O sol nem havia raiado e um clarão causava dúvida e curiosidade nos moradores de Linha Leonor. Era por volta das 5h de segunda-feira, 10, quando os vizinhos da família Keller avistaram chamas do outro lado do morro. Uma vegetação estava sendo queimada. Na escuridão, os focos chamavam atenção.
Quando foram avisados, o motorista de ônibus Darci Keller, 61 anos, a esposa Elaine, 60, e a filha Liviane, 40, foram pegos de surpresa. “Nossa primeira reação foi chamar ajuda. Sorte que a internet funciona aqui, ligação é bem difícil, mas coloquei a situação no WhatsApp, temos um grupo de emergências e um grupo do futebol e rapidamente muita gente veio nos ajudar”, relata Liviane, que é professora de Geografia.
As chamas iniciaram na base do morro e logo se alastraram pelas terras da família, em Linha Silva Tavares, e nas terras vizinhas, em Linha Saraiva. Foram três propriedades atingidas, uma mata de eucalipto e nativa afetada, além de todo o ecossistema.
A equipe de reportagem foi até o local, cerca de 40 quilômetros do Centro da cidade, na tarde de terça-feira, 11, e junto da família e moradores adentrou a mata para verificar os estragos. Ao subir a serra em direção à ERS- 422, após Linha Cipó, a placa sinalizava a descida para Linha Leonor, e o cheiro de fumaça já era perceptível. A família suspeita que o incêndio tenha sido criminoso.
Galhos e folhas secas
O fogo iniciou em galhos e folhas secas de eucalipto que estavam na beira da estrada, próximo à casa da família Keller. De maneira muito rápida, as chamas subiram o morro e se alastraram por três propriedades. “São verdadeiras florestas de mata fechada que se perderam”, frisa Keller. O prejuízo dele foi em torno de 10 mil árvores de eucalipto, além da mata nativa. “No total, acredito que ultrapassa os cinco hectares de mata perdida”, lamenta o aposentado.
Na manhã de segunda-feira, mais de 30 vizinhos da família auxiliaram no combate às chamas. O desafio era conter o fogo, pois uma tragédia poderia acontecer. “Nossa preocupação era esse fogo subir e parar lá na Silva Tavares, na Figueira, porque a gente sabe que a região serrana tem matas fechadas agregadas a gigantescas plantações de eucalipto”, comenta a filha do casal.
Liviane lamenta que em questão de horas a mata nativa virou cinzas. “Ficamos até meia-noite abafando os focos, fazendo faixas de aceiros para impedir a transposição do fogo para outros locais”, recorda a professora.
Segundo incêndio
Já era tarde da noite e a família foi descansar, afinal o dia havia sido puxado, mas a certeza era de que as chamas haviam sido combatidas. “Na terça de manhã, acordei às 6h05min e, quando abri a porta da casa, vi o fogo em outro terreno. Não acreditei, chamei a família e novamente fomos combater as chamas”, conta o motorista.
Era novamente um incêndio, porém dessa vez em local distinto. Na tarde de terça-feira, ainda era possível observar a fumaça saindo da terra. Era claro observar que o fogo iniciou em outro local. “Foram duas queimadas distintas e a gente acredita que foram intencionais. É triste ver tudo em chamas, árvores enormes queimando”, relata Liviane.
O terreno é bastante íngreme e de difícil acesso. “Foram dois dias de muito trabalho, a gente precisa agradecer a cada um que ajudou a apagar as chamas, abafando os focos, a quem carregou água nas costas nos pulverizadores para molhar a vegetação e apagar as chamas, não foi fácil”, cita a professora.
Um dos moradores de Linha Leonor que ajudou a família Keller a combater as chamas, Silverio Parckert, 51 anos, relata como a comunidade se uniu e foi auxiliar. “Estávamos entre 20 pessoas para ajudar. Fomos com enxada e máquina pulverizadora nas costas. A sorte que começou a chover”, recorda. O músico Laércio Willms, 45 anos, também auxiliou a família e acompanhou a reportagem. “Isso aqui é lamentável. Ver uma cena dessas é chocante”, diz.
Prejuízos
- O incêndio afetou significativamente as árvores de eucalipto e a vegetação nativa. Em valores, a família estima mais de R$ 100 mil de prejuízos. A professora ainda cita inúmeras perdas de fauna e flora. “Perdemos lenha e mata nativa, mas também perdemos animais rasteiros, cobras, tatus, aranhas, sem contar as árvores nativas como coqueiros e xaxins”, comenta.
- Liviane irá fazer o registro do incêndio na Delegacia de Polícia. Na manhã de segunda-feira ela nem comunicou o Corpo de Bombeiros, pois o fogo era no topo do morro e a professora acredita que o caminhão não teria acesso.
- “Na terça, quando vi que o fogo poderia chegar na casa até liguei, mas por se tratar de uma localidade distante eles acabaram nem vindo, pois era incêndio no mato. Eu até entendo, mas nosso interior está abandonado. Não temos Brigada Militar no nosso distrito e, quando acontece alguma coisa, a gente não sabe para quem pedir ajuda”, desabafa.
“Ficam muitas dúvidas. Fenômeno natural? Pouco provável, pois nesse horário a vegetação ainda está úmida pelo sereno da madrugada. Bituca de cigarro? Pouco provável, pois as estradas estão desertas. Queimadas para limpar a roça? Tudo bem que as pessoas no interior acordam cedo, mas colocar fogo essa hora é pouco provável. O pior foi evitado, as chamas não chegaram em moradias e vidas humanas não se perderam.”
LIVIANE KELLER – Professora