Para Marli Rosângela de Oliveira, 55 anos, a liberdade proporcionada pela lida na lavoura e a certeza de que está trabalhando em algo que é dela estão entre as principais vantagens de ser agricultora.
Bem humorada, vaidosa e dedicada ao trabalho no campo, a moradora de Linha São João, no interior de Venâncio Aires, carrega o orgulho de tudo que conquistou ao lado do marido João Aloísio Dörr, 58 anos. Os dois compartilham a vida desde 1986 e são casados no religioso desde 1999. “Começamos sem nada e compramos terra, carro, fizemos a nossa casa. Tudo com muita dedicação”, define Marli.
Nesse caminho de muito trabalho, desafios e conquistas ao longo de quase quatro décadas, sempre andaram lado a lado. Na construção da residência, ele foi o pedreiro e ela a servente, inclusive, fazendo a massa para colocar os tijolos e rebocar as paredes.
Diferente da maioria dos casais, Marli e João dividem tudo: cada um tem sua conta bancária, seu bloco de produtor, um veículo no nome e a escritura de parte das terras. Os 50 mil pés de tabaco produzidos por eles também são repartidos na vírgula: 25 mil para cada. “Dividimos tudo, sempre brincamos que só a cama que é a mesma”, diverte-se.Basta poucos minutos de conversa com eles para perceber a sintonia, parceria e admiração recíproca entre os cônjuges e colegas de trabalho. “A vida toda caminhamos juntos”, define a agricultora. O casal é pai de Franciele, 33 anos, e Dener, 29, e tem quatro netos.
Liderança no grupo de mulheres
Nas horas vagas, Marli e João gostam de participar de festas comunitárias. Inclusive, atualmente, são festeiros da Comunidade Católica Menino Jesus de Praga, de Linha Cerro dos Bois. Eles também participam do movimento católico do Cursilho.
O envolvimento comunitário não para por aí. Marli é catequista de batismo e de Primeira Eucaristia, na Comunidade Nossa Senhora de Lourdes, de Linha São João, além de auxiliar nas missas. “É um trabalho que me realiza. Gosto muito do contato com as pessoas”, afirma.
Recentemente, ela liderou a formação do Grupo de Mulheres Amigas do Menino Jesus, em Cerro dos Bois, que está em processo de formalização da entidade. “Como não tem clube de mães lá, sugeri que poderia fundar e ajudei a organizar. Acabei ficando como a presidente”, relata. A relação de Marli e do marido João com a comunidade de Cerro dos Bois ocorre por conta da relação de amizade com o casal Marisa Schmidt e César Gonçalves, que são da localidade.
No Clube de Mães Amigas da Natureza, de Linha São João, Marli participa há diversos anos. Ela lembra que, por meio dele, foram realizados diversos cursos – inclusive na casa dela – a partir da parceria com a Emater, como de defumados, bolachas, processamento de frutas e hortaliças e de inclusão digital. “A maior parte do meu conhecimento veio com a Emater. Muita coisa boa aconteceu na minha vida a partir desse trabalho”, ressalta.
Atualmente, com o apoio da extensionista Djeimi Janisch, a agricultora trabalha em um projeto para iniciar o cultivo de morangos. A ideia é ter uma alternativa ao tabaco, especialmente por conta dos problemas nos joelhos. Em 2008, ela se machucou após cair da carroça e em 2015 operou os dois joelhos. “O médico disse que eu nunca mais poderia continuar igual, mas sigo fazendo a mesma coisa. Agora com os morangos será uma opção mais tranquila pela saúde”, comenta.
Motorista habilitada e uma frequentadora da academia
Entre as tantas conquistas ao longo da vida, uma tem um significado muito especial para Marli: a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Faz dez anos que ela conseguiu a aprovação nas provas da autoescola e adquiriu a liberdade de ir e vir sozinha, na condução do automóvel. Ela faz questão de lembrar que não passou de primeira, mas, quando conquistou a aprovação, foi impossível segurar a emoção e o choro de felicidade. “Até hoje nunca levei uma multa”, orgulha-se.
A agricultora também se destaca pelo cuidado com a saúde. Duas vezes por semana, frequenta a academia em Estância Nova. Nas segundas e quartas-feiras, assim que chega da lavoura, no início da noite, já toma banho e segue para fazer exercícios físicos que contribuem para o fortalecimento do corpo, a redução das dores nos joelhos e no nervo ciático e até mesmo para dormir melhor. “O corpo já está acostumado. Não abro mão de ir na academia. É algo muito bom”, destaca.
O desafio da independência financeira e da valorização
A história de Marli se assemelha a de outras milhares de mulheres rurais de Venâncio Aires e região. Elas trabalham na produção de tabaco, cultivam os alimentos para a subsistência da família, produzem pães, geleias e outros itens caseiros, e cuidam da rotina da casa. Apesar disso, a moradora de Linha São João está na vanguarda por alguns aspectos específicos.
A independência financeira e a carteira de motorista, que permite que possa se deslocar sozinha e participar de atividades diferentes, ainda estão entre os principais desafios para as agricultoras. “Como o homem e a mulher trabalham juntos, geralmente a renda é dos dois e é administrada por ele, diferente do que acontece na cidade, na maioria das vezes, onde cada um tem o seu próprio dinheiro”, compara a extensionista rural da Emater/RS-Ascar, Djeini Janisch.
Nesse sentido, ela destaca o quanto a busca das mulheres por uma atividade econômica diferente contribui para essa liberdade. Agroindústrias, a produção de hortaliças, leite, artesanato e, especialmente, o cultivo de morango estão entre as principais atividades desenvolvidas pelas agricultoras. “O morango tem se destacado muito, pois é uma atividade prazerosa e que proporciona o contato com o público para a venda. O fato de receber elogios por aquele produto que elas estão vendendo é algo muito positivo”, observa Djeimi.
“Quanto mais participam das atividades coletivas com outras mulheres, mais elas se engrandecem enquanto agricultoras, conseguem se enxergar como protagonistas.”
VIVIANE RÖHRS
Extensionista rural – social da Emater
A extensionista rural social da Emater, Viviane Röhrs, também reforça a importância do trabalho com grupos de mulheres, por meio dos clubes de mães e outros eventos voltados ao público feminino. “Há uma carga histórica de grande responsabilidade para as mulheres, que atuam na lavoura, cuidam da casa, da horta, dos filhos, têm uma rotina muito intensa. E nesses momentos de integração com outras mulheres elas conseguem aliviar essa carga, se priorizar”, analisa.