Quem um dia imaginou que o arroz, uma das partes mais importantes do prato brasileiro e presença garantida na cesta básica, pudesse ser motivo de tanta polêmica nas últimas semanas? Fato é que, desde as chuvas e consequentes enchentes de maio no Rio Grande do Sul, o grão esteve no centro das discussões de toda a cadeia produtiva, especialmente depois que o Governo Federal anunciou que importaria arroz, sob argumento de que queria evitar aumento no preço devido a uma possível queda na oferta, já que 70% da produção nacional cresce em solo gaúcho.
Tão logo essa possibilidade foi ventilada, o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) apresentou números de que a safra 2023/24 de arroz no estado deve ficar em torno de 7,1 milhões de toneladas, mesmo com as perdas pelas inundações. O número é bem próximo ao registrado na safra anterior, de 7,2 milhões de toneladas. Ou seja, a entidade entende que o arroz gaúcho é suficiente para abastecer o mercado brasileiro, sendo desnecessária a importação do grão. Isso, mesmo com as enchentes, porque quando elas aconteceram, 84% da safra já estava colhida.
Segundo o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho, o que já estava colhido tem boa produtividade e, dentro dos 16% que ainda tinha para colher, a quebra deve ficar em cerca de 300 toneladas. “A própria Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] apresentou números de que a safra nacional seria maior esse ano, com cerca 10,5 milhões de toneladas, 500 toneladas a mais. Então mesmo com essa quebra no Rio Grande do Sul, não vai diminuir o total do país.”
Alexandre Velho também criticou a decisão governamental num momento tão delicado para os gaúchos. “Mostra falta de sensibilidade. Essa compra é desnecessária e precipitada, porque estão colocando recursos onde não precisa. Esse recurso deveria ser usado para ajudar a reconstruir.”
Custo de produção
O presidente da Federarroz também comentou o fato de o governo propor importar a R$ 5 o quilo para vender por R$ 4. “Tem que considerar o custo de produção que deve chegar, pelo menos, a R$ 95 o saco de 50 quilos.” Além disso, Alexandre Velho, que cultiva arroz há quase 40 anos no litoral, entende que um valor mais barato no supermercado também é relativo para o consumidor. “Hoje fica entre R$ 5 e R$ 6 o quilo, que é suficiente para alimentar uma família na semana e que sai por R$ 0,25 a refeição. Se tiver arroz ainda mais barato, hoje não cobre o custo de produção e isso pode contribuir para um desestímulo. E o brasileiro está acostumado com um arroz de qualidade.”
“Muitos devem desistir”, apontam agricultores
Com 5 mil produtores gaúchos e cerca de 200 municípios que têm parte da economia atrelada ao arroz, o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) revela preocupação com a manutenção da cadeia produtiva. “Nenhum negócio se sustenta sem resultado e isso pode desestimular ainda mais o produtor”, destacou Alexandre Velho. Segundo ele, há cerca de 12 anos, era 1,2 milhão de hectares no estado e hoje gira em torno de 900 mil hectares. “Se diminuir cada vez mais a área, aí sim pode faltar o produto e encarecer ainda mais.”
Em Venâncio Aires, as palavras ‘desestímulo’ e ‘desistência’ também vêm sendo comentadas pelos produtores. Na opinião de Fábio Kessler, que planta arroz em Linha Arroio Grande, Venâncio Aires, e na Várzea dos Camargo, em Passo do Sobrado, a decisão governamental de importar pode fazer com que mais produtores deixem de plantar. “Viemos de anos de estiagem e muitos já desistiram e foram para a soja. Se o governo comprar e vender mais barato, para o consumidor vai ser bom agora, mas logo adiante vai dar problema, porque vai taxar o valor igual para todos. Então quem vai pagar essa diferença?”
Kessler acredita que arroz não vai faltar, mas também não vai sobrar, como em safras anteriores. “A maior parte já estava colhida. Seria importante o produtor ter um incentivo agora, porque além das perdas em lavouras, se perdeu maquinário, silos e comprometeu o solo, com a erosão. Se esse tipo de medida continuar, muitos devem desistir.” No caso dos Kessler, a área em Arroio Grande já estava colhida antes de maio e do que ainda tinha por colher na Várzea dos Camargo, o excesso de chuva e enchente devem acarretar entre 20% e 30% de quebra.
