do balcão principal, ainda aguardam por uma comercialização que talvez nunca ocorra. Um pedaço da história que ficou para trás, devido às dificuldades impostas pelo tempo. Alguns moradores, segundo Lori, deixaram a localidade para viver na cidade e buscar uma “educação melhor para os filhos.” Reflexo disso é o salão de festas, construído pelo casal ao lado da bodega, que recebia grandes comemorações, como a Festa do Fumo e do Colono Imigrante. “Aqui nós nos divertimos muito”, complementa.
Hoje, no espaço anexo à venda, as festas já não ocorrem mais desde que está em vigor a lei ‘Boate Kiss’, que instituiu uma segurança maior nas casas de festas. “Como não temos filhos, não valia a pena investir sem saber quem daria continuidade, aí fechamos”, explica.
Outra dificuldade encontrada pelo casal Santos é a falta de moradores na comunidade, o que também diminuiu o número de sócios da Sociedade Recreativa Girassol, fator que contribuiu para o encerramento das atividades do salão e do armazém. “Muita gente ainda pede para abrir o salão porque essa era uma das únicas coisas para se divertir no fim de semana. Por isso, a gente mantém a cada dois meses os jogos de bolão de mesa”, complementa.
Ligação com o armazém
O salão Osmar Maria dos Santos foi ‘palco’ de muitas cerimônias e comemorações religiosas. Na memória do casal, casamentos e bodas estão entre as principais lembranças.
‘Colados’, o salão e a residência foram sofrendo adequações ao longo dos anos. Um exemplo disso são os banheiros feminino e masculino construídos em uma espécie de ‘área’, em frente à venda, mas que também servia para os dias de festa.

Saiba mais
- Ao lado da porta do armazém ainda está fixado um informativo da escola Maria Quitéria, mas devido ao tempo, já não é possível mais ler todo o texto.
- Lori também guarda, em um cantinho do armazém, as bandeiras da Sociedade Recreativa Girassol.
- O amor pelos bichos também é visível nos sete gatos que o casal tem dentro de casa.
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