Colaborou Marina Mayer
Quem passa pelos corredores dos supermercados nota o aumento no valor dos produtos, especialmente os ligados à alimentação. Com o leite, item considerado básico para muitas famílias, não é diferente. Em um comparativo de junho do ano passado com o mesmo período deste ano, o leite integral teve uma alta de 97%, quando passou de R$ 3,79 para R$ 7,49.
Para esse cálculo foi utilizada como base uma única marca do alimento, a mesma consultada mensalmente durante o levantamento da cesta básica realizado pela Folha do Mate. Ainda conforme a pesquisa de preços, em janeiro deste ano, o produto registrava valor de R$ 2,69, já em abril passou para R$ 4,58, e neste mês o valor do leite saltou para R$ 7,49. A alta nesses últimos seis meses contabiliza 178%, o que representa uma elevação de R$ 4,80 no valor da mercadoria.
A elevação do preço reflete diretamente no bolso do consumidor. Ilse Weber, 60 anos, por exemplo, escolhe o leite que vai ingerir conforme o valor, por isso sempre aposta nas promoções. A moradora do bairro União, que consome, em média, dois litros de leite por semana, afirma perceber a alta no valor do produto. O leite, nas diversas marcas e tipos, no supermercado consultado pela reportagem no fim da tarde da terça-feira, 21, variava de R$ 5,89 a R$ 7,49.
Cenário
Segundo o secretário-executivo do Sindicato das Indústrias de Laticínios do RS (Sindilat), Darlan Palharini, no ano passado grande parte das indústrias de laticínios fecharam as contas no vermelho. “Em 2021, o mercado não aceitava que o valor fosse reajustado”, observa. Entretanto, a partir de abril deste ano, houve uma mudança nesse cenário, especialmente porque diminuiu a oferta de leite.
Ele pontua que entre os fatores que colaboraram para isso estão a estiagem e os preços dos insumos. “Tivemos produtores que não suportaram esse período de resultado negativo ou muito próximo a zero”, relata. Palharini também ressalta que todo reajuste feito no valor dos produtos pela indústria, também é repassado para os produtores de leite.
De forma geral, ele avalia que a falta de produto no mercado, por causa da queda na produção, colaborou para o aumento do preço praticado. “É o cenário perfeito em termos de lei de oferta e procura. Não tem o produto e o atacado começou a aceitar o reajuste, porque não tinha onde buscar o produto mais barato”, explica.
Para o secretário-executivo do Sindilat, o cenário é bastante complicado. “Sabemos que a classe C para baixo não está conseguindo ter renda para suportar os reajustes, principalmente nos três produtos considerados de consumo de massa [leite UHT, leite em pó e queijo mussarela]. Mas, se não atualizarmos esses preços, inviabilizamos totalmente a produção de leite no campo e a atividade da indústria. Estamos naquela questão do cobertor curto: eu cubro a cabeça e descubro os pés. É um momento bastante delicado”, analisa.
Para os próximos meses, Palharini acredita que pode haver estabilidade do valor cobrado pelo leite. O ponto negativo, é que será em um patamar de custos elevado. “Não vejo condição macro de produção para que tenhamos uma superoferta de leite”, acrescenta. Nesse sentido, ele comenta que o maior desafio para a indústria é conseguir ter estabilidade em relação aos custos.
De acordo com o representante do Sindilat, todos os alimentos subiram e o leite foi um dos últimos produtos a passar por essa majoração. Ele ainda esclarece que em outros estados e até mesmo no mercado internacional, essa alta do valor do leite também está acontecendo, o que demonstra que esse não é um cenário apenas regional.
“Passamos, bem-dizer, 15 meses sem reajuste e com todos os custos aumentando. Era uma questão de custos represados que, em algum momento, ou você inviabilizada toda a atividade da cadeia leiteira ou repassa o preço. Foi o que ocorreu.”
DARLAN PALHARINI – Secretário-executivo do Sindilat
Reajuste
De acordo com o secretário-executivo do Sindicato das Indústrias de Laticínios do RS (Sindilat), Darlan Palharini, o aumento que está sendo percebido no preço do leite faz parte de um cenário econômico que tem relação com o ano passado. Ele explica, que em 2021, a indústria reajustou o valor de referência da matéria-prima repassado ao produtor em 13,33%. Já no período de janeiro a junho deste ano, a correção foi de 61,37%.
