A origem pode até ser uma incerteza na região, mas o sabor é inconfundível. Dourado, crocante e saboroso, o torresmo prensado é um produto raro, difícil de ser encontrado e com um alto valor no mercado. Popularmente conhecido como kriba, o produto é bastante procurado em casas de carnes e supermercados. Na colônia, o produto é o ‘queridinho’ daqueles que sabem, na prática, o jeito certo de preparar a iguaria.
Há quem diga que a tradição é da culinária brasileira e portuguesa, outros comentam que os imigrantes germânicos adaptaram a forma de preparo. A tecnóloga em Gastronomia pela Universidade do Vale do Taquari Univates, Fernanda Schmitz, 22 anos, moradora de Arroio do Meio, cita que a tradição na região vem de descendentes de colonizadores alemães.
“Minha relação com o torresmo vem de família, é uma tradição que passa de geração em geração, minha avó e meu avô ensinaram as técnicas de carnear suínos para minhas tias e também para minha mãe, que hoje em dia repassa os conhecimentos para mim e meu irmão. Inclusive, meu sobrinho de 5 anos fica na espera do saboroso torresmo”, detalha a gastróloga.
Preparo do torresmo
O agricultor aposentado Arno Halmenschlager, 78 anos, e a esposa Lucina Isabel Halmenschlager, 75 anos, sabem a receita de um torresmo saboroso e hoje ensinam o neto Ricardo Alberto Kist, 22 anos, para seguir preservando uma tradição que vem dos avós do casal, morador de Vila Santa Emília.
A reportagem da Folha do Mate visitou a família no dia 21 de maio. Antes das 7h, o casal e o neto começaram a carnear o porco, ‘ingrediente’ principal do gepresste Schweineschwarte (torresmo prensado). O dia estava nublado, frio, cerca de 10 graus, e ameaçando a chover, o que se confirmou pelas 9h.
Às 7h30min, quando a reportagem chegou ao local, avô e neto já estavam raspando o pelo do animal com água quente e iniciando o processo de tirar o couro com a gordura do porco. A agilidade e a prática passam de geração a geração, pois ambos são ágeis nas facas e no corte da carne.
Entre uma afiada e outra da faca na lima, Halmenschlager, tirou o toucinho do animal e o levou para o galpão onde instalou uma espécie de ‘casa de carnear’. “Dá bastante serviço, mas assim a gente sabe o que está comendo, temos carne macia e de qualidade”, frisa o agricultor.
Enquanto a carne descansava e esfriava, o Ricardo, acompanhado dos avós, iniciou o processo de tirar a gordura do couro, que não é aproveitado. “A gente aproveita a gordura do porco e uns pedacinhos de carne, pois isso dá o verdadeiro sabor do torresmo.”
Às 8h45min, os 25 quilos de toucinhos foram colocados no tacho com um pouco de água. Segundo Halmenschlager, pode ser utilizada a banha também. A partir desse momento, o segredo é um só: “precisa ficar mexendo bastante e não deixar grudar”, orienta o agricultor.
Tradição do torresmo
O preparo do torresmo no interior de Venâncio Aires é algo muito comum, e geralmente os segredos são passados de geração para geração. Na família de Vila Santa Emília não é diferente. Desde os 5 anos, Ricardo acompanha o avô. Ao longo do tempo, foi desenvolvendo o gosto pela lida no campo e aprendendo técnicas e segredos na hora de carnear um porco e fazer o tradicional torresmo. “Hoje já sei que, no começo, pode ter fogo alto, depois é um foguinho ralo. O ponto do kriba também já descobri”, comenta.
O neto acrescenta que esse ritual se repete por cerca de cinco vezes ao ano, afinal, a família é fã de carne de porco e torresmo. “O vô ensinou todas as técnicas, desde pequeno eu estava junto. Mas essa parte de mexer o toucinho no tacho é o que eu mais gosto.”
Segredos do preparo
- A receita da família Halmenschlager é semelhante ao modo de preparo explicado pela gastróloga Fernanda Schmitz. Ela comenta que para a fabricação do torresmo o primeiro passo é tirar todo o toucinho do porco e após cortar em tiras ou cubos médios.
- “Após isso, o próximo passo é acender o fogo onde será colocado o tacho para fritar o toucinho”, explica.
- Depois do fogo acesso, Fernanda explica que é necessário posicionar o tacho. Na sequência, vem uma dica: “Para o toucinho não grudar, logo que colocamos no fogo, acrescenta-se banha ou água no tacho e em seguida todo o toucinho”, aconselha Fernanda. A família Halmenschlager utilizou uma caneca de água para 25 quilos de toucinho.
- “Podemos observar que o toucinho começa a encolher à medida que vai soltando a banha.” Fernanda detalha que o ponto do torresmo deve ser notado quando se tira um pedacinho do tacho. O ideal é espremer com um garfo. Quando não sair mais banha e se não estiver com uma aparência de murcho, estará no ponto para tirar do fogo e passar para a segunda etapa.
- A segunda fase é a prensagem, para que seja possível separar o torresmo da banha. “Nessa etapa é muito importante ter um equipamento específico para prensar o torresmo. Normalmente, a prensa é encontrada em agropecuárias”, cita a profissional.
- O resultado final do torresmo vai do critério de quem está fazendo. Há quem prefira mais sequinho e crocante, mas também pode ser mais suculento. Assim que a banha escorre, ele está pronto.
- “Para quem quer degustar assim fresquinho e morno, uma boa dica da vó e pegar um prato com farinha de mandioca e sal e saltear o torresmo nessa mistura, fica muito saboroso”, aconselha Fernanda.
- No caso da família de Vila Santa Emília, o torresmo é prensado e fica em formato de ‘bolo’. Não é solto.
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Schweineschwarte na Alemanha, kriba no interior de Venâncio
Uma pesquisa realizada pela professora Jaqueline Sebastiana Bender, da Escola de Língua Alemã Auf gut Deutsch, de Santa Cruz do Sul, aponta que o torresmo é o termo culinário para mais uma das tantas iguarias de um suíno. “Ele pode ser preparado de muitas maneiras diferentes”, salienta Jaqueline, que explica que, na Alemanha, a iguaria se chama Schweineschwarte.
Segundo a professora, há pouco tempo, uma empresa de alimentos fitness (produtos saudáveis) de Londres apresentou ao mercado o primeiro torresmo rico em proteínas. “É um lanche popular no Brasil, geralmente servido em pedaços pequenos. Também é um acompanhamento comum de pratos típicos como a feijoada e o virado. No Sul do Brasil, o torresmo também é chamado de ‘Kriba’ – palavra que vem de regiões de imigração alemã.”
2,5 quilos
é o peso do torresmo prensado feito pela família Halmenschlager. Foram 25 quilos de toucinho, que se transformaram em 20 quilos de banha e 2,5 quilos de torresmo. Além disso, o suíno rendeu mais de 60 quilos de carne.