Alexandre Pires, que planta cerca de 250 hectares de arroz em Vila Arlindo e cuja chuva de maio ‘apenas’ atrasou a colheita, também lamentou o momento do setor. “Para mim, o vendaval da Sexta-feira Santa [29 de março] deitou a lavoura e isso prejudicou o desenvolvimento. Em maio, a chuvarada atrasou mais a colheita, que já vinha atrasada porque tivemos que adiar o plantio no ano passado, devido ao excesso de chuva em setembro. Mas e quem perdeu tudo agora?”
Para Pires, que lida com arroz há 40 anos, a importação pode desestimular ainda mais o produtor e pode acarretar em mais desistências. “Não acredito em falta de arroz, porque logo na frente já tem colheita de novo. Não tem motivo para importar. Mas se isso continuar e o produtor daqui não ter incentivo, aí sim pode faltar, porque vai ter gente desistindo”, avalia, revelando, ainda, que para a próxima safra vai diminuir 100 hectares da área de arroz para ocupar com soja.
Chuva compromete 340 hectares em Venâncio
De 2021 ‘para trás’, Venâncio Aires manteve média de 1,8 mil hectares de arroz, mas o número caiu nos últimos três anos, afetado, em parte, pela desistência de produtores preocupados com a estiagem. São atuais 50 famílias produtoras.
Na safra 2023/24, houve um aumento de área plantada em relação à safra passada, bem como havia projeção de uma colheita ‘mais pesada’. De acordo a Emater local, os 1.650 hectares plantados, com média esperada de 8 mil quilos por hectare, deveriam render 13 mil toneladas. No entanto, com os impactos da chuva foram perdidos 340 hectares, o que deve causar uma quebra de 2,5 mil toneladas. Ou seja, agora, a colheita tende a fechar em 10,5 mil toneladas.
R$ 5,2 milhões – é o prejuízo financeiro estimado no arroz com o excesso de chuva e enchente de maio em Venâncio.
Média do arroz 2 kg – levantamento mensal da Folha do Mate em 2024
• Janeiro: R$ 11,35
• Fevereiro: R$ 11,35
• Março: R$ 11,31
• Abril: R$ 12,05
• Maio: R$ 12,09
• Junho: R$ 12,39
Governo anula leilão, mas novo procedimento será realizado
Na terça-feira, 11, o governo federal decidiu anular o leilão para compra de 300 mil toneladas de arroz beneficiado importado. A partir da anulação, os mecanismos para a realização de leilão serão revistos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com apoio da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU). A Conab também solicitou à Polícia Federal uma análise de todo o processo envolvendo o leilão.
O governo afirma que quer assegurar que as empresas participantes tenham a solidez que uma operação desse porte exige e garantir transparência no processo. “Nenhum centavo do dinheiro público foi gasto até agora. A segurança jurídica e o zelo com o dinheiro público são princípios inegociáveis. É isso que justifica a decisão tomada”, afirmou o presidente da Conab, o gaúcho Edegar Pretto. Ainda conforme ele, um novo leilão será realizado, mas ainda não há data para isso. “Vamos revisitar os mecanismos estabelecidos. Pretendemos fazer um novo leilão, em outros modelos, para ter as garantias de que vamos contratar empresas que tenham capacidade técnica e financeira.”
Edegar Pretto explica que a importação de arroz via leilão não era feita de 1987 e a decisão atual “foi exclusivamente olhando nesse momento para o elo mais fraco nessa relação que são os consumidores. Tivemos a catástrofe no Rio Grande do Sul e problemas logísticos. O preço para o consumidor aumentou muito. Temos previsão de consumo 11 milhões de toneladas, então não tinha outra forma se não trazer de fora a parte perdida.”
O leilão anulado somava 263 mil toneladas das 300 mil previstas. O preço médio atingido foi de R$ 24,98 a R$ 25 pelo saco de 5 quilos. A compra também gerou descontentamentos no meio político. O deputado estadual Marcus Vinícius de Almeida (PP-RS), por exemplo, pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) para suspender a autorização dada à Conab.