Nos três principais produtos, considerados como itens de consumo de massa – leite UHT, leite em pó e queijo mussarela -, os percentuais de reajuste, em 2021, foram de 1,28%, 5,23% e 4,75%, respectivamente. No primeiro semestre deste ano, a correção foi de 57,81% no leite UHT, 31,82% no leite em pó e 48,33% no queijo mussarela.
Palharini ressalta que esses percentuais são referentes aos preços da indústria até o atacado. Neles não estão inclusos o índice até o consumidor final. A referência desses dados é o Conselho Paritário Produtores/Indústrias de Leite do Estado do Rio Grande do Sul (Conseleite/RS).
Languiru ressalta efeitos na captação
• Por meio da assessoria de imprensa, o presidente da Cooperativa Languiru, Dirceu Bayer, informou que a captação de leite no campo começou a sentir os efeitos, especialmente no último trimestre de 2021. Ele observa que nesse período, a ração alcançou níveis muito altos. Além disso, a relação do valor recebido pelo litro de leite e o pago pelo quilo do concentrado se inverteu, desestimulando o produtor a investir na alimentação.
• “Veio a estiagem e a colheita de silagem foi insuficiente em termos de quantidade e qualidade. Nos últimos meses, o alto custo do óleo diesel, fertilizantes e defensivos, pressionou ainda mais o custo e desestimulou a oferta do campo. A oferta internacional de leite também se mantém tímida ultimamente, o que sinaliza pouca oferta, inclusive, no mercado internacional”, avalia.
• A direção da Languiru também comenta que o momento é de entressafra, o que contribui para a pouca entrada de leite nas indústrias. “Este primeiro trimestre do ano registra cerca de 10,3% a menos de entrada de leite. Com a cotação do dólar nos níveis atuais, não estão ocorrendo grandes negociações nas importações para que ocorra a entrada de leite, impreterivelmente o mercado necessita mudar e o espaçamento de tempo para esta entrada de leite leva meses. Estes aumentos estão sendo registrados não só no leite UHT, mas sim em toda cadeia do leite e seus derivados”, salienta o presidente.
Dália avalia fatores que influenciam o preço
• Também por meio da assessoria de imprensa, o presidente do Conselho de Administração da Dália Alimentos, Gilberto Antônio Piccinini, e o supervisor comercial da cooperativa, Elton Lima, observaram que vários fatores incidem no preço do leite. Contudo, o destaque fica a cargo dos aumentos nos custos com os insumos, no frete, especialmente por causa do combustível, as embalagens e a energia.
• Eles explicam que a lei da oferta e demanda, como o leite UHT, faz parte da linha de commodities [produtos de origem agropecuária ou de extração mineral em estado bruto ou com pequeno grau de industrialização]. O preço também é regulado pelo mercado com base na disponibilidade e no consumo.
• “É importante ressaltar que, em alguns meses do ano, as empresas têm a necessidade de vender o leite com preços bem abaixo do valor de custo de produção, porque a demanda está baixa e os estoque estão altos, ou seja, quem de fato regula o preço é o mercado. Além disso, por causa das dificuldades de produção, muitos produtores param com a atividade e isso faz com que diminua a litragem/mês”, mencionam.
• Outro fator mencionado pela Dália Alimentos é a sazonalidade, pois neste período do ano é natural que o consumo seja mais elevado, em razão do contexto climático.
Desafios para fazer as contas fecharem no campo
Por trás do valor pago pelo litro de leite pelo consumidor final, existe uma cadeia que também sofre com as oscilações econômicas. Na ponta dela, estão os produtores rurais que apostam na atividade. Exemplo disso é o casal Auri Metz, 61 anos, e Adriane Meri Metz, 46 anos, moradores de Centro Linha Brasil, no interior de Venâncio Aires.
Os produtores avaliam que hoje o preço que recebem da indústria pelo litro de leite está razoável, pois em maio, por exemplo, o valor foi superior ao gasto com o quilo da ração. No mês passado, eles receberam R$ 2,52 pelo litro (com bonificação) e investiram R$ 2,39 no quilo da ração. Entretanto, essa sobra não acontece sempre.
