Venâncio Aires é um dos municípios do Vale do Rio Pardo que se destaca quando o assunto é educação no campo. Dados do Observatório da Educação do Campo, do Vale do Rio Pardo, comprovam que dos 23 municípios que integram o Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede) do Vale do Rio Pardo, a Capital Nacional do Chimarrão é a que mais tem escolas rurais: são 27, contra 20 do segundo colocado, que é Candelária, seguido de Rio Pardo, que tem 18 estabelecimentos.
“Venâncio é o único município que tem Ensino Médio no campo e, quando a gente pensa em juventude rural, ter uma instituição no meio rural é extremamente importante. É uma das singularidades do município, em outros menores não tem”, destaca uma das pesquisadoras do Observatório, professora doutora Cristina Vergutz.
Apesar de ainda ter 27 instituições de ensino no campo, Venâncio foi um dos municípios que mais fechou escolas no interior no período de 2007 a 2020. Foram 42 instituições que deixaram de atender os alunos das respectivas comunidades (60,8%), enquanto no estado, nesse mesmo período, o percentual de fechamento ficou em 44%. No Vale do Rio Pardo, o índice chega a 54%, ou seja, Venâncio Aires, ultrapassou os números regionais e estaduais.
Do outro lado, a redução de matrículas foi de 31,7% em Venâncio. “Foram fechadas mais escolas do que a redução do número de alunos. Os dados não correspondem”, argumenta Cristina, que também é coordenadora pedagógica da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc).
Observatório
Dessa forma, surgiu o Observatório, que tem o objetivo de observar, analisar e denunciar o fechamento das instituições, a partir dos dados do Censo Escolar. O início foi em 2017, quando as Escolas Família Agrícolas (Efas) realizaram duas audiências públicas, uma para discutir os impactos dos agrotóxicos e outra para denunciar o fechamento das escolas do campo. “Foi nesse ano que começamos a ver a importância de acompanhar esse tema”, cita a coordenadora do Observatório, Cheron Moretti.
O grupo é composto por alunos das Escolas Agrícolas de Santa Cruz do Sul, de Vale do Sol e de suas respectivas famílias, educadores das escolas, professores, estudantes da graduação e pós-graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), além de egressos e comunidade em geral. “Ter uma universidade comunitária é fundamental, pois ela olha para a comunidade e denuncia as questões”, detalha Cheron.
“O fechamento de uma escola é uma perda para a comunidade”
Para a professora aposentada Iolandi Schmidt, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Avaí, de Linha Andréas, sempre foi a referência da comunidade. “Eu estudei nessa escola, na época que era escola rural, fui professora por muitos anos e diretora. O dia mais marcante foi quando tive que entregar a chave e ela foi fechada”, comenta, emocionada.
Após construir parte de sua carreira na instituição – Iolandi lecionou por 39 anos, destes grande parte na Avaí -, em 2015 as atividades foram encerradas. “Trabalhei mais de 30 anos nessa escola. Tínhamos pomar, jardim, horta e uma biblioteca riquíssima”, conta.
A professora cita que a comunidade lutou bastante para que a instituição permanecesse aberta, mas não houve sucesso. “Como professora, posso dizer que levaram um pedaço meu. E, para a comunidade, é uma perda inexplicável. A escola sempre foi referência para Linha Andréas, pois ela unia e mobilizava o povo”, salienta.
A perda da identidade é outro item ressaltado por Iolandi. Para a professora, as escolas são referências em suas respectivas comunidades. “A gente fez muita coisa pela escola e dói muito ver tudo guardado em caixas e memórias”, lamenta.
Aulas de Alemão
Durante os mais de 30 anos em que Iolandi lecionou na escola, inúmeras ações marcaram a trajetória, mas algumas se destacam. A professora estudou por quatro anos a língua alemã para oferecer uma opção de língua estrangeira que, na época, era requisito para alunos da 5ª e 6ª séries. “Entrou a regra de que esses alunos precisariam ter aulas de uma língua estrangeira. Logo pensei, vamos dar aula de alemão, algo forte na nossa região e que eu já tinha conhecimento”, comenta a professora.
Dessa forma, ela estudou e buscou se especializar ainda mais. Durante alguns anos, de forma voluntária, oferecia aulas de língua alemã no turno aposto. “Eu tenho alunos que hoje me agradecem por terem aprendido o alemão”, relata, entusiasmada. Durante os anos, a escola passou a receber visitantes da Alemanha e inúmeros livros. “Eu ia estudando, pois via o quanto meus alunos estavam gostando de aprender”, completa.
