Vem crescendo por todo o Brasil, inclusive em Venâncio Aires, o trabalho de um grupo de pequenos agricultores que dedicam-se a manter a história da agricultura, saberes e sabores tradicionais. Os guardiões de sementes crioulas executam um trabalho de preservação de sementes e de práticas agroecológicas que buscam priorizar a agricultura de antigamente, sem uso intenso de agrotóxicos e insumos químicos.
Clécio Erni, 66 anos, e Neily Iria Sehnem, 61 anos, possuem um pouco mais de um hectare de terras em Linha Travessa. É nessa propriedade que inúmeras variedades de sementes crioulas são preservadas há anos pelo casal. “Faz muito tempo que não compro mais sementes. Acho que faz no mínimo uns 10 anos. Sempre faço as minhas”, conta o agricultor.
A tradição é herdada dos pais. O casal prioriza sementes crioulas na propriedade, dentre elas, variedade de milho, feijão, pepino, porongo, melancia amarela e pipoca. “Para mim é um hobby cultivar as sementes. Faço isso pois gosto muito”, enfatiza Sehnem.
O passatempo também já virou uma pequena fonte de renda. “As pessoas procuram, compram e se interessam pelas sementes. Então atendo agropecuárias e consumidores diretos”, conta o agricultor. A alimentação da família é praticamente toda da propriedade. “A gente faz nossa farinha de milho para o pão, nossas conservas, feijão e todos os itens de subsistência. Sem o uso de químicos. A gente presa por isso, alimento saudável na mesa”, frisa.
Dicas para cultivar as sementes crioulas
• Conforme o produtor rural de Linha Travessa, o ideal é evitar de plantar as variedades diferentes na mesma época e próximas. “Se eu plantar o milho crioulo e a pipoca na mesma semana, na hora que der a polinização vai ter cruza na genética”, comenta Clécio Sehnem.
•Depois, na hora de guardar, é importante secar bem as melhores sementes, após a seleção, é feito o armazenamento em garrafas pets, bem vedadas. “Se quiser pode guardar no freezer. Eu guardo na despensa, é um lugar bem fresquinho”, aconselha.
•As sementes crioulas são variedade mais rústicas. Dessa forma, o técnico agropecuário Alexandre Kreibich, da Emater, explica que elas se adaptam melhor ao clima em que são plantadas.
• Para manter a originalidade da semente, o ideal é cultivar as variedades em épocas separadas. Evitando que ambas entrem em período de floração no mesmo tempo. Além disso, outra dica é plantar em pontos distantes.
Características
Para identificar uma semente crioula, os produtores explicam que basta uma olhada no vigor e no colorido da semente. No caso do milho, eles citam que o grão é maior, com formato definido. E na hora de consumir, eles alegam que o sabor é diferente.
Grupo trabalha com as sementes crioulas em Venâncio
Uma prática antiga e artesanal, o trabalho com as sementes crioulas integra as atividades da Emater-RS/Ascar. Desde 2018, juntamente com o Sindicato Rural, Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) e Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural, foi criado o Grupo de Agricultores de Sementes e Mudas Crioulas do Município de Venâncio Aires (Gascemva).
Conforme o técnico agropecuário e extensionista rural da Emater, Alexandre Kreibich, que está há 8 anos na entidade, trabalhar com as sementes e mudas crioulas é motivo de satisfação e orgulho. “Estamos preservando nossas espécies, mantendo a essência e buscando um alimento saudável na mesa das famílias, garantindo a segurança e soberania alimentar, um dos nossos lemas de trabalho enquanto Emater.”
O grupo é formado por agricultores e entidades, e, segundo Kreibich, uma das dificuldade é incentivar a participação de jovens. “É algo antigo, que passa de geração a geração, mas muito não se interessam mais. A maioria do grupo tem mais de 40 anos”, cita.
Antes da criação do grupo, os agricultores de Venâncio Aires já participavam de trocas de sementes e intercâmbios, porém, com a efetivação da equipe, houve uma ampliação do número de interessados e, com isso, o município passou a fomentar a diversificação de sementes e mudas crioulas. “Começamos a participar de encontros de sementes e durante a Agrofeira, em 2018, sediamos o Encontro Regional das Sementes Crioulas em Venâncio”, comenta Kreibich.
Variedades
No escritório local da Emater, inúmeras variedades de sementes e mudas crioulas estão catalogadas, destacam-se: milho, feijão, abóbora, moranga, porongos, mudas de olerícolas como alface, tomate, pepino, além disso, arroz, soja preta, quiabo, pipoca, melão, melancia, bucha vegetal, batatinha, fava, amendoim, pinhão, aipim, flores e frutas diversas, entre outras. “A variedade é imensa. Muitas famílias do interior preservam pelo menos uma semente crioula”, comenta o extensionista rural.
Desde 2014, os agricultores de Venâncio participam de um encontro de sementes crioulas em Ibarama, onde adquiriram muitas variedades diferentes. “A gente até tem sementes do Peru. Mas uma semente crioula não precisa ser necessariamente aquela comprada, mas é algo que passa de geração a geração, dentro da família ou comunidade, sem modificação genética.”

Diocese incentiva a tradição, para cuidado com a ‘mãe Terra’
As sementes crioulas também são foco do trabalho da Diocese de Santa Cruz do Sul. Segundo o padre Roque Hammes, o trabalho é coordenado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Escola de Jovens Rurais, por Oldi Helena Jansch e Maurício Queiroz.
Desde 2000, é realizado o Encontro Diocesano de Sementes Crioulas. Neste ano, em outubro, a comunidade São Luiz, de Vila Santa Emília, sediou a 20ª edição do evento. “Os encontros são realizados anualmente e acontecem em locais diferentes, sendo que os últimos aconteceram em Santa Emília, Santa Clara do Sul, Ilópolis, Dom Feliciano, Santa Cruz do Sul, Passo do Sobrado, Arroio do Meio e Candelária”, comenta Hammes.
De acordo com o padre, o objetivo dos encontros é divulgar as sementes crioulas, motivar os agricultores a produzirem suas próprias sementes e promover a troca. “Desde o começo, a CPT incentiva os guardiões de sementes crioulas e a troca entre os agricultores. Os grandes difusores deste trabalho são os jovens que participam da Escola de Jovens Rurais. A motivação é produzir alimentos saudáveis, incentivar a agroecologia, evitar o uso de agrotóxicos e resistir aos transgênicos. Junto com isso vem o cuidado com a ‘mãe Terra’ e o alerta para evitar que a produção de sementes se concentre nas mãos de algumas empresas multinacionais”, frisa.
Romaria da Terra
Um dos grandes espaços de divulgação das sementes crioulas é a Romaria da Terra. No dia 1º de março do próximo ano, a Diocese vai acolher a 44ª edição desta romaria por meio da Paróquia São Paulo Apóstolo, de Ilópolis. O tema da Romaria é ‘Agricultura familiar e agroecologia: sinais de esperança’ e o lema ‘Irmãs e irmãos, vamos cuidar da mãe Terra’. Segundo Hammes, para esta Romaria, a CPT entregou a várias famílias de Ilópolis sementes crioulas com o objetivo de trazer o resultado deste plantio no dia 1º de março.