Há mais de seis meses chove muito abaixo da média. Não tem como percorrer o interior de Venâncio Aires e não se deparar com as consequências causadas pela seca. A principal preocupação dos agricultores é com a estiagem prolongada. Em diversas localidades a falta de água para o consumo humano é angustiante. Em algumas propriedades a aflição também é em torno do início da próxima safra de tabaco, que pode ser prejudicada com a falta água para semear as mudas nos canteiros.
Em Linha Cipó, a realidade dos moradores é a busca diária por água. A família Appelt, no último final de semana, aproveitou o isolamento social para puxar água e encher as ‘piscinas’ para iniciar a semeadura do tabaco nos próximos dias.
A água é buscada em poços de aproximadamente um quilômetro de distância da propriedade. “Para nosso consumo a gente ainda tem, mas estamos com um racionamento, poupando bastante, porque dos dois poços, um secou”, enfatiza Marcelo Appelt, 35 anos.
Para semear os 70 mil pés de tabaco da safra 2020/2021 serão necessários mais de 14 mil litros. Cada canteiro da família recebe em torno de mil litros de água. Com os galões, a carroça e o trator, Appelt consegue trazer 600 litros, por viagem. Até o momento, três canteiros já estão aptos. “A gente ainda precisa agradecer. Aqui tem vizinho que está desde dezembro puxando água. Para nós, em fevereiro começaram a secar os poços e açudes, com isso, tivemos que instalar caixas de água no campo para o gado”, acrescenta Adriana Appelt, 33 anos.
Além do casal jovem, os pais de Marcelo moram na mesma propriedade e plantam juntos o tabaco. Clécio Appelt, 62 anos, planta tabaco desde os 13 anos e não se lembra de iniciar a safra tendo que puxar água. “Desde pequeno que estou trabalhando com a agricultura e não me lembro de terminar uma safra com tanta quebra e falta de chuva e iniciar a próxima com o mesmo problema”, relembra Clécio.
A família, de Linha Cipó, ainda é considerada ‘sortuda’ pelos moradores da região serrana, afinal, muitos estão sem água para o consumo humano desde dezembro. Alguns vizinhos buscam água a seis quilômetros das casas. Outros tiveram de vender animais, pois além da falta de água, o pasto apresentou queda de produção.
SOLIDARIEDADE
“Jamais vou negar água. Ela é um dom de Deus.” Essa é a afirmação de Beno Neri Danetti, 67 anos, morador de Linha Cipó. Ele é um dos moradores que ainda tem água. Para aliviar a sede de quatro famílias vizinhas, Danetti fornece água para mais de 23 pessoas, incluindo a própria família.
Com água de poço, ele afirma que a vertente ainda está forte, mas exige conscientização e organizou um rodízio. “A gente está ajudando muitas famílias. É triste ver meus vizinhos sem nenhuma gota d’água nas torneiras para fazer comida”, lamenta. Por isso, a solidariedade falou mais alto. Hoje, os vizinhos mais próximos que estão sem água para o consumo humano vão até a casa de Danetti garantir o bem essencial.
“Estou com 67 anos e nunca vi uma situação tão triste, tão crítica. Sem contar que, nesse ano, a quebra na produção foi grande. Os alimentos estão sem vida, sem sabor, faltou água para as plantas se desenvolverem.”
BENO NERI DANETTI – Agricultor
PERFURAÇÃO DE POÇOS E AÇUDES
- Por meio da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e Desenvolvimento Regional, o governo federal garantiu a destinação de R$ 35 milhões para perfuração de poços artesianos e açudes em municípios gaúchos que estão em situação de emergência como forma de reduzir os impactos da estiagem.
- A informação foi dada pelo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Congresso, deputado federal Alceu Moreira (MDB), ao deputado Edson Brum (MDB), que preside a Frente Parlamentar da Agropecuária Gaúcha na Assembleia Legislativa.
- De acordo com a Defesa Civil do Rio Grande do Sul, até terça-feira, 5, 355 municípios possuem decreto de Situação de Emergência, 262 tiveram seus decretos homologados pelo governo estadual e 219 foram reconhecidos pela União.
- Os prefeitos que tiverem interesse devem encaminhar ofício para Superintendência da Funasa em Porto Alegre solicitando a perfuração de poço, juntamente com o Decreto de Estiagem reconhecido pelo Estado. Após isso, os municípios serão selecionados pelos critérios da Funasa.
Recursos hídricos naturais tendem a normalizar apenas no inverno
A seca entra para a história de Venâncio Aires e região. Conforme o Núcleo de Informações Hidrometeorológicas (NIH) da Universidade do Vale do Taquari (Univates), o Vale do Taquari registrou situação semelhante nos anos de 2004/2005 e 2011/2012, caracterizados como períodos de estiagem nos meses de verão. Assim como ocorre em 2019/2020.
Ainda segundo o NIH o último mês que o município registrou chuvas consideráveis foi em janeiro, sendo registrados 215,4 milímetros. Marcelo Appelt faz o uso de pluviômetro em sua propriedade, em Linha Cipó, e em janeiro o pico foi de 180 milímetros na região serrana. “Em novembro foram 45 milímetros, em dezembro 39. Depois em janeiro veio um alívio, mas que durou muito pouco, porque depois, em fevereiro até abril, a chuva foi quase nada”, lamenta o agricultor.
MAIO
De acordo com o NIH, a tendência para maio ainda é de precipitação distribuída de forma irregular e com volumes em torno e ligeiramente abaixo do normal climatológico. “Os volumes e frequência tendem a ser maiores mais para o final do mês.”
O trimestre (abril-maio-junho) deve ser marcado por precipitações com distribuição irregular e com a maior parte da estação ainda com chuva abaixo da média. “Os volumes e a frequência da chuva tendem a aumentar na medida que se aproxima o final do outono e início do inverno.”
LA NIÑA
Segundo boletim do Centro Americano de Meteorologia e Oceanografia (NOAA), no decorrer do segundo trimestre há previsão de águas mais frias que o normal no Oceano Pacífico e uma possibilidade de formação de um fenômeno La Niña, que precisa ser monitorado e confirmado nos próximos meses. Na atuação de eventos de La Niña, espera-se que na primavera as precipitações apresentem desvios negativos em relação à média histórica. Sua atuação ocorre principalmente nos meses de outubro a janeiro. “É importante salientar que a precipitação em anos neutros é inferior à precipitação pluvial observada nos anos La Niña”, explica o NIH.
A tendência, conforme informado pelo NIH, é de que no inverno na região Sul, as precipitações devam ficar acima do normal. “Segundo previsões do Centro Americano de Meteorologia e Oceanografia (NOAA), há quase 60% de chance de manutenção de neutralidade. Embora ainda seja cedo para falar do inverno, a tendência é que os recursos hídricos naturais voltem a normalizar, pois as precipitações devem ficar acima do normal climatológico.”