Para se ter uma ideia, em fevereiro deste ano, o casal recebeu R$ 1,84 pelo litro de leite, também considerando as bonificações oferecidas pela cooperativa, e gastou quase R$ 2,83 com o quilo de ração. “A pior época é dezembro, janeiro e fevereiro, quando cai o consumo de leite e recebemos menos pelo litro”, relata Auri.
Para este mês, há uma expectativa de aumento no valor que vão receber da cooperativa, mas ainda não é possível saber qual é o percentual. Os agricultores mencionam que o maior desafio hoje é conseguir equilibrar o que ganham com a venda do alimento, os custos de produção e o aumento do valor de insumos.
Além disso, outro fator que dificulta a vida dos agricultores é a estiagem. “A silagem ficou comprometida e com isso se tem diminuição do teor de proteína”, observa Auri. A base da alimentação do rebanho do casal, formada por 21 animais – desses 13 são vacas em lactação – é, principalmente, silagem, ração e pastagem.
Neste ano, os moradores de Centro Linha Brasil inovaram e investiram na pastagem de inverno de trigo, além do tradicional azevém. A produção diária de leite é de, em média, 200 litros. Apesar de se dedicarem ao leite, o carro-chefe da propriedade é o cultivo de tabaco e de milho para venda do grão. As atividades do casal também são divididas com o filho William Ariel Metz, 24 anos.
Custos de produção
O relato dos produtores de leite da Capital do Chimarrão vão ao encontro da percepção do engenheiro agrícola e extensionista rural da Emater de Venâncio Aires, Diego Barden dos Santos. Ele também ressalta que nos últimos anos houve um aumento significativo nos preços dos insumos necessários para manter a produção, gerando uma disparidade no valor de cada produto.
“Grande parte disso compõe o custo de produção do produtor de leite”, analisa. Por isso, ele cita que um dos maiores desafios do produtor tem relação esse equilíbrio nas contas. “Um dos desafios do produtor é em relação ao preço pago pelo litro do leite. É conseguir uma renda condizente com a atividade que ele executa”, analisa.
Para o extensionista da Emater, outro ponto que causa dor de cabeça para o produtor é a estiagem. Ele lembra que esse é o terceiro ano de seca, o que atrapalha a geração de alimento na propriedade, principalmente de pastagem e silagem de milho. Segundo ele, esse fator, inclusive, acelerou a decisão de alguns produtores rurais de pararem com a atividade leiteira.
O engenheiro agrícola acredita que diante desse cenário, o produtor precisa intensificar a gestão da atividade leiteira, no que diz respeito à alimentação, sanidade e insumos. Atualmente, cinco empresas da região – localizadas em Encantado, Teutônia, Passo do Sobrado e Estrela – e duas agroindústrias do município, localizadas em Linha Harmonia da Costa e Linha 17 de Junho, são responsáveis pelo processo de industrialização do leite de Venâncio.
Queda no número de produtores
• De acordo com o extensionista rural, Diego Barden dos Santos, em relação a 2015, o setor leiteiro de Venâncio Aires passou por redução no número de produtores. Essa queda consta no Relatório da Cadeia Produtiva do Leite realizado a cada dois anos pela Emater e acompanha uma realidade vivida em todo Rio Grande do Sul.
• Conforme esse estudo, em 2015 a Capital do Chimarrão tinha 219 produtores que vendiam leite para indústrias e a produção anual foi de nove milhões de litros. Em 2021, o número de agricultores se dedicando a atividade reduziu para 104, com uma estimativa de produção de oito milhões de litros de leite.
• “Quem permaneceu decidiu investir e qualificar a atividade. Quem saiu, decidiu parar para investir em outra cultura mais adaptada para a sua propriedade”, compartilha. Santos também observa que outro ponto que chama a atenção no interior do município é o tamanho das propriedades, que por serem menores, exigem que a produção de alimento aconteça em outras áreas.
“Todos os custos de produção aumentaram e o preço pago pelo litro de leite não aumentou na mesma proporção.”
DIEGO BARDEN DOS SANTOS – Extensionista rural da Emater
• R$ 2,27 é valor médio pago pelo litro do leite, conforme indicadores divulgado pela Emater.