“O fechamento de uma escola do campo é o enfraquecimento e desestruturação de uma comunidade. A instituição é uma garantia de vida no campo. Defender as escolas do campo significa estimular a diversidade de cultura.”
CHERON MORETTI – Coordenadora do Observatório da Educação do Campo do Vale do Rio Pardo
Santa Isabel: uma comunidade atuante e persistente
Uma escola do campo, segundo as pesquisadoras do Observatório da Educação do Vale do Rio Pardo, Cheron Moretti e Cristina Vergutz, é caracterizada quando uma instituição trabalha com quem vive e trabalha no meio rural. “Ela trabalha o espaço e o território do campo. Nessa instituição, trabalhamos de forma pedagógica o espaço em que os alunos vivem”, frisa Cristina.
Conforme as pesquisadoras, os conteúdos são iguais a qualquer outra escola. “Trabalhamos os conteúdos dentro daquela realidade. A escola do campo tem uma concepção do modo de ser e estar no meio”, diz Cristina.
Para a professora da Emef Santa Isabel, de Linha Isabel, Francine Beatriz Lahr, 28 anos, a escola é o coração da comunidade, representa alegria, ensinamento e é um espaço extremamente importante. Ela está trabalhando com a pré-escola o tema da primavera da lagarta. “Fizemos um passeio pela comunidade para aprender a importância das borboletas”, explica.
Ela, que estudou na instituição quando criança, comenta sobre o orgulho em lecionar no espaço e estar elaborando o projeto que visa embelezar o cartão postal da comunidade. “Em uma das nossas caminhadas, eles perceberam a quantidade de flores no monumento, e logo decidimos que lá seria um local que poderíamos embelezar e ajudar a comunidade, pois trata-se de um ponto turístico”, ressalta.
Na última quinta-feira, 7, a professora, a diretora Lisane Elisabete Willms Nieland, 50 anos, e pais realizaram o plantio das flores. “Esse é um dos projetos que os pais abraçam. Sem contar que a limpeza, manutenção dos brinquedos e inúmeras atividades são desempenhadas por eles”, enaltece Lisane.
Comunidade atuante
Essa mobilização e participação da comunidade começou no fim de 2017, quando a Coordenadoria Regional de Educação (CRE) resolveu fechar a instituição. “Foi uma luta, uma verdadeira mobilização, mas conseguimos manter nossa escola aberta”, comenta a presidente da Associação de Pais e Mestres (APM) da época, Mirele Parckert. “Hoje, minha filha não estuda mais na escola, mas ainda continuo ajudando no que posso”, frisa ela, que auxilia de forma voluntária.
Há oito anos na comunidade, Cristiano Kleist – pai do Guilherme, que estuda no pré -, a manutenção do pátio é algo que ele sempre procura colaborar. “A gente pode até ter serviço em casa, mas sempre se tira um tempo para vir ajudar a escola. Ela é muito importante para nossa família”, diz.
Neuri Lahr é o atual presidente do APM. A filha mais nova não estuda mais na escola, porém, enquanto não houver reunião, o cargo continuará sendo exercido com responsabilidade. “Essa bandeira a gente sempre vai defender. A nossa espera é pela municipalização da escola”, afirma. Atualmente, a Santa Isabel está ligada à Emef Deolindo Pereira da Costa, de Linha Arroio Grande. O atual tesoureiro da APM, Antônio Baungarten, salienta que a Santa Isabel representa o início da formação dos três filhos. “Hoje, a Vanessa ainda está estudando, mas meus três filhos já passaram por essa escola. Sempre estamos prontos para ajudar e auxiliar”, argumenta.
37 – é o número de alunos na Emef Santa Isabel. São 20 na pré-escola e 17 estudantes do 2º ao 5º anos.
Perspectivas para o futuro
• Conforme as pesquisadoras, a pandemia pode refletir diretamente na educação do campo. “Precisamos entender que muitas localidades não têm uma energia elétrica de qualidade, o que dirá a internet. A pandemia vai afundar ainda mais as diferenças. Sem contar que, muitas vezes, as famílias têm apenas um telefone para todos usarem e estudarem”, salienta Cristiana.
• Cheron frisa que os impactos da seca também irão refletir nos estudos. “Temos o impacto global da pandemia e a estiagem, que pode afetar ainda mais o afastamento do jovem das escolas. A educação do campo está interligada na agricultura familiar, pois nossos jovens são trabalhadores”, conclui.